quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Os prazeres da neve

 
Contrariamente à maior parte das pessoas, não sou uma entusiasta das paisagens de neve. É bonito o cenário todo branco, sem dúvida, mas vejo nele também qualquer coisa de profundamente triste, que de certo modo me inquieta. E que associo a solidão.
Talvez por isso nunca tive vontade de fazer "férias na neve", o que nos últimos anos se tornou uma moda e até, mais que isso, um sinal de "status". Não faltaram as oportunidades, nem os convites, mas na verdade nunca me atraiu andar durante horas montanha acima, montanha abaixo, nem entendo bem o prazer ou a piada que isso possa ter, ainda que todas as pessoas que já foram sejam verdadeiras fãs e não se cansem de falar nessa maravilha do contacto com a natureza, ou das suas proezas no ski.
Muitas delas não saem do sofá o resto do ano, nunca andam a pé, sequer, e só lhes dá a fúria do exercício físico quando se trata de ir para a neve. Porque, convenhamos, ir para a neve "é bem".
Nada contra, mas a mim não me apetece, obrigada. Como não me apetece fazer surf, nem atirar-me de pára-quedas, por exemplo. Prefiro outras coisas.  
Ainda assim, por causa disto, pus-me a pensar nas minhas memórias mais antigas de neve. E estranhamente,  - eu que até tenho uma excelente memória - não me lembro do meu primeiro contacto com a neve, nem da primeira vez que vi nevar. Quando procuro bem no fundo da memória, encontro na mais longínqua infância uma canção de Adamo e um poema de Augusto Gil, conhecidíssimo, que aprendi de cor no tempo da primária e ainda hoje sou capaz de repetir de uma ponta à outra sem hesitar. Sendo muito diferentes, naturalmente, há em ambos um tom de melancolia e de desconsolo, que é quase sofrimento.
E fico a pensar se isso explica alguma coisa...
 
Batem leve, levemente
Como quem chama por mim,
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
E a chuva não bate assim
(...)
E uma infinita tristeza
Uma funda turbação
Entra em mim, fica em mim presa
Cai neve na natureza
E cai no meu coração
 
                                      (Augusto Gil)
 

8 comentários:

  1. Compreendo, Isabel, mas deixe-me discordar. Se é para cair alguma coisa do céu, pois que seja neve e não chuva pingona ou granizo na "tola" :) A suavidade dos flocos (gosto da palavra) não lhe se tem comparação. E quanto aos desportos de neve, é tudo uma questão de habilidade e destreza, muito mais do que de exercício físico puro e duro. Modas à parte (há quarenta anos que "vou à neve"), não há nada mais romântico do que deslizar sobre ela ou permanecer à lareira numa daquelas casinhas de madeira de montanha. Mesmo na cidade... olhe, quando cai neve em Nova Iorque ou em Paris. Delicioso. Mas, como sabe, prefiro sempre o Sol. Ou um manto de neve reflectido por ele.

    Beijinho :)

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    1. Claro que o deixo discordar, Paulo, ora, ora.
      Mas, se calhar, nem discordamos assim tanto. Se compararmos a neve à chuva, há (concordo consigo) uma suavidade maior nesta última e até uma beleza na queda dos flocos (também gosto!), que não há de todo na chuva.
      Uma lareira é sempre romântica, Paulo, seja onde for. Já deslizar sobre a neve, acredito que possa também ser visto como romântico, mas não tenho essa experiência. Ainda que no fundo, sabe, ache que o romantismo está mais em nós que nos lugares ("Venise n'est pas en Italie, Venise c'est chez n'importe qui...")
      Quanto à neve na cidade... De Nova Iorque não posso falar, mas quanto a Paris, gosto dela de todas as maneiras, mas prefiro-a com sol, Como a nossa Lisboa, ou a minha Espanha do sul... ;)

      Beijinho :)

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  2. Em cenário urbano, a neve tem a vantagem de não molhar como a chuva. Aliás, quando a temperatura desde mais um pouco abaixo dos zero graus então é tipo esferovite. Melhor que ficar todo ensopado da chuva. A parte má é quando se forma na rua aquelas misturas de neve, lama, óleo de carros, etc. Blhac... Porcaria mesmo.
    Em relação a férias na neve, nunca fiz. Nem tenho vontade de fazer...

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    1. Não só tem essa vantagem, mais prática, como é muito mais bonita, também.
      Relativamente às férias na neve, eu também nunca fiz, apenas porque nunca me apeteceu, mas posso ainda vir a mudar de ideias.
      O que me irrita na questão é um pouco como o que se passa com o sushi. São aquelas coisas que de repente são moda, e se uma pessoa ousa dizer "não me interessa" ou "não gosto" há logo quem exclame quase em choque "não sabes o que estás a perder" ou, melhor ainda "aprende-se a gostar", como se fosse quase obrigatório fazermos todos o mesmo, ou gostarmos das mesmas coisas.
      Era mais isso...

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  3. Em Janeiro de 2006, salvo erro, estava sentada a ler, perto da janela do meu quarto e vejo uns papelinhos a voar. Cá para mim pensei que algum vizinho tinha resolvido mandá-los para fora. Papéis não eram, mas sim flocos de neve que durou pouco. Para mim foi um acontecimento, porque nunca tinha visto neve ao vivo. Em 2008 vi-a aos montes. Achei piada, mas se lá vive-se não acharia porque percebi que atrapalha o quotidiano. A terceira vez foi na Serra da Estrela ...Não achei a maior graça...Nem faço questão de lá voltar...Gostar, gostar é mesmo da interpretação do Adamo (risos) Beijnhos.

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    1. Eu já vi várias vezes, em vários sítios e é bonito, sim, mas não me deixa extasiada.
      Depois também me parece que grande parte do fascínio que temos por ela advém do facto de quase não termos contacto com ela. Conheço quem vive no Canadá, por exemplo, e não tem de todo essa visão idílica que muitos têm por aqui.
      Beijinhos também para si.

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  4. Também não sou fã da neve, Isabel, embora reconheça sua beleza, mas não mais que isso. Frio a mais.
    Que venha sim, o sol, com todo seu esplendor.

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    1. Sim, Carmem, por mais bonita que seja a neve, é o sol que nos anima.

      A Primavera já está quase aí ;)
      Beijinho

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