quinta-feira, 8 de maio de 2014

As dores da alma


Psicodrama

por Teresa Ribeiro, em 07.05.14

Este título é todo um tratado. Lilly Allen "admite" que vai ao psicólogo. Se fosse ao dentista não teria de "admitir", bastaria ir. Aliás, se fosse ao dentista, ou ao ginecologista, ou otorrinolaringologista e por aí fora não era notícia. Ir ao psicólogo, apesar de a depressão já ter sido considerada a doença do século, ir ao psicólogo, apesar de se saber que se vendem milhões de ansiolíticos e anti-depressivos, ir ao psicólogo é um embaraço. Cuidar de qualquer parte do corpo é natural. Presume-se que o corpo precisa de cuidados, por isso vigiá-lo revela-se até uma atitude saudável. Já admitir que psicologicamente nem sempre tudo está bem, só se deve fazê-lo em tese. Os media, de tanto falarem no assunto até tornaram essa ideia consensual, mas uma coisa é fazer conversa de salão e outra é dizer que se vai ao psicólogo. No mínimo está a confessar-se uma debilidade, no máximo uma disfunção. Nos tempos em que tudo se revela na Internet, incluindo as partes pudibundas do corpinho e o que se faz com ele nos tempos livres, só não se pode mostrar as fragilidades da alma.


(Este é mais um magnífico texto "roubado" ao Delito de Opinião, que me tocou de forma especial. Mais que isso: foi mesmo uma espécie de "murro no estômago". Porque ele é a revelação impiedosa da nossa maneira quadrada, retrógrada e preconceituosa, quase cínica, de nos situarmos num mundo que vive muito de aparências. Não me excluo. Até eu, que há anos já estive mesmo à beirinha de uma depressão, não sou nada dada a "psicologias" e tendo a olhar as pessoas dessa área com uma certa desconfiança, que não evita aquele pensamento típico do "lá estão estes com a mania que percebem os outros"...)

5 comentários:

  1. Um texto irrepreensível.
    Não acompanho o 'Delito de Opinião' mas talvez dê por lá uma espreitadela.

    Ressalvo a sua intervenção. É exactamente isso.

    Já consultei uma psicóloga, há uns anos e à beira de uma depressão. Ouvi a senhora e a senhora ouviu-me, creio.
    Como resultado final e logo após a primeira e única consulta, pensei optar pela Maya. Sim, aquela que até tinha um espaço na 'ZIC'.
    Mais carta menos carta, a senhora iria mudar a minha vida. Travei a tempo. Dona Maya, percebi depois mas antes de falar com ela, não jogava com o baralho todo.

    Dito isto, está dito e pronto, vou ali, confirmar se o meu corpo precisa deste tipo de cuidados.

    Beijinho, Isabel.

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    1. Vamos lá a ver se nos entendemos ( e deixemos a Maya fora disto...):

      O texto da Teresa Ribeiro é magnífico, porque mostra de forma clara como o preconceito continua a dominar-nos, por mais "esclarecidos" que possamos considerar-nos. E como tendemos a julgar as dores da alma (sobretudo as dos outros) como algo menor, uma fraqueza, um "espírito mais fraco", uma vergonha.
      É frequente, mais do que se pensa, sentirmos isto sem ousarmos sequer admiti-lo para o mundo. Ou até sem ter consciência plena da nossa quase boçalidade.

      Associado a isto há a ideia que temos das pessoas que se dedicam à psicologia, psicanálise e afins. Tendemos a achar (eu incluída): está bem, até pode ser, mas aquela conversa "cheira um bocado a treta".
      E o seu comentário (perdoar-me-á) mas é um pouco prova disso também.

      Aquilo a que chama "a minha intervenção" envergonha-me um bocado e hesitei até ligeiramente em publicar a parte final , porque temi que pudesse parecer ofensiva. Optei pela verdade, que me pareceu apesar de tudo mais honesta.

      Dito isto, conheço psicólogo(a)s que respeito muito e de cuja seriedade no trabalho não duvido e, se calhar, da qual já beneficiei e com quem cresci e aprendi.
      E, no entanto, o estigma mantém-se, porque é muito forte.
      Foi mais ou menos isto que eu quis dizer.

      Beijinho

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    2. Deixar a Maya de parte é uma óptima e salutar ideia.
      O texto da Teresa Ribeiro é excelente. Chamei-lhe, lá em cima, irrepreensível.

      "E o seu comentário (perdoar-me-á) mas é um pouco prova disso também".
      É o que penso.

      Da sua intervenção não tem que se envergonhar. Haveria de ter?
      Parecer ofensiva? De modo algum.
      A verdade, mesmo que doa a alguém, é sempre mais honesta.

      Também conheço alguns psicólogos. Igualmente os respeito. Só que não passam, por isso, a ter direito ao estatudo de imprescindíveis.

      O estigma é forte? Se é...



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  2. Tenho de meter o nariz, perdoe-me lá qualquer coisinha.:)

    Os psicólogos só são imprescindíveis quando o assunto o justifica, mais ou menos como os sapateiros rápidos, que só me fazem falta quando perco as capas dos sapatos... Não fazemos questão nenhuma de nos imiscuirmos onde não somos chamados, e se há quem o faça, faz mal... A ciência surge não como regra absolutamente necessária, mas como uma técnica de intervenção direccionada ao conhecimento e à orientação. Conheço muitos com trabalho duvidoso, é uma pena, mas temo que tal facto ocorra em outras profissões. Isso não abona a favor da nossa qualidade, e por isso mesmo hoje em dia há critérios mais apertados, sobre os quais eu sou totalmente a favor...

    Muitas das vezes o que acontece é que não se sabe muito bem o que fazemos. Ouvem-se umas coisas, tem-se vergonha de procurar, escutam-se experiências de sucesso ou insucesso, mas muita gente não sabe o que pode efectivamente realizar. É uma pena que não se encare a mente como uma parte integrante de um todo, e que também para ela é necessária intervenção. E se a dita é subjectiva, jamais poderemos catalogá-la em números, o que nos dá um descrédito ainda maior. Enfim, convido todos a conhecerem um pouco melhor o nosso papel para a formulação de conclusões... A perceberem que nós não ouvimos, tentamos perceber, que nós não falamos, tentamos orientar, que nós não somos imprescindíveis, na maioria das vezes, mas noutras até somos.

    ( Até aceito que não nos entendam, a comparação com a Maya é que dói. Não é por nada, tem toda a legitimidade no trabalho que executa. Mas adivinha nuns minutos e pagam-lhe bem, enquanto nós escutamos horas, e pagam-nos mal. Este mundo é de uma injustiça tremenda... :))

    Beijinhos Isabel. Um dia, explico-lhe melhor tudo isto. Vai ver que a ciência tem tudo para ser útil e interessante para toda a gente...

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    1. Fico muito contente que decida "meter o nariz", CF, nem imagina...Afinal isto tem também a ver consigo. Mais: confesso-lhe que quando escrevi este post pensei em si e noutras pessoas da área que conheço. Pensei se poderia estar a ofendê-las. Porque admito que tenho um certo "preconceito" em relação aos psis e ao mesmo tempo sinto-me um pouco ridícula e bimba, até por isso. Mas porque também sei que isto que se passa comigo se passa com muita gente (como julgo que saberá e é bem visível aqui) resolvi assumi-lo publicamente. Por ser mais honesto e porque vai sendo altura de olhar para estas coisas com "os olhos limpos".

      Percebo-a. Também odeio a ligeireza com que ouço tanta gente falar dos professores sem perceber nada do assunto. Sendo que na sua área como na minha, como em todas haverá sempre gente séria e outra que desacredita a profissão.
      O problema essencial reside no facto de o vosso trabalho lidar com o mais invisível e oculto de nós, que "assusta" de certo modo e faz pensar racionalmente na sua importância e emocionalmente olhá-la com aquela desconfiança do "dizes tu..."

      (Dito isto, Carla, como sabe não fui eu que falei na Maya, nem no facto de os psicólogos não serem imprescindíveis. E sendo verdade que isto é a minha "casa", cada um se responsabiliza pelo que diz e pelas posições que assume. Também acho a comparação com a Maya de certo modo infeliz, porque não tem nada a ver com aquilo de que aqui se fala. E posso até dizer-lhe que já beneficiei desse trabalho, depois posso contar-lhe isso melhor).

      Quero mesmo que um dia me explique melhor isso tudo. E acredito que vai ser capaz de me fazer ultrapassar esta espécie de "desconfiança" de que me envergonho um pouco. Porque a reconheço meio ridícula.

      Pela minha parte peço desculpa. Não quis magoar ninguém, mas tão somente ser sincera.

      Obrigada pelo seu contributo e estou certa que entende o que quero dizer. E que havemos de voltar a falar sobre isto.

      Um beijinho (olhe e... "perdoe-me lá qualquer coisinha") ;)

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