quarta-feira, 21 de agosto de 2013

A moda das grelhas Excel



Sem minimizar de modo algum o trabalho dos bons professores que, em péssimas condições e com pouquíssimos recursos, fazem todos os dias um excelente trabalho, o que, infelizmente, não é regra, é confrangedor  verificar  o estado  quase catastrófico a que chegou a educação neste país, raiando muitas vezes o anedótico e o absurdo, consequência, entre muitas outras coisas,  de tudo o que se foi experimentando, consoante as modas de cada momento, sempre anunciadas como verdadeiras inovações pedagógicas.
Uma das mais recentes é a das grelhas Excel. Ainda antes do Gaspar, já a moda das grelhas Excel se tinha instalado nas escolas, para avaliar os alunos. Nunca percebi por que é que os professores gostam tanto de grelhas.  E de fichas, também. Mas um dia ainda vou descobrir. Ou talvez não. Não me parece que tenha muito interesse.
E se há coisa irritante e inexplicável no mundo da educação, que  é talvez, também, um dos  maiores problemas deste universo tão complexo, é a facilidade com que "pegam" as modas e a rapidez com que quase  todos as começam a seguir sem se questionar, sem se perguntar, sequer, se tudo aquilo faz algum sentido. Só porque sim. Porque é "como toda a gente faz". E, de um modo "viral", por falar em modas, passa a ser "normal".
Quem quiser dar-se a esse trabalho, vale a pena perder algum tempo a observar com atenção os critérios de avaliação das diferentes disciplinas, em diversas escolas. Não são todos iguais, têm pequenas variações que vão das mais complexas fórmulas matemáticas às coisas mais hilariantes como, por exemplo, atribuir cinco ou dez por cento, ou outra percentagem qualquer, a coisas como "interesse" e "empenho", incluídas num item mais vasto que, em geral, se intitula "Atitudes". Gostava de saber como se pode quantificar o interesse e que instrumentos são utilizados para o "medir". Depois de obtidas as percentagens, põe-se tudo numa grelha Excel e, como diria Guterres, "é fazer as contas". E assim chega-se ao despropósito de a avaliação de um aluno, numa determinada disciplina, poder ser isto:
P3=0,85.14,6+17,0+2x17,8+2x12,4+2x14,9+2x19,0/10 +0,1.0+16+14,5+14,5/4+0,05x10=15,208 - 15 valores. (E juro que isto é real!...)
Mais: agora, em muitas escolas, a nova moda nos critérios de avaliação é as notas do segundo e do terceiro período contarem duas vezes para a média final e as do primeiro só uma. Ou as do primeiro período valerem, por exemplo, vinte por cento da média final, as do segundo trinta e as do terceiro cinquenta. São, dizem, as ponderações. Serão os resultados dos testes do segundo período mais fidedignos que os do primeiro? Enfim, há de tudo, mas na verdade ainda ninguém me conseguiu explicar por que é que é assim e  qual a vantagem. E é aqui que eu critico os professores, que aceitam tudo o que alguém se lembra de dizer que  "agora é assim", sem colocar duas questões fundamentais: porquê e para quê. Obedecendo, simplesmente, naquele silêncio e encolher de ombros tão característico, motivado por inércias, comodismos e cansaços vários. Por mim, tenho muitas dúvidas que esta forma de avaliar seja melhor para os alunos. Não me parece lógica, sequer.
Enfim, não consigo mesmo conceber que se avalie um aluno desta maneira, nem em  nome de uma objectividade comprovadamente duvidosa. Como é possível reduzir a uma fórmula matemática o percurso de aprendizagem de um aluno? Onde fica, na frieza dos números, aquela margem de esforço e de sonho que os fez crescer como pessoas e não se pode quantificar? Porque há na escola um lado humano que tem que se ter em conta. Em tudo; e na avaliação também.
Nunca usei estas fórmulas para avaliar alunos e continuarei a não as usar enquanto me mantiver no meu juízo perfeito. Porque o rigor e a exigência, para mim, não são nada disto. E mesmo quando as minhas notas foram objecto de recurso (aconteceu algumas vezes), consegui explicar detalhadamente a razão pela qual àquele aluno havia sido atribuída aquela nota, sem precisar de uma grelha Excel, ou de uma fórmula matemática. E depois, convenhamos, há na avaliação uma margem de subjectividade, que é incontornável e que deve ser assumida, sem qualquer peso na consciência ou sentimento de culpa.
Lembra-me um  professor francês que tive, Guy Brault, que dizia que a relação pedagógica que se estabelece entre um professor e um aluno é  uma relação de sedução, mas desequilibrada e contaminada pela avaliação. Nunca mais me esqueci disto. E acho que é verdade, de certo modo.
Eu sei, na pele, como pode ser cansativa e desgastante a vida de um professor. Mas  bom senso e razoabilidade, mesmo em doses moderadas, não fazem mal a ninguém. E recomendam-se...

14 comentários:

  1. Concordo, a avaliação contamina o prazer de aprender e o saber. Também já escrevi sobre isto e considero que tanta avaliação - e nos moldes em que é feita - só instala o caos. Mas as culpas não são dos professores bons, são das direções, dos coordenadores de departamento e dos mais papistas do que o papa... Náuseas, realmente.

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    1. Certo, Faty, mas a questão é que as direcções, os coordenadores de departamento e até "os mais papistas que o Papa" são todos profesores. E cabe aos que vêem o absurdo do que se vai fazendo dizer não, em vez de "seguir a onda". Foi mais ou menos isso que quis dizer. Acho que me entende...

      Beijinho

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    2. Entendo mas não há coragem nesta classe. Nas reuniões, por exemplo, nota-se medo de falar. Há quem nunca sequer abra a boca...

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    3. E eu não sei? Nunca entendi esse medo de falar... Medo de quê, afinal? Enfim, é sempre uma posição muito mais cómoda... ;)

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  2. Estou inteiramente de acordo. Defendi posições semelhantes ao longo de 36 anos -- perdi sempre, arranjei numerosos inimigos e problemas sem conta.
    Enfim. Também fui aluno de Guy Brault, professor de Francês IV na Fac. Letras de Lisboa. Devo-lhe, para além do muito que com ele aprendi, bolsa para um curso de um mês em França, na Universidade de Montpellier, e a nota mais elevada da minha licenciatura. Teremos sido colegas? Terminei, salvo erro, em 1982.

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    1. Guy Brault não foi meu professor na Faculdade de Letras, mas sim no Institut Français, no Charles Lepierre, onde fiz um interessantíssimo estágio de pedagogia.
      Acho que não fomos colegas, José. Tenho uma memória "de elefante" e lembrar-me-ia. Além disso, tenho muitos anos de serviço, sim, mas tantos, 36?, ainda não.
      De resto, quanto ao mais, nunca tive qualquer problema em dizer em voz alta aquilo que penso, o que me valeu algumas vozes críticas, mas também quem achasse que eu tinha razão e me admirasse a frontalidade.
      Enfim, nisto como noutras coisas, há sempre um pouco de tudo. ;)

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  3. Não sei se percebi muito bem a ideia. Nesta coisa das avaliações, que acontecem em vários meios, não apenas o escolar, mas também por exemplo as avaliações de desempenho nas empresas, etc., para mim há um conjunto de regras que deverão prevalecer sempre:

    . Avalia-se o trabalho da pessoa, nunca a pessoa em si, pelo que coisas como afinidades pessoais, amizades, etc., são ruído no processo de avaliação e devem ficar de fora. Isto é muito importante: tal como nunca critico a pessoa (quando o faço o que é muito raro), apenas e só o seu trabalho.

    . Os critérios/objetivos a avaliar deverão de ser reduzidos (i.e. 3), simples, bem conhecidos à partida, minimamente mesuráveis (o critério para se obter certa classificação tem de ser conhecido à partida) e o processo deve ser transparente para todos os participantes.

    . A avaliação deverá ser tanto quanto possível referente a factos, logo não há espaço para opiniões, perceções, etc. Idealmente deverá ser uma análise histórica de uma amostragem de factos passados (um exame cabe nesta classificação).

    . No final deverá proceder-se a uma consolidação de todos os avaliados para corrigir "manualmente" erros do processo que acontecem sempre (avaliar é ciência pouco exata).

    No fundo é a visão desumana do processo (admito): criar mecanismos que permitam reduzir ao máximo o fator subjetividade e no final ser sempre o mais justo possível. Mas claro que depois o mundo real é sempre mais complexo que aplicar uma folha de Excel, e eu próprio já cometi bastantes erros de análise (o futuro encarregou-se de o mostrar, e eu aceito e assumo-os sem problema) tanto por excesso como por defeito.

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    1. Nesta como noutras coisas, importa fazer prevalecer o bom senso. Concordo consigo quando diz que importa "criar mecanismos que permitam reduzir ao máximo o factor subjectividade" e "ser sempre o mais justo possível".
      Mas no domínio da educação, que é onde me me movo, embora se calhar noutros possa ser igual, importa ter em conta o lado humano, sim. E muito. Vou dar-lhe dois exemplos diametralmente opostos, que no fundo vêm a dar no mesmo.
      Uma vez tive uma aluna, muito limitada em termos de capacidades(o que é raro!). E no entanto "matava-se" a trabalhar (o que é raro, também...). Porém, as notas dos testes nunca iam além do oito. No final do ano, dei-lhe um dez, porque tinha a perfeita noção que ela tinha feito o melhor de que era capaz. E eu tinha a certeza que no ano seguinte, caso eu a reprovasse, ela não conseguiria fazer melhor.
      Outra vez, no oitavo ano, tive um aluno giríssimo, interessado, participativo, que marcava a diferença. Mas a média dos testes e trabalhos não era de cinco, o que é Português é difícil, porque são precisos resultados acima de noventa por cento. No final do ano, ele fez uma auto-avaliação (que, para mim, é sempre sob a forma de texto argumentativo de apreciação crítica do trabalho realizado) em que me explicava com argumentos válidos a razão pela qual, apesar de não ter média de cinco, considerar que merecia um cinco. E eu achei que ele estava cheio de razão. E dei-lho.
      Num e noutro caso, não me pesa nada na consciência, pois tenho a certeza absoluta que foi mais justo assim. E no entanto, se tivesse utilizado as fórmulas matemáticas tão em voga hoje, nenhum destes dois alunos teria tido a nota que teve, em nome de uma obejectividade que eu ponho em dúvida. Foi mais ou menos isto que eu quis dizer. Porque no sítio onde estou, tenho lidado todos os dias com verdadeiras aberrações baseadas nessa pretensa "justiça". Agora também não se pode cair no excesso oposto, do "vale tudo", contra a qual sempre estive e estarei.

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    2. Ui, tantas gralhas, com a pressa. Enfim, mesmo sendo de Português, isso são, como diz um amigo meu, apenas "minudências"... ;)

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  4. Pois devo dizer que gostei muito de ler este texto porque "parece eu a falar"...expressa precisamente aquilo que eu, professora há 25 anos penso sobre as malditas grelhas de excel, pesos e ponderações...pena não trabalharmos na mesma escola:) é bom saber que não estamos loucos por não alinhar nesta moda:)

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    1. Não tenho por hábito publicar comentários anónimos. Faz-me confusão que as pessoas não assumam em nome próprio o que pensam e dizem. Abri uma excepção neste caso. Mas só uma...

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    2. colega de arcos de valdevez7 de outubro de 2013 às 15:35

      Assumir o que penso e digo é o que eu faço todos os dias... e toda a gente me conhece precisamente por essa característica...foi mesmo entusiasmo pela observação pronta...houve até algum descuido na pontuação :)...mas não só... gosto muito de tecnologias , porém, não gosto de qualquer tipo de exposição na internet, por isso, a única conta que tenho é o mail pessoal. Pretendia assinar como Colega de Arcos de Valdevez e assim o faço, agora. De qualquer modo, entendo a observação :)

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    3. Peço desculpa se pareço desconfiada, que é coisa que habitualmente não sou, mas este é um mundo um pouco estranho e já tive boas e más surpresas (como na vida...ou mais ou menos).

      Seja bem-vinda! :)
      Isabel Mouzinho

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    4. colega de Arcos de Valdevez8 de outubro de 2013 às 13:08

      Obrigada! :)

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