sábado, 28 de fevereiro de 2015

Confiar

 
Lera, já não sabia onde, que a sabedoria suprema está na forma como se vive a vida. Sempre confiara na sua intuição e assumira as suas escolhas, as boas, as más e as que não deixam mossa nem cicatriz; talvez por isso, o número assustadoramente grande dos que via preferir qualquer coisa ao temor de se acharem a sós consigo mesmos continuava a surpreendê-la e a intrigá-la, por mais que tentasse convencer-se que eram infinitas as possibilidades de encontrar o bem-estar e ser feliz.
Sempre gostara de pessoas controversas, enigmáticas, de almas inquietas e corações sobressaltados, e os homens mais misteriosos e complexos haviam-lhe sempre parecido os mais apaixonantes e  sedutores. Logo, os amores fáceis e lineares não a atraíam, não a entusiasmavam e não lhe aconteciam nunca. E por muito que em instantes de fragilidade exacerbada lhe apetecesse ter quem tomasse conta de si, sempre prezara a sua liberdade e, com o tempo, aprendera a encontrar o equilíbrio e a serenidade entre a solidão e a companhia, que a fazia deixar-se ir ao sabor de momentos e vontades, sem pressa, sem medo, sem amarras, entregando-se inteira ao que o amor tem de melhor quando ele surge imponente e grandioso, sobrepondo-se a tudo.
Gostava da sábia mistura de paixão e racionalidade, de mãos grandes e braços fortes, ou então nada disso importava; bastava aquele não sei quê que faz de certos momentos uma urgência de prazer e rendição. E eram sempre os olhos que a faziam perder-se, quando no fundo de outros olhos via a magia, a doçura e a ternura que valem a vida toda e que, na maior simplicidade, tornam os dias de estar juntos dias bons.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Um filme a ver e um post "roubado"


Preparava-me para escrever a minha opinião sobre este filme singular, "Relatos Selvagens", quando percebi que a Helena já se me tinha antecipado. E concordo tanto com ela, que não resisto a copiar-lhe o post na íntegra:

Dirigido por Damian Szifron o filme é dividido em seis episódios. Todos são muito bons. E, do meu ponto de vista, três são mesmo excepcionais.
O filme começa de forma brilhante, com um curto episódio passado num avião, que é uma história rápida, inteligente, envolvente e com um final extraordinário.
No seguinte, deparamo-nos com uma jovem empregada de um restaurante de beira de estrada, que recebe a visita de um homem que acabou com sua família, mas que a não reconhece.
Depois temos um episódio sobre dois sujeitos que se encontram no meio da estrada e se desentendem por causa de uma ultrapassagem.
O outro é sobre um pai rico que tenta livrar o filho de ser preso pelo atropelamento de uma mulher grávida.
O penúltimo relata a "estória" de um homem comum que vê o seu carro injustamente rebocado e é obrigado a pagar uma taxa e uma multa.
O último mergulha numa festa de casamento, que é muito bem filmada e que conta com uma atuação espetacular de Erica Rivas a lembrar-nos as mulheres de Pedro Almodovar.
Dito assim, parece uma manta de retalhos. Não é. Muito longe disso. Trata-se, sim, de sucessivos relatos sobre o que pode um ser humano fazer sob o efeito da raiva, mas contados com um subtilíssimo sentido do humor e cuja pegada social, tão característica deste realizador, está bem evidente.
Um dos principais méritos de Relatos Selvagens está no facto espantoso de não haver qualquer quebra de ritmo entre todos os episódios.
Damián Szifron é considerado por muitos uma espécie de Quentin Tarentino da Argentina. Não só por utilizar a violência, muitas vezes gráfica, em prol do humor, mas também pelo uso preciso da banda sonora na construção do clima.
Uma película para se rir e se divertir. Muitíssimo!  
 
Ao ver este filme é impossível não lembrar um outro filme argentino, El secreto de sus ojos - inesquecível, apesar de ser já de 2009 - que, sendo de outro realizador, tem em comum com este o mesmo protagonista, Ricardo Darín, e o tema da vingança, que é aqui uma espécie de leitmotiv mais ou menos presente em todos os episódios.
Sem quebras de ritmo, ou desnivelamentos na qualidade dos seis episódios (Pasternak; Las Ratas; El más fuerte; Bombita; La propuesta; Hasta que la muerte nos separe), o filme consegue uma surpreendente unidade no tratamento do insólito que pode haver em pequenas circunstâncias do quotidiano e levar assim ao descontrolo das situações, abordando-as no seu dramatismo, tensão, romance ou o que quer que seja sempre com o humor como pano de fundo.
Os críticos do costume ignoraram o filme, ou trataram-no menos bem, apesar de ter recebido o Goya do melhor filme estrangeiro e estar nomeado para o Óscar da mesma categoria.
Mas, na verdade, ele faz-nos passar duas horas muito divertidas, rindo a bom rir. No meio de tanta tristeza e/ou desgraça, já fazia falta...

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Quase...


Le carnaval s’en va, les roses vont éclore ;
Sur les flancs des coteaux déjà court le gazon.
Cependant du plaisir la frileuse saison
Sous ses grelots légers rit et voltige encore,
Tandis que, soulevant les voiles de l’aurore,
Le Printemps inquiet paraît à l’horizon.

                           
                                                          (Alfred de Musset)

Mal se anuncia a chegada da Primavera e já se me enche o coração de alegria, como se com o seu colorido berrante, os cheiros intensos e a luz brilhante viesse também a possibilidade de tudo poder (re)começar.
Daqui a uma semana, ou até menos, voltam os melros a cantar na minha janela ao alvorecer e regressa o tempo da felicidade, sempre diferente, renovada...

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Canções da minha vida (V)

 
Goste-se ou não, para quem tem mais ou menos a minha idade as canções do filme The sound of music ("Música no Coração, em português e - pior ainda - Lágrimas y Sonrisas, em espanhol) marcaram a nossa infância e até um pouco para além dela, nem que fosse porque passava repetidas vezes na televisão, especialmente na tarde do dia de Natal.
Lançado a 2 de Março de 1965, o filme celebra este ano, e em particular por estes dias, as "bodas ouro" prevendo-se todo o tipo de comemorações, nas quais não faltarão as canções que todos conhecemos de cor.
Ouvi-las ontem cantadas por Lady Gaga foi uma inesperada e agradável surpresa, naquele que terá sido, provavelmente, um dos momentos altos da cerimónia dos Óscares deste ano.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Vou ali e já venho...


Há ruas, praças e jardins que são do mundo e são a nossa casa, onde precisamos às vezes de nos perder, para nos voltar a encontrar.
No fundo é tudo muito simples: basta pousar os olhos na serenidade de um rio, deixar-se envolver na harmonia circundante, encher o peito de ar e o coração de paz,  reconciliar-se com o mundo e com a vida. E há cidades que parecem estar sempre à nossa espera...
A minha, de agora, cheira a flor de laranjeira, é alegre, fresca, rumorosa e verdejante, tem a graça e a elegância dos cavalos a desfilar, uma luz penetrante e um encanto peculiar; e seduz-me; e faz-me feliz...



quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Sedução


Pour ce rien, cet impondérable
Qui fait qu'on croit à l'incroyable
Au premier regard échangé
Pour cet instant de trouble étrange
Où l'on entend rire les anges
Avant même de se toucher...

Quanto no amor e no afecto é destino ou mero acaso, que  força inexplicável, aliciante e incompreensível nos empolga e impele para certas pessoas que nos atraem e fascinam mais que outras?
Há um encanto especial no inesperado e incerto que chega à nossa vida sem se anunciar, como uma inevitabilidade que atrai e assusta com o que encerra em si de ímpeto, de expectativa e de vontade, que é pressa e é vagar, na volúpia de tudo ainda por acontecer, na emoção enternecida dos olhos presos noutros olhos em arrebatado langor, e a cabeça a mil à hora imaginando o que se quer fazer, as distâncias mais curtas na antevisão de uma intimidade há muito ansiada ou de súbito desejada,  pronta a desatar-se.
Não há quem não tenha, posso jurar, pelo menos um daqueles encontros que nunca chegaram a ser o que poderiam ter sido e nos fazem perguntar-nos, em certos dias, a certas horas, quando qualquer coisa no-lo relembra: e se os astros se tivessem alinhado todos e o universo se tivesse sintonizado com aquele nosso querer?

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Birdman, um filme polémico

Começo pelo fim: eu gostei deste filme, intenso e controverso em simultâneo. Mas conheço quem não tenha gostado nada. E o facto de dividir opiniões de uma maneira tão antagónica também me parece que pode ser significativo.
Fui mais ou menos "em branco", isto é sem me informar grandemente sobre ele, o que é pouco comum acontecer-(me). Sabia apenas que estava nomeado para os Óscares e que tinha Michael Keaton no papel principal. 
E o que vi surpreendeu-me. Pode ser banal a questão do actor em busca de uma glória perdida, mas o que é nele mais interessante é a permanente interpenetração da ficção e da realidade, da personagem e do homem, do fingimento e da autenticidade, da representação e da vida. Depois, há qualquer coisa de  inquietante e de perturbador, até,  na complexidade das personagens, na sua violenta fragilidade, que pode às vezes ser cinismo e amargura, assombradas por um passado marcante, na dolorosa procura de si e da superação dos seus fantasmas, em busca de dignidade e de realização pessoal.
Pareceu-me um pouco excessivo o lado mais fantasioso e simbólico, e todavia há nessa inverosimilhança algo de peculiar, diferente, que remete para a carapaça de simulação em que se tornou cada vez mais o mundo actual; ainda assim, e mesmo sem ter visto (ainda) os restantes nomeados, não me chocaria nada que o galardão do melhor actor fosse para Michael Keaton,  de resto aqui muito bem acompanhado por outros bons desempenhos, com especial destaque para Emma Stone, absolutamente expressiva naqueles olhos enormes e eloquentes, que enchem o écran e dizem muito mais do que as palavras que possa proferir.
Enfim, se nunca nos conhecemos inteiramente, porque há sempre partes de nós que nos podem a todo o momento ser reveladas, se grande parte da nossa vida é o resultado das escolhas que fazemos e dos encontros que nos vão acontecendo (ou que fazemos acontecer...), também alguns filmes que vemos modificam a nossa maneira de ver o cinema e de gostar dele.
Este filme pode ser isto tudo, ou outra coisa completamente diferente. E é também essa ambiguidade que lhe dá valor.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

A antecipação do prazer

 
 
Y yo sé
Que Sevilla tiene algo
Que será ese "no sé qué"
Que si de Sevilla salgo
Tan solo pienso en volver 


sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Canções da minha vida (IV)


Depois de muitos anos de ginástica rítmica e outros tipos de exercício que eram quase mais dever do que prazer eu, que nunca fora grande amante de discotecas, descobri os encantos da dança.
Experimentei várias: das latinas às orientais, da salsa ao sapateado; até me apaixonar pelo flamenco. Não sei explicar. Há naquele som ritmado de pés a bater no chão, no voltear das saias e na garra dos movimentos um singular arrebatamento que me comove e arrepia, e se me entranha no corpo e na alma.
As sevilhanas, primeiro, e o flamenco, depois, foram como uma revelação cuja descoberta me modificou e modificou a minha vida, também. Porque conheci um lado de mim que não me fora até então revelado, porque encontrei um equilíbrio e uma serenidade que deram um vigor novo aos meus dias, que trouxe à flor da pele o meu lado mais emocional, que me permitiu conhecer-me melhor e assumir-me como sou, sem vergonha de nada, aprendendo devagar a soltar-me e a ser mais "eu".
Mas foi ainda mais que isso: por causa do flamenco descobri  uma cultura, um país e um povo com o qual me identifico na sua contagiante alegria de viver, fiz muitos amigos novos e conheci pessoas extraordinárias, umas portuguesas, outras espanholas.
Não interessa que tenha começado tarde, pois nunca tive nenhum tipo de preocupação ou pretensão artística. Por isso pouco me importa se não tenho a postura mais adequada, a técnica perfeita, ou um desempenho brilhante.
O que sei é que o flamenco mudou a minha vida; e hoje, mesmo sem ter aulas, faz ainda parte dela; e continuo a emocionar-me todas as vezes que vejo ou ouço a guitarra, as palmas e os pés a compasso, e a voz e o corpo a explodir repentina, torrencial e incontidamente, em desmedida entrega.

(Esta canção e todas as de Rafael del Estad trazem-me boas memórias das primeiras aulas de sevilhanas, quando achava que nunca na vida haveria de ser capaz de as aprender, mas ainda assim me divertia loucamente).

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

O filme de que se fala

 
Leitora diária do DN e amante de cinema, sigo com curiosidade e interesse a(s) crítica(s) de João Lopes, embora possa ou não concordar com ela(s). Merece(m)-me, no entanto, a consideração que sempre costumo ter por quem acho que sabe do que fala.
Hoje, o texto era sobre a estreia mais noticiada dos últimos tempos. E dizia isto, que gostei de ler: 
 
Na próxima semana vai estrear um filme admirável de Paul Thomas Anderson, Vício Intrínseco, que numa cena de cinco austeros minutos consegue retratar um acto sexual de perturbante e intensa crueza que as duas longas horas de As Cinquenta Sombras de Grey não sabem sequer imitar. Em todo o caso, na arena mediática não acontecerá nada que se possa parecer com a agitação pueril que agora atravessamos. Isto significa apenas que o marketing passou a normalizar os nossos espaços de discussão e pensamento. E não se trata de demonizar As Cinquenta Sombras de Grey; apenas de lembrar que, cinematograficamente, o sexo é uma velha desculpa para a falta de ideias.

Não tenho qualquer intenção de ver este filme, da mesma maneira que não tive paciência nem vontade de ler o livro que lhe dá origem. Porque há muitíssimos outros com muito mais qualidade e, mesmo de entre esses, não consigo ver e/ou ler tantos como gostaria.
E não é apenas por "ser do contra", ou para não ir na onda algo voyeurista que me parece explicar os mais de sessenta mil bilhetes vendidos para um filme que se sabe à partida estar mais perto da mediocridade que de outra coisa qualquer.
Já quando foi a moda de Dan Brown também não li o Código Da Vinci, nem vi o filme.
É que tenho coisas mais interessantes para ver e fazer; e não gosto de perder tempo com "porcarias".

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Canções da minha vida (III)


Se tivesse que escolher uma canção que me definisse, talvez fosse esta.
E, apesar da agitação que têm sido os últimos dias, encontrei hoje no blogue da Helena um texto que ma fez lembrar. Diz isto:
 
Quantas vezes não tenho assistido à tolerância com que se encaram as atitudes dos que são tomados por frágeis e à manifesta intolerância que é usada nos julgamentos daqueles que são considerados como sendo fortes? (...)
Fui sempre considerada uma mulher forte, vá lá saber-se porquê. Calculo que o epíteto se terá ficado a dever à circunstância de eu não ser pessoa de grandes queixumes e de tentar, quase sempre, dar a volta ao que me corre menos bem.
(...) não terão também os fortes direito aos seus momentos de fraqueza e à benevolência que se tem para com os mais fracos?

No fundo, as pessoas consideradas fortes têm as mesmas fraquezas das outras e no canto mais secreto de si conhecem-nas com detalhe e com rigor. Mas tentam minimizá-las e sobrepor-lhes o que pode ser o lado melhor de todas as circunstâncias, adoptando a expressão "fazer das fraquezas força" como lema implícita ou explicitamente assumido. Mais ou menos isto, digo eu...

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Amor do Mar

 
(Fotografia de Miguel Cordeiro de Sousa)

Homme libre, toujours tu chériras la mer !
La mer est ton miroir ; tu contemples ton âme
Dans le déroulement infini de sa lame,
Et ton esprit n'est pas un gouffre moins amer.

Tu te plais à plonger au sein de ton image ;
Tu l'embrasses des yeux et des bras, et ton coeur
Se distrait quelquefois de sa propre rumeur
Au bruit de cette plainte indomptable et sauvage.
(...)



(É uma das minhas maiores paixões, misto de atracção e voragem, tumulto e calma, caos e harmonia, e tudo o que só se consegue sentir, antes e depois das palavras, no silêncio reconfortante do olhar.)

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Alice


Desconfio sempre um bocadinho dos filmes em cuja tradução do título se perde o essencial do que ele contém em si. É o caso de "O meu nome é Alice" para um original que se denomina Still Alice.
Mas em muitos outros aspectos ele fica aquém do que seria expectável.
É um filme duro, porque a sua temática acaba de alguma maneira por nos dizer respeito a todos. E por isso nos emocionamos ao vê-lo. Não é, no entanto, um grande filme. Falta-lhe ritmo e profundidade. Salva-o a interpretação de Julianne Moore, sempre fantástica, e aqui séria candidata ao Óscar para o qual está nomeada; salvam-no, em particular, algumas cenas como o discurso na Associação de Doentes de Alzheimer e todas aquelas em contracena com Kristen Stewart, que são talvez as mais credíveis.
Ao ver este filme não pude deixar de recordar outro, que vi há cerca de dois anos e que é, esse sim, um verdadeiro "murro no estômago". Ao contrário deste, é um grande filme; e por isso é inesquecível. Falo de Amour e das extraordinárias interpretações de  Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva, que nos mostram de uma maneira verosímil e perturbadora o lado mais desconcertante  e desconfortável do que pode ser o fim da vida, quando se perde  a autonomia e a dignidade.  Por comparação, Alec Baldwin (sempre demasiado perto da mediocridade) na sua negação da realidade fica anos luz de  Isabelle Huppert.
Ainda assim, eu diria que vale a pena ir ver a Alice. Julianne Moore merece isso...

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Canções da minha vida (II)


 
Na minha vida, há muita música francesa. Quando "descobri" este disco de Ferrat com poemas de Aragon fiquei imediatamente rendida à voz, à beleza dos textos, e à fantástica junção das duas coisas.
Mesmo se, na altura, ainda nem sabia bem o que era o amor...
Mais tarde, este disco e esta canção, em particular, fizeram-se-me muito mais especiais. Quase como um hino. 
Afinal, há sempre quem nos faça ver o mundo e até nós mesmos de uma outra maneira. Esses são os que nos tocam e, ainda que deixem de fazer parte da nossa vida, marcam-na para sempre.
 
E porque o texto é lindíssimo, ele aqui fica, também:

Que serais-je sans toi qui vins à ma rencontre
Que serais-je sans toi qu'un coeur au bois dormant.
Que cette heure arrêtée au cadran de la montre.
Que serais-je sans toi que ce balbutiement.

J'ai tout appris de toi sur les choses humaines.
Et j'ai vu désormais le monde à ta façon.
J'ai tout appris de toi comme on boit aux fontaines
Comme on lit dans le ciel les étoiles lointaines.
Comme au passant qui chante, on reprend sa chanson.
J'ai tout appris de toi jusqu'au sens du frisson.

J'ai tout appris de toi pour ce qui me concerne.
Qu'il fait jour à midi, qu'un ciel peut être bleu
Que le bonheur n'est pas un quinquet de taverne.
Tu m'as pris par la main, dans cet enfer moderne
Où l'homme ne sait plus ce que c'est qu'être deux.
Tu m'as pris par la main comme un amant heureux.

Qui parle de bonheur a souvent les yeux tristes.
N'est-ce pas un sanglot que la déconvenue
Une corde brisée aux doigts du guitariste
Et pourtant je vous dis que le bonheur existe.
Ailleurs que dans le rêve, ailleurs que dans les nues.
Terre, terre, voici ses rades inconnues.
                                                                               (Louis Aragon)


sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Dependência(s)


Sou pouco dada às tecnologias, digo-o e repito vezes sem conta. Reconheço-lhes o lado prático, a rapidez e os seus múltiplos benefícios. Não sou muito entendida no assunto, sei apenas o essencial para aquilo em que preciso delas, com muitos "disparates" pelo meio, alguns quase hilariantes.
E depois, adoro escrever à mão, compro o jornal todos os dias, só leio livros em versão papel. No entanto, quando as tecnologias me "falham" fico num inexplicável desnorteio, como se faltasse alguma coisa fundamental.
Foi o que aconteceu há dois dias, quando o computador novo resolveu "passar-se" e tive de ficar vinte e quatro horas sem ele. Na verdade, nem cheguei a perceber exactamente o que se passou, vírus ou avaria técnica, pouco me importa. Alegro-me de o ter aqui outra vez, como se não se tivesse passado nada.
É o que acontece também quando se me avaria a televisão (o que é raro, graças a Deus!); nesse caso, então, é ainda mais ridículo. É que vejo muita pouca coisa, quase nada. Mas gosto de a ter ali, nem que seja desligada, ou sem som, como acontece na maior parte das vezes...
Na verdade, tenho que reconhecer que sou muito mais dependente desta tralha toda do que gosto de admitir (não seremos todos?) e de vez em quando ocorrem estes episódios, que parecem mesmo "ironia(s) do destino".

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Canções da minha vida (I)


Há quem diga que para cada momento há sempre uma canção. Eu concordo. E há muitas, muitas canções que, pelos mais diversos motivos, fazem parte da minha história. Esta é apenas uma delas.

Bem me parecia...


Não será por acaso que aquela velha máxima do "deitar cedo e cedo erguer, dá saúde e faz crescer" sempre me pareceu um tremendo disparate. 
Sempre fui de dormir muito (ainda sou!), mas também de me deitar tarde. Mesmo nos velhos tempos do "recolher obrigatório" lá em casa, em que tínhamos de ir para a cama às nove e meia e nada nem ninguém podia alterar essa regra, eu e a minha irmã conseguíamos encontrar mil e uma maneiras de nos manter acordadas para lá do que nos era permitido e usávamos a nossa imaginação a engendrar os mais criativos planos de fazer da noite uma aventura à medida da nossa ingenuidade infantil.
Hoje, continuo a ir madrugada fora facilmente, e nos dias em que tenho que me levantar cedo - que são quase todos - acabo por dormir um pouco menos do que preciso. E por me "vingar" aos fins de semana, tentando recuperar o sono perdido. E nas férias, também!
Mas, pelos vistos, agora está tudo explicado...

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

O tamanho dos dias


Dizem que os dias têm todos vinte e quatro horas, mas essa é uma verdade em que não é fácil acreditar. Porque quando os vivemos são todos diferentes, e enquanto uns passam depressa demais, há outros que parecem nunca mais acabar.
Mas até no fim dos dias mais compridos, quando o cansaço ou o desânimo vão tomando conta do que sobra de nós, pode sempre haver o que nos resgata e nos devolve a beleza do mundo, através de qualquer um dos nossos sentidos, de todos misturados, ou na mais pura ausência, quando tudo é só silêncio apaziguador.

(Fotografia de Paulo Abreu e Lima)

domingo, 1 de fevereiro de 2015

A magia dos afectos


Há um mistério qualquer que nos faz aproximar de algumas pessoas e de outras não, que faz os amigos recentes parecerem amigos de há muito, que transforma cada encontro num momento de festa, que apaga todos os silêncios e distâncias.
O que leva um grupo de pessoas que podem ter  diferentes idades e pertencer a diferentes áreas profissionais a reunir-se numa fria noite de inverno à volta de uma mesa e passar horas a conversar, estreitando os laços que as unem sem sequer se aperceberem, ou sem que isso tenha que ser dito é certamente esse lado inexplicável e incompreensível das amizades, que as torna mais bonitas e especiais, mistura de afecto, conforto, empatia e bem-estar, de cumplicidades crescentes e de sentimentos irredutíveis a palavras. São afinidades e gostos comuns, são muitas semelhanças, diferenças e emoções que nascem não se sabe onde nem como, com o bom humor e a alegria  de estar juntos e, simplesmente, gostar disso. 
É nessa magia e encantamento que se vai consolidando a amizade, que surge por uma casualidade qualquer mas mais parece destino,  e que cresce devagar e em subtileza, entre o que calamos e o  que nos vamos contando, entre  descobertas apenas intuídas e intimidades partilhadas, e nos enche a alma e o coração, porque é a naturalidade genuína de rirmos, conversarmos, pensarmos, emocionarmo-nos, comermos e bebermos, enternecermo-nos, olharmo-nos, abraçarmo-nos,  que torna  tão boa, tão bonita e feliz, e única, também, cada vez que estamos juntos. 
E é das melhores coisas da vida...