domingo, 31 de março de 2013

Aleluia!


Há uma dimensão de espiritualidade na festa da Páscoa, que é, para mim, a sua verdadeira essência. Por isso, neste dia, não passo sem o cerimonial religioso, nem dispenso as magníficas palavras do Padre Feytor Pinto, reflectindo sobre as leituras do dia e falando(-nos) do que significa para quem é crente a alegria da ressurreição e a vida nova que lhe está associada.

No blog Delito de Opinião encontrei, uma vez mais, um excelente texto de Pedro Correia que já ontem partilhei no Facebook. Mas, como sou cada vez menos facebookiana e cada vez mais do blog, que é muito mais intimista e tem muito mais a ver comigo, aqui fica, também, com as devidas aspas.

 
 
«E era com grande poder que os Apóstolos davam testemunho da Ressurreição do Senhor Jesus, gozando todos de grande simpatia. Entre eles não havia ninguém necessitado, pois todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas, traziam o produto da venda e depositavam-no aos pés dos Apóstolos. Distribuía-se, então, a cada um, conforme a necessidade que tivesse.» (Actos dos Apóstolos, 4: 34-35)
 
O dia que hoje celebramos no mundo de matriz cristã tem um significado que ultrapassa a letra da liturgia, podendo ser assimilado por todos os seres humanos de boa vontade. Simboliza desde logo a supremacia absoluta da espiritualidade sobre o materialismo. Simboliza o resgate de todos os injustiçados à face da terra - aqueles que, como Jesus, também sobrevivem à traição, à calúnia, à humilhação e à tortura. Simboliza enfim o triunfo dos justos contra a iniquidade política (personificada em Pôncio Pilatos, que sabia estar a permitir a condenação de um inocente) ou religiosa (personificada em Caifás, sumo sacerdote da Judeia). Cristo, ao transcender o plano da morte física após sucumbir sob intenso sofrimento, demonstra que todos os filhos de Deus são revestidos da mesma dignidade essencial. "Nenhum poder terias sobre mim se do Alto te não fosse dado", diz a um perplexo Pilatos, segundo relata o Evangelho de João.
O cristianismo, para não trair a sua raiz nem o seu destino, jamais deve omitir a face humana de Jesus, que nasce numa gruta obscura e morre crucificado entre dois salteadores. Alheado de toda a glória mundana, despojado de todos os bens terrenos, proclama para a eternidade que nem a morte é capaz de travar a indomável essência do espírito.
Reflexão para esta Páscoa. Reflexão para qualquer Páscoa que vier.
 
Texto reeditado
 
Quadro: Ressurreição, de Marc Chagall (1937)

Páscoa



Gosto muito da Páscoa, tempo de sol, de luz e de alegria, de esperança renovada e de coração a bater mais forte no peito. A Páscoa é para mim uma festa muito especial, uma época que eu adoro. Talvez por estar associada à Primavera, comemorando-se sempre no Domingo a seguir à primeira lua cheia do equinócio.
Gosto de tudo: do seu lado religioso e das tradições pagãs, dos sinos a tocar, das velas e dos aleluias, da celebração do triunfo da vida sobre a morte, dos símbolos de fertilidade e de abundância,  dos coelhinhos, das amêndoas e dos ovos, da magia da natureza a renovar-se e de um mundo novo a surgir com ela, da ideia de recomeço, do deslumbramento de poder acreditar num tempo novo e numa  felicidade maior, vivendo-a ao ritmo da Primavera, que enche de brilho e de cor a nossa vida.



sábado, 30 de março de 2013

Profundo mar azul


 
Eu, que sou uma romântica incorrigível e adoro filmes que falam de sentimentos e contam histórias de amor, tinha de ver este filme, The deep blue sea no original, baseado numa peça dos anos 50 de um dramaturgo chamado Terence Ratting e de um realizador que eu não conhecia: Terence Davies.
Tendo como cenário a cidade de Londres do pós-guerra, a história, que poderia ter como epígrafe a famosa frase de Pascal: Le coeur a des raisons que la raison ne connaît pas, gira em torno de um triângulo amoroso que faz a personagem feminina, Hester  Collyer, entregar-se a uma avassaladora e dolorosa paixão, apesar da consciência de não ser totalmente correspondida, o que a leva a arrastar-se e a humilhar-se, num caminho de desespero que quase a mata, enquanto o marido sofre por ela de uma maneira de certo modo semelhante, num ambiente dramático e de grandes planos, em que o que se cala é tão importante como o que se diz.  
Não será talvez um grande filme, mas eu gostei. E recomendo-o. É esteticamente muito bonito, retoma o tema da proximidade entre o amor e a morte, que me apaixona desde sempre, e tem  a magnífica Rachel Weisz, que consegue transmitir o estado de espírito da personagem através da sua presença simultaneamente intensa e silenciosa, numa interpretação profunda e notável, que lhe valeu a nomeação como melhor actriz dramática  nos Globos de Ouro de 2013.
E depois, o filme tem ainda outra coisa de que eu gosto: um final em aberto, fazendo passar a ideia de que tudo é possível, como na vida.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Para o Paulo

Este não é um dia qualquer; não é apenas mais um dia a juntar a tantos outros que se vão sucedendo no calendário, somados ao tempo que passa, no início de uma Primavera hesitante, vagarosa e entorpecida, surgindo num recato que a faz conter-se para lá do razoável, antes de impor-se de vez. 
Hoje, vigésimo oitavo dia de um mês que também é meu, há um nome que ocupa o dia todo e o torna diferente e especial: é que hoje, este dia, é do Paulo!
O Paulo é uma pessoa enternecedora, um querido amigo que, apesar de recente, me parece um amigo de há muito, que já faz parte da minha vida, e de quem eu gosto, gosto, gosto.
Gosto da sua sensibilidade peculiar, que combina inteligência e emoção com sabedoria e sensatez; e do modo veemente como defende ideias e convicções, sinal de uma personalidade forte e firme,  um daqueles temperamentos que se ama ou se odeia, mas a que não pode ficar-se indiferente. Gosto do seu bom gosto e  sentido do belo; e gosto, também, das suas opiniões sobre os mais diversos assuntos, mesmo quando não concordo completamente com elas, do rigor das palavras, do humor subtil, dos  valores e dos gostos próximos dos meus, da nossa afinidade intelectual, do seu apoio, da sua crítica e, até, do seu silêncio.
Conhecemo-nos pouco e há pouco, mas o que conheço dele é já carinho e admiração, misto de conforto e empatia, no limiar de uma intimidade que não temos ainda e se vai criando aos poucos. Porque as amizades são isto mesmo: fruto de uma casualidade qualquer, feitas de cumplicidade e de sentimentos irredutíveis a palavras.  
Há na vida pessoas assim: que têm uma forma de ser a que achamos graça, a quem nos afeiçoamos só porque sim, e de quem gostamos antes de as conhecermos; que deixam em nós a sua marca e a quem sentimos que alguma coisa nos liga, um laço de emoção e afecto que nasce não se sabe como, nem onde, nem porquê, destino, ou obra do acaso, que não se pode explicar, nem é preciso.
E deixamos o tempo levar-nos assim, ao sabor de vontades e de momentos, na intensidade de uma certeza absoluta ou sem certeza nenhuma, sem limites nem obrigações, sem ansiedade nem pressa, deixando apenas que os afectos se vão tecendo e aprofundando na duração, na autenticidade espontânea dos gestos, no bom humor e na alegria inédita de nos conhecermos sem nos conhecer, puro encantamento  de uma estima que se vai desenvolvendo devagar, na surpresa de uma lenta descoberta feita de sorrisos ternos e do que apenas se pressente, ou procura adivinhar, entre palavras e silêncios, no meio do que há-de vir e falta confirmar no fundo dos olhos.
É por tudo isto e porque os mimos nunca são demais, que neste dia, que é de festa, eu abro os braços e lhe dou um abraço enorme, muito apertado, e um grande beijo, símbolo de uma amizade a crescer, cheio de coisas boas e da força de querer que tudo lhe corra sempre muito bem.
Muitos parabéns, Paulo!

(fotografia de Paulo Abreu e Lima, que é o que hoje faz sentido...)

terça-feira, 26 de março de 2013

Creme Nívea


Falava a Virgínia, num post do seu blog, sobre aqueles odores da nossa infância que nos marcam para  sempre. E desafiava os seus leitores a fazer também essa viagem no tempo, um regresso ao passado revisitando os aromas que marcaram  a nossa vida, os que nunca esquecemos e que trazem até nós a recordação de lugares, de pessoas, de histórias e de momentos só nossos.
Assim, de repente, vieram-me à memória, imediatamente, dois ou três, dos quais destaco o cheiro do creme Nívea. Criado em 1911 e mantido  inalterado até hoje, na forma, na textura e no perfume, o creme Nívea é uma referência incontornável para sucessivas gerações. Para as pessoas que têm mais ou menos a minha idade,  é quase impossível não associar aquela latinha azul ao sol e à praia, nas cores evocativas do branco da espuma das ondas e do azul profundo do mar, mas, sobretudo, por causa  do seu cheiro activo, tão característico, a lembrar os primeiros gestos de um dia de praia, o creme espalhado à pressa no corpo, confundindo-se com o cheiro intenso da maresia, à beira-mar, num tempo já distante, em que os dias de Verão pareciam não ter fim.

Primavera (ainda) envergonhada

Espero a Primavera que teima em não vir como quem espera  o primeiro dia de um amor que se   demora e tarda em chegar, na urgência incontida  do primeiro abraço, muito forte e apertado, sem espaço para as palavras, o coração de um colado no peito do outro,  o toque das  mãos  e o sabor da boca pelo corpo inteiro, numa festa de beijos e de meiguices, na luz do sol ou na claridade da lua, saciando o desejo  e desfazendo lentamente o mistério de tantos segredos por contar, dissipando as sombras que durante tanto tempo encheram os dias, povoando-os de incertezas e de esperas, na alegria imensa de um novo amor e da vida a (re)começar.

domingo, 24 de março de 2013

Sentimento e algo mais


Hoje é um daqueles dias em que me faltam as palavras, em que me encolho e me calo e deixo apenas a música e os sentimentos tomarem conta de tudo, numa espécie de colinho bom, que me embala a tristeza, o silêncio e a vulnerabilidade.
Que já passa...
 
(Ao fim de quase onze meses de blog, chego hoje, também, ao centésimo quinquagésimo post. Quem havia de dizer...Este tem sido um caminho longo e bom; e um número tão redondo assim, é de assinalar, pois então!)

quarta-feira, 20 de março de 2013

Vou ali... e já venho!

 
Hoje, o dia e a noite duram o mesmo tempo. Etimologicamente, é o que quer dizer a palavra equinócio. A explicação para que o seu dia e hora vão variando ligeiramente de ano para ano é demasiado científica e está relacionada com os "anos  trópicos", que são menores que 365 dias.
Mas isso não importa. O que importa é que é neste dia, já hoje, daqui a pouco.
Chega a Primavera e eu quero recebê-la assim, de braços abertos e em festa, na rua e ao sol, na plenitude da luz intensa e na alegria contagiante, colorida e arrebatadora que me levam para o sul.
Até já!... 

terça-feira, 19 de março de 2013

Prenúncio de Primavera


Dia chuvoso e a Primavera, ainda assim, irrompendo por todo o lado, num colorido ostensivo, que se sobrepõe às inclemências do tempo. Basta um pouco de atenção ao que se passa à nossa volta...
E eu, apesar dos meus excessos de urbanidade, emociono-me e alegro-me com esta maravilha da natureza a renascer  pujante e esplendorosa,  como se a visse pela primeira vez...

(A fotografia, linda, "roubei-a" ao blog Pé de Meia... de mfc)

segunda-feira, 18 de março de 2013

O néctar dos deuses



Adoro vinho. É, sem dúvida, a minha bebida. Não sou exactamente uma entendida no assunto, não percebo nada das diferentes castas, apesar de me deliciar a ouvir  os que são capazes de tecer grandes considerações sobre cada vinho e escolher o mais apropriado e ideal para momentos ou circunstâncias diversos. Eu vou apenas pelo bem que me sabe. Mas não é isso, afinal, o que mais importa?
Gosto de todos os tipos de vinho e do ritual que lhe está associado, num apelo à mistura dos sentidos, experiência de sinestesia pura. Gosto de lhe apreciar  a cor e o aroma, do cerimonial da abertura  e do "ploc" da rolha a soltar-se da garrafa, do momento em que o seu paladar se sente ao de leve nos lábios antes de saborear-se inteiro, um prazer vagaroso e sensual, semelhante ao de um primeiro beijo, que se deseja e desconhece.
Gosto de vinho na proporção inversa de quanto detesto cerveja, que apesar de ser a bebida alcoólica mais consumida do mundo, tem um sabor de que não consigo gostar nem um pouco; e  há nela, também, qualquer coisa de vulgaridade que a distingue totalmente do requinte e da elegância de um bom vinho; porque "o vinho é composto de humor, líquido e luz" como dizia, ao que parece, Galileu Galilei. E eu concordo com ele.
É uma bebida de existência e consumo milenares, muito comum na Grécia e Roma antigas e ainda hoje ligada ao culto religioso. Associada ao bem-estar, ao bom humor e ao bom gosto é ideal para  encontros de amigos, para momentos de festa e para todo o tipo de celebrações; e é, também, a bebida perfeita  para acompanhar instantes vividos a dois, suscitar intimidade, olhares calorosos, gestos e palavras incontidos.
O vinho é, claramente, uma das coisas boas da vida.
De tanto pensar nisso, até já bebia um copo. Ou dois, ou três. De vinho tinto, que é o meu preferido!...

sábado, 16 de março de 2013

Mais cinema


Sou suspeita. Ao contrário de muita gente, gosto de cinema francês. Gosto muito, mesmo. E, na nova geração de actrizes, tenho uma predilecção especial por Marion Cotillard desde que a vi na genial recriação de Piaf em La Môme, o que lhe valeu o Óscar de melhor actriz em 2008. Depois, voltei a vê-la no filme Les Petits Mouchoirs, de que gostei imenso, em "Meia-Noite em Paris" de Woody Allen e em mais alguns cujos nomes não recordo agora.
Além de muito bonita,  Marion Cotillard tem um talento e versatilidade enormes, uma presença fortíssima, que confere uma densidade psicológica particular às personagens que interpreta. Um filme com Marion Cotillard é, pois, para mim, um filme a ver. Sempre.
Por isso, foi antes de mais por causa dela que quis ir ver este filme franco-belga de Jacques Audiard (de quem também já vira "De tanto bater, meu coração parou"), com um estranho nome, "Ferrugem e Osso" ( De rouille et d'os, no original) e argumento adaptado a partir do livro Rust and Bone de  Craig Davidson.
E gostei. É um filme belo e dramático em simultâneo, um filme duro e desapiedado, violento até, quer do ponto de vista físico, quer emocional, mas também surpreendente, sobre o amor, a amizade e a fragilidade da condição humana, que me fez chorar como já há algum tempo um filme não o fazia.
E que vale uma ida ao cinema, nem que seja para ver mais uma excelente, marcante e inesquecível interpretação de Marion Cotillard.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Habemus Papam


De um modo geral, não trago para o meu Isto e Aquilo os assuntos de que se fala. E nem sei bem porquê. Porque não me apetece. Porque me dá um certo cansaço vê-los por todo o lado; enfim, seja pelo que for...
Mas, hoje, abro uma excepção para me referir ao que, desde ontem, está na ordem do dia.
No blog Delito de Opinião, encontrei aquele que é, para mim, o mais bonito texto que li sobre o novo Papa. É do Pedro Correia e vale a pena ler. É assim:

Simplesmente Francisco

Mal acabei de ver o novo Papa assomar ao balcão da Basílica de São Bento, lembrei-me de um dos seus predecessores: Albino Luciani, patriarca de Veneza, que passou à história como o efémero João Paulo I, pontífice por 33 dias.
Também ele apareceu com ar despojado, fraterno, repassado de fragilidade humana. De braços caídos, sem pedir aplausos, com um sorriso tímido, parecia querer dizer aos mil e trezentos milhões de pessoas que o reconhecem a partir de hoje como dirigente espiritual que está disposto a aceitar este imenso desafio que o destino lhe proporciona embora não se sinta verdadeiramente digno dele.


As primeiras palavras que dirigiu à multidão foram as mais inesperadas, por serem tão simples: "Boa noite." Passou logo ali uma corrente afectiva entre quem falava e quem ouvia: muitos dirigentes políticos deviam aprender com momentos destes - em comunicação não é preciso inventar nada, basta ir à essência das ideias e das palavras. A roda já foi inventada há muitos milhares de anos...

Jorge Mario Bergoglio - argentino de 76 anos, jesuíta, filho de um imigrante italiano, diplomado em Engenharia Química - é o primeiro titular do Vaticano oriundo do continente americano, o maior viveiro de fiéis católicos do planeta. Vivia num modesto apartamento em Buenos Aires, deslocava-se em transportes públicos, cozinhava as suas próprias refeições, aprecia tango, gosta de ver jogos de futebol e de encorajar os jovens a descobrir Cristo entre os pobres.
Escolheu um nome simples, sem antecedentes no trono de Pedro e portanto sem numeração. Simplesmente Francisco. Como Francisco Xavier, o santo missionário que deixou o coração em Goa. Como Francisco de Assis, que se despojou de todos os bens materiais para melhor servir os outros.
Há-de receber os grandes do mundo, há-de ter reis e presidentes a pedir-lhe a bênção, há-de escutar incontáveis ovações. Mas hoje, no balcão da basílica, parecia não ambicionar nada mais do que ser irmão de todos nós.
Francisco, ainda sem a estola papal, começou por pedir que rezassem por ele - outro gesto de inequívoca humildade que me fez lembrar Luciani, o pontífice do sorriso que tão cedo se apagou. E depois, como se estivesse ainda mal refeito da surpresa, afirmou: "Foram buscar-me ao fim do mundo..."
Que o santo de Assis o ilumine na peregrinação iniciada agora. E que no fim da caminhada saiba dizer também, como o outro Francisco disse: "Primeiro faz-se o necessário, depois o que é possível e de repente estamos a fazer o impossível."

quarta-feira, 13 de março de 2013

Escrever poemas


Sempre me deu vontade de rir, para não dizer que considero de um ridículo absurdo, aquelas professoras (e são muitas, infelizmente), que têm a irritante mania de mandar os meninos escrever poemas, como se isso estivesse ao alcance de todos, ou houvesse dentro de cada um de nós um Fernando Pessoa em potência, ansiando por se revelar num qualquer exercício da escola.
Foi, pois, com horror e com e uma estupefacção da qual  não consegui ainda recompor-me inteiramente que descobri que isto, que eu tenho visto acontecer com frequência ao nível da adolescência e no ensino secundário, se passa também no primeiro ciclo, onde meninos do 2º ano, que mal dominam a leitura e a escrita  e possuem, na maior parte dos casos, um vocabulário bastante reduzido, têm como trabalho de casa, misturado com exercícios de divisão silábica ou de acentuação, qualquer coisa tão "banal" como escrever um poema.
E pergunto-me o que se pretenderá com isto. Provavelmente, algo semelhante ao que conseguem as professoras dos alunos mais velhos: fazer passar a perigosíssima ideia de que somos todos poetas ou, pior ainda, fazer crer que a poesia é não é mais do que alinhar umas rimas, mesmo que o resultado seja um texto sem sentido, que não quer dizer nada.
O objectivo do ensino da língua materna tem que ser, fundamentalmente, pensar muito, ler, ler, ler  e escrever. Escrever muito, também. E, aos poucos, ir desenvolvendo espírito crítico e capacidade de argumentação. Mesmo quem não tem jeito para escrever, pode aprender; e consegue fazê-lo razoavelmente, se o praticar. Pode até ter prazer nisso. Mas quanto a fazer um poema, já tenho dúvidas. Tenho muitos anos de experiência de ensino de português. É uma tarefa tão difícil como apaixonante.  Mas nunca pedi a nenhum aluno que escrevesse um poema. Por uma questão do mais elementar bom senso. Ou talvez apenas porque gosto muito de poesia e a levo demasiado a sério para  a ver assim maltratada,  confundida com o quer que se escreva em verso e que, tantas vezes, nem chega a ser prosa decente.
Importa, sobretudo, parece-me, fazer passar a ideia de que ler e escrever é bom. E mostrar os textos e os poetas. Conhecê-los e sabê-los. Pensar e discutir sobre o que é a poesia e a arte, em geral. Porque se conseguirmos fazer isto tudo com maior ou menor êxito (e não é fácil), mesmo que tenhamos entre nós um génio poético, certamente que, mais tarde ou mais cedo, ela acabará por revelar-se. Sem que seja necessário fazer poemas "por encomenda".
E aos professores que tanto gostam disso, já agora, eu sugeria que alargassem o leque e pedissem também aos alunos: "pinta-me um quadro" ou "faz-me um filme". Como trabalho de casa, de preferência...

segunda-feira, 11 de março de 2013

Quanto dura o amor?


Em certos dias impacientava-se, ansiando por que tudo fosse mais simples. Que lhe bastasse, por exemplo, dizer "vem cá" para o ter de novo consigo, entregue ao desvelo dos seus gestos, demorados e ardentes. Então detinha-se assim, alheada do mundo à sua volta, sumida em mil pensamentos, no assombro do que lhe custava ainda aceitar, mas sentia como uma constatação irrefutável: isso de todas as histórias de  amor, mesmo as mais bonitas e duradouras, terem prazo de validade. E perguntava-se incessantemente se poderia o amor sobreviver aos estragos do tempo, enquanto tentava em vão descobrir o momento em que alguma coisa se apagara; ou o que teria levado a que, sem lágrimas, sem dramas e sem rupturas, se tivesse apercebido de que o que havia entre eles era já outra coisa. E, no entanto, não sofria nem se despedaçava, aceitando-o com a naturalidade desprendida de quem aceita a vida sem a questionar.
Acontecia-lhe, até, desejar outros corpos, atraída pela luz de outros olhares, dos quais sentia a falta mesmo antes de os ter. Às vezes deixava-se ir na voragem dos sentimentos que não sabia explicar quando, nem onde ou por que razão haviam surgido; e dava espaço ao coração para bater descontrolado, sonhando um mundo novo de possibilidades infinitas; mas, logo a seguir, disfarçava a vontade, fingindo para si mesma não se passar nada e optando por se submeter à serenidade lógica do tempo que passa, querendo tudo e não querendo nada.
Era então que só pensava enroscar-se de novo naquele colo que conhecia tão bem e não queria mais que um abracinho bom; ou pensava como um sorriso bastaria para  lhe encher o coração de felicidade, deixando-se envolver  pelo cheiro do seu corpo e pelo calor do seu abraço silencioso, que eram já quase apenas saudade.

sábado, 9 de março de 2013

O céu, são os outros!



Hoje, tenho uma coisa importante para dizer: gosto muito das pessoas que fazem parte da minha vida. Todas! Porque cada uma delas, com o seu feitio e singularidade, me é essencial, de muitas maneiras, todas diferentes. E quero-lhes bem. E penso nelas muitas vezes. E fazem-me falta. E preciso delas, mesmo quando lhes faço parecer que não, com a minha mania da liberdade e da independência, de gostar de me armar em forte, ou de me esconder quando sinto vontade de chorar.
Mas é com as pessoas de quem gosto que eu sempre quero estar; e sorvo até à saciedade o tempo de estarmos juntos, gosto cada vez mais de abraços apertados, de beijos, de festas no cabelo e de toda a espécie de mimos, delicio-me com a autenticidade de pequenos gestos queridos, deixando-me abalar e enternecer até à comoção pelo pressentimento ou a revelação de que também gostam de mim. No meu coração não há lugar para toda a gente. Quem lá está ocupa um  espaço enorme, que, ainda assim, se vai multiplicando para caberem os que, por uma razão qualquer que não se pode explicar, vão chegando depois e  vêm para ficar.
Não sei porquê, mas desta vez, no dia em que somei mais um ano à minha vida, percebi com toda a clareza que os afectos (me) são verdadeiramente fundamentais: que são eles que me levam de mansinho pelo tempo fora e me ajudam  a viver melhor; e são o que mais me  importa para me sentir mesmo feliz!
   
(fotografia de Paulo Abreu e Lima.
E minha também, menina mimada, que a recebi como presente de anos.)

quinta-feira, 7 de março de 2013

Hoje, o dia é meu!



Já  o disse, eu sei, mas vou repetir: gosto muito de ter nascido neste mês da Primavera. E gosto de ter nascido no dia sete, um número mágico, perfeito e poderoso. Não será por acaso que existem sete cores do arco-íris, sete notas musicais, sete artes, sete dias da semana, sete pecados capitais e tantas outras sete coisas, que fazem deste (meu) número um número místico e especial.
O sétimo dia é de certo modo sagrado e, para mim, isso explica, talvez, o facto de me sentir tão abençoada. Segundo o  livro dos Génesis, Deus criou o mundo e descansou ao sétimo dia. Diz-se que, juntando o três (associado ao céu por causa da divina trindade, número da perfeição, com princípio, meio e fim) e o quatro (que estaria associado à Terra, com os seus quatro elementos), o sete seria a união do espírito e da matéria, da alma e do corpo, do céu e da terra.
Não importa! Hoje, dia 7 de Março, é o meu dia. Isso chega (me). Há pessoas que não gostam nada de fazer anos. Mas há, também, as que adoram. E eu pertenço a este segundo grupo. Sinto-me feliz por ter nascido, acho a vida uma maravilhosa dádiva de amor e tenho sempre vontade de celebrar com alegria a minha chegada e o caminho percorrido. Não tenho nada de que me queixar. Olho para trás e sinto-me satisfeita. Voltaria a fazer tudo exactamente da mesma maneira? Se calhar não; mas estou certa de ter feito o que me pareceu melhor em cada momento. Os erros  são inevitáveis e necessários para aprender, para crescer, para ir querendo fazer mais e melhor. A dor também. E pode até coexitir com o prazer (diziam-me outro dia - e é verdade!...)
E depois, a idade não me pesa; e até vai variando, consoante os dias. Às vezes, na cabeça, ainda tenho vinte anos, noutros dias volto a ter quinze, ou dezoito, ou trinta, ou seja o que for, mas com o valor acrescentado de tudo o que aprendi até  agora e que a experiência me foi dando em sabedoria e serenidade. E isso é mil vezes mais importante do que o que diz o bilhete de identidade. Porque, na verdade, todas as idades têm o seu encanto. Não me incomodam as rugas, que  são a marca do que já vivi. E o que se ganha é  talvez ainda maior e melhor do que o que se perde. É que, com o tempo, vai desaparecendo a inocência e a frescura, mas  aprende-se a dar mais valor ao que realmente importa, a saborear a vida mais devagar, a aproveitar melhor cada momento de felicidade, a perder as vergonhas, a assumir desejos, emoções e vontades, a lidar melhor com o que somos, a aceitar as nossas fragilidades,  a ser mais genuinamente nós e a viver em maior plenitude.
Tenho, pois, muitos motivos para festejar. Mas, as pessoas que me conhecem sabem que, apesar de  gostar muito de fazer anos, eu   dispenso os rituais do costume; e poupam-me aquela parte absolutamente patética do bolo de velas e do "parabéns  a você", que é talvez a música que eu mais detesto. Felizmente, ninguém ma canta. Gosto do requinte e da magia das velas, mas noutros momentos e situações. Nos meus anos, não  há cá "cantam as nossas almas", nem "nesta data querida uma salva de palmas", mas apenas o que verdadeiramente me importa: os mimos, a companhia e o afecto das pessoas de quem gosto.
Os festejos querem-se assim em grande e em bom, estendendo-se por vários dias, que não se devem misturar as pessoas nem as coisas e a minha vida são muitas vidas.
 Por isso, estão todos convidados: hoje, o champagne é por minha conta. Brindemos à vida: à nossa, pois então. Tchim! Tchim!...

segunda-feira, 4 de março de 2013

Rosa


Ensinou-me a dançar sevilhanas e foi com ela que aprendi a gostar ainda mais de Flamenco, a apreciá-lo melhor, assim como tudo o que tem a ver com a alma espanhola. Através dela, conheci um povo e uma cultura apaixonantes, dos quais me sinto, hoje, imensamente próxima.
A Rosa é uma querida amiga espanhola, mulher cheia de garra e talento, uma daquelas pessoas  que mistura paixão de viver e melancolia, que aprendeu a amar Lisboa como se fosse a sua cidade, que sente a saudade como uma portuguesa e que, mesmo fisicamente distante, como agora, está sempre perto no coração.
Para a Rosa, que faz hoje anos, aqui fica uma música que nos traz a recordação do tempo em que ela tentou ensinar-nos a dançá-la, com um abraço muito apertadinho da "sua" Lisboa.

domingo, 3 de março de 2013

O amor como uma valsa




Dificilmente deixaria de ver este filme, que é feito em torno de uma canção de Leonard Cohen (Take this waltz), a qual serve também como seu título original; e tem Michelle Williams, de que tanto gostei em Blue Valentine. Sobre ele tinha ouvido dizer bem e dizer mal. Fui na mesma.
Não é um grande filme. Mas é um filme surpreendente. Ou, como tão bem diz a Helena Sacadura Cabral no seu  blog,  é a prova de que um filme menor também pode colocar questões maiores. Sobre os limites e as imperfeições do amor. Sobre a sua inevitabilidade, também. Ou sobre a solidão acompanhada. Sobre a melancolia momentânea, ou o anseio por uma felicidade maior e mais plena... Poderia o filme ir mais longe e mais fundo na forma como trata tudo isto? Pois sim, se calhar. 
Ainda assim, tem  momentos assinaláveis, dos quais destaco, tal como a Helena, a magnífica resposta da personagem masculina  à  questão "quero saber o que me farias", numa cena memorável, plena de erotismo e contenção; ou a frase "a vida tem  muitas falhas, não as tentes preencher todas"; ou ainda o modo como surge, no filme, a canção de Leonard Cohen (sempre imperdível); ou a restante banda sonora, que também é boa. 
Por isso, apesar do nome um pouco pindérico em português,  "Notas de Amor", e mesmo não sendo um filme marcante, acho, sinceramente, que vale a pena vê-lo.

sexta-feira, 1 de março de 2013

O meu mês


Tenho sentimentos de posse em relação ao mês que hoje começa. Março é meu! 
Gosto de ter nascido neste mês de flores, de cores fortes, de luz, de alegria e de recomeços. E da exuberância colorida e perfumada que a Primavera traz às nossas vidas. É a minha estação preferida. Por causa dos dias amenos que vão ficando cada vez maiores, do sol a brilhar, das árvores que se enchem de pequenas flores cor-de-rosa e brancas, dos campos e jardins verdejantes e dos passarinhos a cantar.
Gosto, também,  da ideia de renovação que lhe está associada. De assistir ao espectáculo belíssimo da  natureza que acorda e do nosso coração  a acordar com ela. Como se com as andorinhas viesse a esperança de tudo poder ser diferente e melhor ainda. E fosse mais fácil acreditar que tudo é possível. É um tempo de bons propósitos e de exaltação dos sentidos, que convida ao amor e à ousadia dos gestos.
No calendário, a Primavera só chega já o mês vai a mais de meio. Mas, para mim, ela começa muito antes, logo nos primeiros dias de Março. É que, durante muito tempo, no dia dos meus anos, a minha mãe oferecia-me sempre, além de outras coisas, uma caixa de morangos e um ramo de frésias amarelas. Duas coisas que adoro... E essa magnífica junção de cor e de perfume era o primeiro e o maior sinal da chegada da Primavera, a sua revelação antecipada.
Hoje, já ninguém me dá morangos nem frésias amarelas nesse dia, mas eu continuo a sentir que é no dia dos meus anos que a Primavera se inicia. É um dia feliz, quase sempre cheio de sol,  como eu tanto gosto, que marca, de facto, o começo desta época de vitalidade e contentamento quase permanentes, que me dá doses reforçadas de entusiasmo e boa-disposição.
Por isso, o tempo que vai desde o dia de hoje até ao final de  Junho são quatro meses todos meus; o meu tempo de me sentir mesmo feliz, cheia de energia e em paz comigo, com o mundo e com a  vida.