domingo, 1 de junho de 2014

Maternidade

 
Ser mãe, já se sabe, é a mais avassaladora experiência do amor total. Mesmo não o conhecendo na pele, ninguém duvida de como pode ser único, inigualável e profundo esse elo infinito e esse sentimento impar, feito de generosidade e despojamento, de inesgotável afecto e de colo enorme, de sorrisos e de lágrimas, de entendimentos e cumplicidades várias, de amparo e de aconchego, pilar, âncora e porto de abrigo, que se vai invertendo ao longo do tempo, por força da lei da vida.
E, no entanto, mesmo no século XXI, há ainda, de uma forma muito mais generalizada do que possa pensar-se, uma mentalidade retrógrada, provinciana até, que tende a ver  em cada mulher sem filhos uma pessoa excessivamente insensível ou egoísta e, no limite, um ser digno de pena. Porque lhe passa ao lado uma dimensão muito significativa da existência. Como se fosse uma obrigação moral e o seu incumprimento constituísse quase um sacrilégio.
Enfim, quando o que o motiva são razões médicas fundadas numa qualquer impossibilidade física ainda se tolera, com um olhar subitamente apiedado. Caso contrário considera-se, até de uma forma mais ou menos inconsciente, que se trata de um "bicho raro", e suspeita-se de imediato haver ali um "problema".
Pode invejar-se-lhe secretamente a liberdade e o tempo disponível, a possibilidade de chegar a casa e de se estender no sofá, em vez dos banhos, dos trabalhos de casa e da lancheira do dia seguinte. Mas como entender que não lhe interessem as conversas sobre cocós e pediatras, noites mal dormidas, antibióticos eficazes, ou infantários sobrelotados? E depois, lá no fundo, o inevitável suspiro de alívio: "Ah, ela nunca compreenderá como é maravilhoso tudo isto", exteriorizado às vezes  na frase habitual, lançada com a brutalidade agressiva de quem desfere um punhal: "tu não percebes, porque não tens filhos!.."
Esquecendo, porém, que ser mãe pode ser (e é-o em muitos casos) uma decisão profundamente egocêntrica e não raras vezes interesseira; ou que quem apenas é filha, seja por opção, porque "foi Deus" que quis assim,  ou pelas mais diversas circunstâncias e razões, pode também viver rodeada de crianças, sem que isso signifique menos amor, ou sentimento, ou emoção. E que possa não se sentir menos mulher por isso. E ser muito feliz na mesma. 

12 comentários:

  1. A felicidade não passa por aí, nem isso é condição "sine qua non" para se atingir a mesma. O amor de mae direcciona, apenas, aquilo que cada um consegue dar, de si mesmo, em "amor, sentimento ou emoção" a um filho gerado, ou não pelos próprios mas que pode ser encaminhado para outras situações.
    Beijinho Isabel, ate amanhã :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Eu também acho que a felicidade não passa por aí, ainda que possa ser um ingrediente mais para se ser feliz.
      Enfim, o que quis dizer é que há ainda demasiadas pessoas com uma ideia, para não dizer preconceito, do que consideram "normal" e que tendem a achar "estranho" tudo o que não se enquadre nesse padrão.
      Beijinho, Teresa :)

      Eliminar
  2. Os professores quando querem têm muitos filhos...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não concordo com isso nem um bocadinho, Cristina! E, perdoar-me-ás, mas essa é uma visão que, para mim, se situa ainda do lado da comiseração, ao considerar que um professor procura na sua vida profissional qualquer coisa que lhe "falha" em termos pessoais. Uma espécie de compensação...
      Eu, que sou professora, nunca estabeleci com os meus alunos qualquer tipo de relação maternal, por melhor que seja a relação que tenha com eles (que é às vezes boa e outras nem tanto, consoante os casos e as circunstâncias, como todas as relações interpessoais).

      O que quis dizer é que quem não tem filhos pode ser tão feliz como quem os tem, ou mais ainda, sem se sentir de modo algum diminuído, ou incompleto, ou que for, como tanta gente acha, mesmo sem o dizer.

      Beijinho


      Eliminar
    2. Pois claro e eu concordo contigo. Mas o que eu quis dizer, e não é preciso criar uma relação maternal com os alunos, os professores, tal como os pais, passam conhecimento e também valores, e nesse aspecto os profs também são pais. (não sei se me expliquei bem...) bjs

      Eliminar
    3. Sim, certo, há uma vertente educativa no facto de se ser professor que extrapola a mera questão pedagógica. Mas um(a) professor(a) não é nunca pai nem mãe. Isso é outra coisa...

      Beijinho

      Eliminar
  3. A felicidade não depende de ter ou não filhos porque a felicidade não é um estado permanente, há momentos felizes na vida, posso não compreender a opção de não ter filhos, mas respeito, somos todos iguais mas diferentes. Boa semana.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Claro que a felicidade não é um estado permanente, Aliete, sob pena de nos tornarmos "pateta-alegres" (brincadeirinha!). Mas, quando se diz "ser feliz" referimoa quele estado de satisfação com a vida que levamos e a alegria de viver, que passa por momento fulgurantes de felicidade suprema e também por outros, menos bons . E ter filhos pode fazer parte disso. Ou não...

      Boa semana também para si.

      Eliminar
  4. Ser mãe deverá ser uma escolha. É um direito que temos, a não ser em casos onde a saúde efectivamente interfere, e deve ser utilizado, se assim o entendermos e tivermos condições para. É a meu ver uma responsabilidade, muito mais do que um prazer, e se for visto ao contrário é porque estamos perante um problema. Hoje em dia, e com a evolução da sociedade, julgo que essa imposição à mulher já não é tão efectiva. Já se percebe que há quem tenha outras prioridades, escolha que deve ser respeitada. O que acontece, muitas vezes, é que o sistema de família tradicional ainda se impõe, e eventualmente sente-se nas conversas dos pediatras, das papas preferidas e das escolhas do lanche. No fundo, não me parece uma questão para ser avaliada em ganho ou em perda. Parece-me antes um projecto de vida, que deverá ser consistente. Ganham-se umas coisas, perdem-se outras, como em tudo na vida... Nem imagina o que já ganhei por ser mãe. E não imagina também, o que já perdi... Do lado oposto haverá com certeza um inverso... :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Estamos de acordo, CF! Como em tudi na vida, há ganhos e perdas de ambos os lados, mas a questão essencial do que quis dizer nem passa bem por aí.
      Também acho que deve ser uma escolha e acima de tudo uma responsabilidade, como diz, razão mais que suficiente para que se possa não ir por aí. E nem se trata apenas de "ter outras prioridades". Há muitas vezes um conjunto de circunstâncias que podem levar-nos a escolher um caminho diferente do que imagináramos. E afinal só entendo a maternidade como o resultado de duas vontades conjugadas e sou totalmente cpntra aquela ideia de ter um filho "à tout prix". Conheço muitas crianças fruto de um "esquecimento" da pílula (e isso sim parece-me a atitude demasiado centrada no eu.
      Agora quanto ao que diz sobre a evolução da sociedade é que já não estou de acordo e era mesmo isso que queria frisar. A imposição existe, camuflada de compreensão e da politicamente correcta "aceitação da diferença" e revela-se às vezes, vinda das mais insuspeitas e aparentemente tolerantes pessoas. :)

      Eliminar
  5. Concordo em absoluto com o que a CF diz. Compreendo o seu post em tudo, já me senti assim antes de ser mãe, existe pressão e comentários tolos e infelizes de quem não sabe ver para além da norma. De resto, hoje estou mais nessas conversas, sim, dantes não as suportava, agora são-me essenciais. :) Mas continuam essenciais o cinema, o lazer, a ousadia, o poder explorar... Tudo, eu quero tudo :) Sei que é pedir muito... mas :) :) :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É isso mesmo, Faty! Há muito quem não saiba "ver para além da norma". Foi isso que eu quia dizer. :)

      Beijinho

      Eliminar