quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Um artista singular


Há nas vozes roucas do flamenco um arrebatamento, uma paixão, que me comovem de uma maneira muito especial; é como se houvesse naquele lamento, que é também a explosão de um sentimento que não se consegue dominar nem conter, a expressão aparatosa e emocionada de uma dor pungente (que a palavra espanhola desgarradora, consegue traduzir ainda melhor), vinda do mais fundo da alma e do ser, qualquer coisa inexplicável, mas de tal forma profunda que se entranha, que se nos cola aos sentidos e à pele e chega também ao mais sensível de nós.
Já vi muitos espectáculos de flamenco. Extraordinários. Como o de ontem. E, no entanto, este não foi apenas mais um, a juntar a uma extensa lista que inclui todos os que guardo na memória e no coração. Este leva consigo um rótulo: "marcante e inesquecível". Porque a sua beleza e intensidade fizeram da noite de ontem uma noite mais bonita.
Por tudo: pela voz magnífica de Diego el Cigala, pela sua capacidade rítmica, e também, sobretudo,  por, com sensibilidade e delicadeza, permitir-se descobrir e percorrer novos caminhos, misturar flamenco, jazz, tango e bolero, ligando Espanha, Cuba  e Argentina, Europa e América; e conseguindo, apesar disso, manter a identidade própria de cada estilo, num exemplo vivo e claro do que é hoje a música mundo (à semelhança da literatura mundo), um conceito que, incorporando influências e referências diversas, cria novas formas, novas relações de pertença, em olhares que se cruzam, num gesto relacional múltiplo, mas não uniformizador, que olhando a imagem do outro transforma em simultâneo quem olha e quem é olhado. Diego el Cigala é um daqueles artistas excepcionais, nome maior do flamenco, que canta num palco como se estivesse a cantar em casa, entre amigos, ou como se fosse visita da nossa sala de estar, numa partilha intimista da sua arte, que definiu como a procura de respostas para uma inquietação interior. 
O resultado é aquilo a que pude assistir ontem, uma vez mais: emoção pura, num espectáculo assombroso e deslumbrante, com uma nota de ternura verdadeiramente comovente: quando, em final de festa, trouxe ao palco a sua filha de cinco ou seis anos, a sentou no colo com carinho e, abraçados, cantaram os dois. Porque a arte, a música, é também uma forma de amor.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Manas



Olho esta fotografia e vêm-me à memória recordações de um tempo já muito distante, de inocência e diversão, em que o nosso mundo cabia nos limites do corredor lá de casa, das paredes do nosso quarto, ou do jardim à nossa porta.
Da época em que usávamos roupas que só nas cores eram diferentes e  as nossas bonecas tinham nomes acabados em "inho", em que o que havia para fazer tínhamos que fazê-lo juntas, unidas em tudo, parceiras de brincadeiras e da descoberta da vida, que parecia tão simples e misteriosa, e em que apenas esse universo de fantasia e realidade misturadas nos enchia os dias enormes.
Naquela altura, inseparáveis e conhecidas como "as manas", aliávamo-nos a engendrar planos e partidas, inventávamos piadas e linguagens só nossas das quais guardamos até hoje inúmeras frases e expressões que só nós entendemos e de que somos capazes de rir  ainda  com a cumplicidade de antes, vivíamos com  a mesma intensidade zangas e intimidades, amores e ódios e partilhávamos espaços, afectos, medos, amigos e confidências.
Depois a vida, ou nós, ou o que quer que tenha sido, foi-nos afastando. Agora já é tudo muito diferente, cada uma para seu lado. Mas, para lá dos laços familiares, do sangue e do nome em comum, ainda é muito maior o que nos aproxima do que o que nos distingue e separa, porque esta é uma relação única e irrepetível, que nunca se desfaz.
A mana Teresa faz hoje anos. E, sempre coladinha, até no tempo, para a semana é a vez da outra mana...

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Querer (te)



Já não é hoje?
Não é aquioje?
 
Já foi ontem?
Será amanhã?
 
Já quandonde foi?
Quandonde será?
 
Eu queria um jàzinho que fosse
aquijá
tuoje aquijá
 
                      (Alexandre O'Neill)

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

El Corte Inglés



Se exceptuarmos a Baixa e as Amoreiras de que também gosto muito, este é o meu local de compras preferido. Porque é muito organizado e arrumadinho e porque é onde consigo encontrar tudo aquilo de que preciso. Bom, quase tudo. Só para comer não é grande coisa. Nem mesmo para tomar um café decente. Mas, de resto, tem uma oferta variada e de qualidade, um certo toque espanhol que também me atrai e está localizado numa zona da cidade que me é muito familiar. Por isso, uma vez por semana, pelo menos, passo por lá. Seja para o que for: para ir ao supermercado ou à papelaria, ao cinema ou, simplesmente, ver as novidades. Até há quem diga, mais ou menos a brincar, que esta é a minha segunda casa. E qual é o problema?

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Não gostei...



Gosto muito de cinema. Gosto especialmente daquele momento emocionante em que as luzes se apagam e há uns segundos de silêncio e escuridão, a sala toda suspensa na expectativa do que vai passar-se logo a seguir, quando o ecrã enorme se ilumina e o filme começa.
Mas, desta vez, não gostei. Não sei explicar porquê, mas os filmes muito cotados para receber os Óscares não costumam ser aqueles que mais me atraem. Provou-se uma vez mais. De Paul Thomas Anderson já tinha visto Magnolia, há uns anos, (o filme é de 1999) e lembro-me de ter gostado muito. A apresentação deste The Master (O Mentor) não me entusiasmara especialmente, mas, depois, li tanta coisa a dizer tão bem do filme que acabei por me decidir.
O filme passa-se nos anos cinquenta, e apresenta-nos um veterano da marinha norte-americana, Freddie Quell, profundamente afectado pela guerra, alcoólico, nervoso, violento e imprevisível, à procura de si e de refazer a sua vida; e o seu relacionamento com  Lancaster Dodd, personagem inspirada no fundador da cientologia, líder de uma espécie de seita chamada "A Causa" e defensor de uma estranha terapia, que se apresenta como "romancista, doutor em física nuclear e filósofo teórico" e que decide protegê-lo. Entre ambos estabelece-se então uma relação de mestre e discípulo, feita de atracção e repulsa, de poder e submissão, de proximidade e distância, que é, no fundo, a essência do filme.
São notáveis, de facto, as interpretações, em especial as de Joaquin Phoenix e de Philip Seymour Hoffman. E, no entanto, este é um filme que  não me tocou, nem conseguiu emocionar-me. Acontece...

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Cabelos ao vento

 
Gosto do cabelo comprido, solto, indomado, entregue aos caprichos do vento. Gosto de homens bonitos, com cabelos escuros ligeiramente encaracolados, que me fazem suspirar, antevendo o instante em que os meus dedos podem enfim afundar-se neles devagar e demorar-se em lentas e longas carícias de uma intimidade por descobrir.
Gosto do arrepio do toque inicial, de festas no cabelo, de o ver preso noutras mãos, enrolado e desenrolado em vagarosos afagos, pequenas meiguices que me fazem sucumbir de imediato,  meu ponto fraco e forte, que me deixa subitamente indefesa, numa emoção enternecida e desajeitada, rendida  ao prazer do momento  e ao que vem depois e ainda só se adivinha, ao calor do corpo inteiro, na entrega arrebatada e langorosa do amor.
E, sem promessas nem anseios, sem temer o desvanecimento dos sonhos,  nem o medo de me viciar, manter-me livre assim, como eu gosto, como os cabelos soltos que se deixam ir no vento.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Pernas à mostra



Se não tivesse sido a Mary Quant, certamente teria sido eu. Mas, ela adiantou-se-me e ficou com a responsabilidade da criação de uma das minhas peças de roupa preferidas que, quando eu nasci, já estava inventada.
Durante anos e anos, de Verão e de Inverno, com todas as temperaturas e em quase todas as ocasiões, usei e abusei de todo o tipo de mini saias, que eram, de certo modo, a minha imagem de marca.
Hoje, apesar de não poder  vestir aqueles tamanhos  tão vertiginosamente reduzidos de  há uns anos, até porque não há nada mais deprimente nem mais caricato que querer parecer uma idade que já não se tem, continuo a gostar de saias e de vestidos acima do joelho, sapatos de salto alto e pernas em destaque.
É que,  mesmo com critério e moderação, como convém, continuo a adorar mostrar as pernas!

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Uma amizade especial

 
O mais bonito das amizades é o que há nelas de inexplicável, naquele resto de sentimento irredutível às palavras e em tudo o que experimentamos e sabemos sem precisar de o dizer.
Entre nós existe um segredo que ninguém conhece nem poderia compreender, imune a tudo o que lhe é exterior, feito de silêncios e do que nos vamos contando, de descobertas subtis, de intimidade e de partilha.
Não importa o que foi, o que poderia ter sido ou será, mas somente o que é hoje, agora, tu aí e eu aqui, cada um com a sua vida e, ainda assim, ligados por um fio invísivel que deixa às vezes  a distância fazer-se mais pequena, na magia dos instantes em que de repente nos sentimos muito perto e, com os corações em sintonia, percorremos um caminho que não sabemos onde vai dar e  se vai descobrindo de uma forma totalmente livre, sem pressa nem destino, sem se questionar nem deter, deixando as palavras e o tempo fluir. Apenas isto.
A nossa amizade é uma daquelas coisas abençoadas e incompreensíveis, que surge não se sabe como nem porquê, que se vai tornando enorme, que o tempo e a distância tornam ainda mais cúmplice, que nos enche a alma e o coração, na certeza doce e terna de sabermos como é forte e especial o que nos une e no esplendor emocionado deste laço que tem um nó muito apertado.
Não quero que te habitues mal, mas sim, desta vez (só desta!), isto é para ti. Porque este dia é teu!...
(Fotografia de Paulo Abreu e Lima)

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Promessa



És tu a Primavera que eu esperava
A vida multiplicada e brilhante
Em que é pleno e perfeito cada instante.
(Sophia de Mello Breyner)

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Antes da meia-noite


"Antes do anoitecer" (Before sunset, no original) é sem dúvida um dos meus filmes preferidos.  Mas a história que conta é a continuação de uma outra, iniciada nove anos antes, em 1995, noutro filme, "Antes do amanhecer" (Before sunrise), em que as mesmas personagens, Jesse e Céline, interpretadas pelos mesmos actores (Ethan Hawke e Julie Delpy) se conhecem num comboio e decidem passar em conjunto, em Viena, as 14 horas que lhes restam antes de, no dia seguinte,  regressarem aos lugares a que pertencem: Nova Iorque e Paris. Durante esse curto tempo em que estão juntos, partilham as ansiedades e os sonhos próprios de quem tem vinte anos e acredita que tudo está ainda para acontecer. Entre os dois nasce uma imediata, profunda e duradoura ligação, como tantas vezes acontece na vida. No fim, separam-se para cada um seguir o seu caminho, com a promessa de um  reencontro daí a seis meses.
Mas, na verdade, só voltarão a ver-se nove anos depois, em 2004. E é essa a história do filme "Antes do anoitecer". Um dos seus encantos reside precisamente no facto de o tempo da história e da narrativa coincidirem. As personagens estão nove anos sem se ver, que é, também, o tempo que separa os dois filmes.
Jesse, que se tornara entretanto um famoso escritor norte-americano, resolve transferir para a  ficção a memória marcante do encontro antigo de Viena, fazendo do livro um best-seller. No momento do seu lançamento em Paris, reencontra Céline, num daqueles acasos que, em geral, só acontecem no cinema.  E então, durante setenta e sete minutos, que é o tempo que têm para estar juntos e é, também, o que dura o filme, nós acompanhamos em tempo real a história dos seus passeios por Paris e das suas conversas amadurecidas pela passagem do tempo e pela vida, em diálogos que falam de tudo: da  globalização, das  relações entre as pessoas, das suas vidas, de memórias e de arrependimentos, do que deixaram por fazer e por viver.   Assim, redescobrindo  e reavivando o que os une, voltam a reaproximar-se, numa encantadora alternância entre palavras e silêncios, entre o desejo sempre latente e a sua concretização, tendo como cenário essa cidade mágica  e luminosa onde o amor apetece mais, enfatizando a ideia de que o que é mesmo importante demora a acontecer.
E é tudo isto que torna o filme tão tocante. No fundo Jesse e Céline  são um pouco cada um de nós, porque, com as devidas distâncias, há qualquer coisa nestas personagens que  já alguma vez sentimos ou vivemos. É um filme de amor, de desejo contido e ao mesmo tempo iminente, sem qualquer cena de sexo ou, sequer, um beijo apaixonado; e, no entanto, profundamente sensual, que, de fim em aberto, deixa no ar um imenso  "e se...?", como uma promessa de felicidade adiada.
Decorridos mais nove anos, a trilogia completa-se agora com "Antes da meia-noite"  (Before Midnight), cuja estreia está prevista para este ano. Para mim é,  naturalmente, a estreia cinematográfica mais aguardada de 2013.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Os erros do costume



Por deformação profissional, por mania da perfeição, ou por qualquer outro motivo que pode ser tão simples como uma mera questão de (bom) gosto, sou muito sensível ao modo como nos exprimimos na nossa língua. Sem eufemismos:  a verdade é que embirro abertamente com erros ortográficos. Tanto, que acho que até já o mencionei mais que uma vez,  aqui, no isto e aquilo. E que chego mesmo ao ponto de desconsiderar sempre um bocadinho uma pessoa que faz erros de português, daqueles imperdoáveis. Não as "gralhas", que todos vamos fazendo, por desatenção ou rapidez excessivas, mas os erros que revelam desconhecimento ou, pior que isso, que indiciam negligência e descuido; porque há pessoas que pensam que o erro é irrelevante, desde que a mensagem seja inteligível. Pois para mim isso é sinal de outros eventuais desmazelos; é, no mínimo, denunciador de alguma deselegância e até, se calhar, de desrespeito.
Poupem-me: erros não!  Nem ditos, nem escritos. Reconheço que às vezes levo tão longe esta minha aversão que, diante de um erro, tenho tendência para pegar numa caneta e emendá-lo de imediato, sem consciência de onde,  como, ou com quem estou a fazê-lo. Bom, um exagero!
Esqueçamos, por agora, o famigerado e funesto AO que, ao permitir e  ao impor a escrita em "acordês", muito contribuiu para a banalização do erro e que, hoje, dá direito a que quase tudo seja tolerado e considerado aceitável. Mas não é de "patos de silêncio" que quero falar, nem  sequer daqueles erros muito óbvios como os "prontos", hádes", ou "ouvistes". Ou do número elevado de pessoas que conjuga os derivados de vir como se fossem derivados de ver e diz com desplante e assertividade: Eu "intervi "e "ele interviu". Também não quero pronunciar-me sobre o Relvas que, recentemente, parece ter "ouvisto" qualquer coisa. Nem referir aquelas pessoas que teimam em corrigir o que está correcto. E que quando ouvem, por exemplo: "Obrigado por ter aceitado o meu convite", emendam: " Também me parece que foi bom tê-lo aceite". Nada disto...
Hoje quero falar em particular de dois erros, provavelmente ainda mais comuns que todos estes e que são dos que mais me complicam com os nervos.Trata-se de erros dados por pessoas letradas, ditos e escritos por quem tem pelo menos um mínimo de formação, nem que seja um curso feito na Lusófona, e que tem a obrigação de saber como se diz e escreve. Isto: a utilização do imperfeito do conjuntivo que, frequentemente confundido com o presente do indicativo pronominalizado, aparece escrito assim: "ficas-te triste por me ter ido embora ou  gostas-te de me ver partir?" em vez de "Ficaste"/ "gostaste".
E a conjugação do verbo haver, em afirmações deste tipo: "haverão outras coisas"; "Talvez hajam mais dias como este". Ora, o  verbo haver, quando usado no sentido de existir, conjuga-se só na terceira pessoa do singular,  nos vários tempos e modos (nada de haviam, houveram, haverão, haveriam, houvessem). Apenas como auxiliar, equivalente a ter, se conjuga em todas as pessoas. ("Eles nunca haviam encontrado nada de semelhante", por exemplo).
Diz aqui a senhora professora. E diz, também, qualquer gramática ou prontuário ortográfico, que podem (e devem) ser consultados quando há dúvidas.
Enfim, toda a gente deveria ter aprendido isto. Mas não parece...
Modéstia à parte, faltou-lhes, certamente, passar pela aula da Mouzinho!

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Carnaval


Hoje é Carnaval no calendário, dia de alegria com hora marcada e prazo de validade limitado. Não gosto de festas assim, gosto do inesperado e do incerto, do que chega sem aviso prévio e não se sabe se vem para ficar, ou se é fugaz e não se demora.
O Carnaval é a euforia de te ter perto, o coração desenfreado no peito e a urgência de ti, o corpo entregue aos excessos da paixão, o desregramento dos sentidos, o despropósito de tudo o que me provocas e fazes pensar, a volúpia de tanto que já fizémos e do muito que ainda nos falta fazer.
É acreditar e descrer, querer-te  e não precisar de ti, apetecer-me o teu corpo, o teu colo, o teu abraço e doer um bocadinho não te ter agora aqui.
Se eu acreditasse em disfarces, hoje vestia-me de bruxa para te lançar um feitiço que te colasse ao meu coração e à minha pele,  que  me deixasse olhar-te, tocar-te e abraçar-te quando e quanto quisesse; e que  pudesse dar largas a este desejo  imoderado, que me desnorteia e desconcerta e assusta,  no prazer e no luxo desmesurados de te ter sempre comigo.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Blog(s) recomendado(s)


Nove meses depois de me ter iniciado neste mundo, continuo entusiasmada com a blogosfera e com tudo o que nela vou descobrindo.
É um universo demasiado vasto, que certamente ainda terá muito para (me) revelar, mas já conheci, e leio, agora, vários blogues. Há de tudo: dos temas ao estilo, a diversidade é imensa e permite abranger todos os gostos. Alguns são interessantes, outros curiosos, divertidos, artísticos,  queridos, ou surprendentes. Há também  os que eu acho abomináveis,  bimbos,  rebuscados, pseudo-profundos, com enfatuadas  pretensões literárias, ou que, acima de tudo, não me impressionam. E muitos assim assim, que me deixam indiferente. Porque estas coisas, no fundo, são verdadeiramente subjectivas. Uma questão de gosto, ou de feitio, de afinidades, de afectos, de cumplicidades, ou seja lá o que for, que nos faz preferir uns e rejeitar outros.
Na verdade, aqueles de que eu gosto mesmo não são muito numerosos. Talvez por isso, são também um pouco "meus". Porque me enternecem, me emocionam, ou me fazem pensar, concordando ou discordando com o que é dito, escrito, mostrado em cada post. Qualquer coisa que tem a ver com sintonias e sensibilidades, com opiniões, pensamentos, ou sentimentos mais próximos dos nossos.
O meu blog preferido continua a ser o do Paulo Abreu e Lima http://assimterraceu.blogspot.pt/ que, além deste magnífico nome, ainda é, para mim, o mais bonito de todos, o que é esteticamente mais perfeito, porque conjuga com inteligência e emoção textos, músicas e fotografias, numa harmonia belíssima, sem lamechices parvas nem excessos de nenhum tipo, com humor, sentimento e sobriedade peculiares, como uma forte impressão digital. E depois, confesso-me  fã número um das fotografias do Paulo, que não me canso de olhar, que muitas vezes vou olhar de novo, porque são lindas e artísticas, porque o tempo se suspende quando os nosso olhos se demoram nelas, porque tranquilizam e  podem ser até inspiradoras.
Mas há também outros blogs muito bons. Esta é a minha mais recente descoberta:  http://ignorancia.blogspot.pt/ de Pedro Guilherme-Moreira.
Ainda não conheço muito, mas gosto da maneira como o Pedro escreve. E não sei explicar porquê. Gosto e pronto. Porque sim. Porque me toca. Acho que isso chega.
Aqui fica uma amostra:

Em Fevereiro , amo-te sem
máscaras
sem comédias nem tragédias, nasones
ou arlequins
pulcinellas, colombinas,
momos, mimos ou truões,
sem degredos sem segredos
sem os cumes nem os fundos
sem Invernos mas quimeras
fecundando Primaveras

Em Fevereiro, amo-te sem dilemas
 e peço-te e dou-te e digo-te todos
os poemas


sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Morte Impossível




A linguagem é o lugar onde se afirma a ausência das coisas que, ao  serem nomeadas deixam de existir, adquirindo assim uma outra forma de ser. A palavra que as designa nega-lhes a existência real e dá-lhes uma nova existência, na palavra, a qual contém em si o vazio que corresponde à ausência de ser. Ao fazê-lo, a linguagem adquire um carácter de certo modo destrutivo: reduz as coisas a meras ausências, criando uma incomensurável distância entre as coisas e as palavras.
E, no entanto, a distância que a utilização da linguagem implica é a condição do entendimento possível das coisas, o único modo de elas nos serem comunicadas, de nos aproximarmos delas e de as conhecermos. É, pois, pela realidade da linguagem que se acede à realidade das coisas, como única visão possível do mundo.
Anterior a toda a palavra, há uma existência de que temos de nos separar para podermos falar e compreender. A linguagem traz em si  a marca do que lhe falta e a precede, do que ela exclui ao manifestar-se. Mas, se é verdade que a linguagem começa por negar a existência do que afirma, podendo por isso considerar-se num certo sentido portadora de morte, há nela também uma ambiguidade intrínseca que faz dessa morte uma impossibilidade. Ao conter em si a negação e a afirmação, a morte e a vida, a linguagem faz com que uma e outra de certo modo se neutralizem, tornando a morte impossível.
Mantendo uma forte relação com a linguagem, a literatura acentua estas questões, assumindo-as de uma forma ainda mais radical. Ao reconhecer a linguagem como a única forma possível de apreender o mundo, a literatura distancia-se da linguagem tal como ela é utilizada usualmente e, a partir da infinita distância que estabelece, subverte a experiência do homem e do mundo, criando outros mundos possíveis e um modo próprio de os nomear.
A literatura procura assim dar um sentido ao que, pela linguagem, deixa de existir e, nessa medida, comporta em si  uma impossibilidade e aproxima-se do silêncio, mas de um silêncio que continua ainda a falar, movendo-se nos limites  de uma coisa e de outra, como se andasse sempre à roda, no interior de um círculo de onde não é possível sair e  que faz da experiência da morte  a impossibilidade de morrer.

Desde que me lembro sempre me atrairam as palavras, o que elas significam e a distância que as separa do que só se sente, daquele resto mais fundo que nunca se consegue dizer...
Era este, aliás, o tema da minha tese de mestrado, há uns anos. E que eu nunca cheguei a escrever.  Naquela altura apaixonei-me perdidamente e achei que valia mais viver o amor e a vida, do que passar um ano a escrever uma tese que interessaria a muito poucos.
O amor - aquele amor - acabou, porque tinha que ser assim, mas, parafraseando o poeta, foi "infinito enquanto durou"... E, até hoje, não me arrependi. Nem de não ter escrito a tese, nem de ter preferido o amor...

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Dizer e calar



O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...


(Fernando Pessoa)

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O direito à tristeza

 
Chega sem aviso, vinda não sei de onde e, sem pedir licença, instala-se-me no coração e ocupa-me  o dia e a vida. Como se fosse tudo dela.  Não se demora muito.  Às vezes tento entender. E às vezes nem isso...
Divido-me entre a aceitação e o remorso, procuro razões obscuras no mais fundo de mim...Tento ignorar, relativizar as coisas, claro que no fundo eu sei que nem tenho motivos para nada disto, mas há dias em que me apetece virar-me para dentro e ficar  assim, do avesso, quieta, calada e sozinha, numa tristeza sem razão e sem tamanho...

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Sol, cor, luz e alegria

Sevilla tiene una cosa
que sólo tiene Sevilla
Luna, sol, flor y mantilla
una risa y una pena
Y la Virgen Macarena
que también es de Sevilla

Y tiene además Sevilla
Un tesoro en cada orilla
La Giralda y sus campanas
La Esperanza de Triana
Que también es de Sevilla

 Y tiene además Sevilla
Y no es de mentirijilla
Una gracia y un seseo
Una juerga y un jaleo
Y un olé que es de Sevilla

Y un olé que es de Sevilla
Y Sevilla pa rezar
En Triana junto al rio
Tiene de plata un altar
Pa la Virgen del Rocío

Em que outro lugar poderia eu querer festejar a chegada da Primavera, senão nesta encantadora cidade onde a luz do sol parece mais brilhante e mais intensa, entre palmas e olés, ruas perfumadas de flor de laranjeira, a paz silenciosa do rio Guadalquivir e a  frescura verdejante  e calma do Parque Maria Luísa, perturbada apenas pelo canto dos pássaros e o desfilar incessante e altivo dos cavalos a passo ou a trote...






domingo, 3 de fevereiro de 2013

Mais um bom filme



Ultimamente tenho visto bons filmes. Este é mais um. Baseado em factos reais da vida do jornalista e poeta norte-americano Mark O'Brien, Seis Sessões, no original The sessions, conta-nos a história de um amor invulgar, mostrando-o como uma viagem, um caminho de descoberta do toque, do prazer, do sexo. 
Simultaneamente poético, comovente e divertido, é um filme que emociona. Que fala de sentimentos, como eu gosto. Do amor, que é o melhor de todos... E que vale a pena ver!

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Tentação



Não é preciso palavras. Um sinal basta. Um olhar. Um sorriso. Um gesto. Passar-lhe a mão no cabelo, abrir os braços para ela caber dentro deles e sentir o calor do seu corpo e firmeza do seu abraço a desafiar os perigos, a levá-la consigo para um lugar distante,  ao sabor do vento  e, com um só movimento, esquecer obrigações e mágoas antigas, matar as dúvidas, as angústias,  os medos. Depois, fechar as mãos para agarrar o amor e desatar vontades, na procura do que já não se consegue conter; poder, enfim, repetir  despudoradamente quero-te, quero-te, quero-te e entregar-se ao prazer como se fosse a primeira e a última vez, na emergência do corpo,  até serenar o coração em sobressalto e  a doce e ardente inquietação do desejo, sorrir e repousar, quietos e abraçados, procurando eternizar instantes assim, suspensos na claridade difusa do dia e na força do mar, na neblina que dissolve e mantém incertezas, num mundo só deles, sem contornos definidos, como uma ilha inventada e por explorar, onde apenas podem chegar e existir juntos.
Por fim, acreditar que na vida há poucas coisas importantes e que o tempo ajuda a perceber que o amor é  a melhor e  a maior de todas; e que amar também é deixar-se ir e não saber porquê. E ser capaz de voltar. E de deixar partir.


(fotografia de Paulo Abreu e Lima que, gentilmente, ma "emprestou")

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Escrever


Como é bom escrever ao apelo incerto do que nos faz sinais. Como é fascinante escrever para saber o que é. Indeciso apelo, motivo que o não é, até se saber o que é. Trazê-lo à vida da sua nebulosa, captá-lo na errância de uma inquieta procura. Obedecer ao impulso que sobe em nós em energia e movimentação, na necessidade de o realizar e ele coalhar em escrita, no irreal da sua realização. Estremecer ao aviso, persegui-lo até onde não sabemos o seu tudo, depois da surpresa do que lá estava. Escrever é não saber para saber.  Mas (...) o que se encontra é ainda a procura.
 Vergílio Ferreira