quarta-feira, 31 de julho de 2019

Aprendizagens


O tempo ensinara-lhe muita coisa: a aceitar o que a vida traz de bom, quase sempre diferente do que havia imaginado, mas não necessariamente pior; a ser mais paciente e tranquila; a importar-se menos com opiniões alheias, ou com fazer tudo o que é "normal" sem se questionar sobre o sentido que essa suposta normalidade tem para cada pessoa; a experimentar a generosidade e o despojamento de que só os grandes amores são capazes, vivendo cada minuto em total plenitude, como se fosse o primeiro e o último, sem querer saber como será depois; a alimentar afectos e cumplicidades, aconchegos e mimos dos que se tem a certeza de serem para sempre, sem ciúmes parvos nem absurdos sentimentos de posse; a esquecer rapidamente inevitáveis erros nos mais diversos domínios, incluindo os erros de "casting"; a conhecer-se melhor; a aceitar-se com todos os seus defeitos, qualidades, talentos e fragilidades, conquistas e fracassos, atrevimentos e limitações, medos e valentias; a querer sempre mais e melhor na consciência de que a perfeição não existe e de que são as vulnerabilidades que nos tornam mais humanos e enternecedores; a gostar muito de estar a sós consigo; a precisar de solidão tanto como de companhia; a saber orgulhar-se, contentar-se e agradecer tudo o que se vai conquistando aos poucos e, por isso, sabe melhor...
E ainda há quem ache que só a juventude importa, ou vale a pena.

segunda-feira, 29 de julho de 2019

As fosquinhas do Verão



Por estes dias, não há quem não fale nas voltas do tempo e por todo o lado se ouvem os protestos sobre um Verão "atípico", ou que tarda em chegar. 
Pois para mim está óptimo assim. E parece-me uma felicidade ter escapado até agora às ondas de calor que têm atingido quase toda a Europa, com muitas cidades a bater recordes máximos de temperatura, enquanto nós nos vamos mantendo por valores amenos que oscilam entre vinte e trinta graus, o que para mim, que abomino os excessos estivais - suor, moscas, bichos, desleixos vários - é o ideal. E mesmo que de vez em quando venha uma chuvinha, qual é o problema? Refresca, é maravilhoso o cheiro da terra molhada e logo passa, como tão bem diz a sabedoria popular: "chuva de Verão, chove agora e logo não."
Enfim, as temperaturas um pouco mais moderadas do que o habitual não impedem a leveza e a despreocupação que sempre associamos a esta estação e que é o que ela tem de melhor: as noites quietas e as bebidas frescas, a vida em ritmo mais lento, as conversas soltas noite dentro ou os passeios junto ao mar, a brisa fresca do fim da tarde, o mundo muito mais azul, os amores passageiros e inconsequentes, tudo em lume brando, feito de moleza e de preguiças desmedidas, como um enorme parêntesis.
Não é verdade que o que é muito previsível se torna mais enfadonho? Queixemo-nos menos, pois, e aproveitemos o mês e meio que nos resta deste magnífico e incerto Verão.

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Egos



Fico sempre na dúvida sobre se as pessoas que se acham o máximo acreditam realmente na imagem que querem fazer passar, ou apenas pretendem convencer disso os outros, procurando desta maneira, de forma consciente ou até nem isso, ocultar alguns complexos de inferioridade.
As redes sociais vieram de certo modo potenciar a "feira de vaidades" na qual todos são excessivamente lindos, sedutores, inteligentes, cultos e todo um rol de atributos positivos que no fundo não serão bem a realidade.
E já nem falo dos casos patológicos que, escondidos por trás do anonimato de um écran, vão destilando ódios e "maus fígados" a torto e a direito, e cultivando toda a espécie  de "ódios de estimação". Porque dessa gente quero é distância; e fujo a sete pés...Enfim, haja paciência!
Por mim, continuo a apreciar pessoas controversas e carregadas de defeitos, das quais gosto apesar das suas limitações e fragilidades, ou, se calhar, precisamente por causa de serem assim, incompletas e imperfeitas.

segunda-feira, 15 de julho de 2019

Ases do volante I


Deve haver uma explicação psicológica qualquer para o facto de não haver português que não se considere um exímio condutor e, por isso, se permita tudo e mais alguma coisa, achando sempre que "tem direito".
Há exemplos para tudo: os que guiam dentro da cidade como se fossem ganhar uma corrida, os que não respeitam as passadeiras dos peões (são sobretudo mulheres, hélas...), os que ignoram o facto de o sinal ter ficado vermelho e continuam como se nada fosse, ou os que não assinalam uma mudança de direcção. 
Os casos mais óbvios e enervantes, no entanto, têm a ver com o estacionamento em segunda fila e o uso absolutamente abusivo dos "quatro piscas". Sem querer saber de interromper o trânsito, ou de bloquear carros que poderão porventura ficar impedidos de se mover, esta gente permite-se tudo: pôr ou tirar meninos de escolas, ir ao café, ao banco, ou o que que quer que seja relacionado com "fazer a sua vida", considerando sempre que o seu tempo  e afazeres são mais importantes que os dos demais. E se alguém diz alguma coisa, ainda se justificam com o implacável "mas eu liguei os quatro piscas...", como se esse gesto bastasse para valer tudo.
Dois casos sintomáticos: na minha rua, que é de sentido único, passam autocarros. A rua nem sequer é muito estreita, mas todas as manhãs os autocarros demoram mais do que o normal a percorrê-la, pois há sempre gente em segunda fila, com os "quatro piscas" ligados, pois claro... Na Praça de Alvalade, onde trabalho actualmente, é rara a manhã em que não há uma chinfrineira de buzinas, porque alguém estacionou indevidamente, impedindo a saída de quem está nos lugares marcados para o efeito. E o que dizer sobre o que se passa na porta das escolas, onde se pára em segunda e mesmo em terceira fila para largar ou recolher meninos, ocupando a rua toda e tornando-a completamente intransitável?
Enfim, a explicação mais lógica para isto tem a ver com a nossa insensibilidade e desrespeito pelos outros, que parece ir crescendo mais e mais, e é bem a prova da mais grosseira falta de civismo.

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Campeones: divertido e tocante



De Javier Fesser, o realizador, confesso que nunca tinha ouvido falar. Também Javier Gutiérrez, o actor principal, não me dizia muito, embora possa já o ter visto alguma vez. Mas é sobretudo o grupo de actores amadores que contribui para o sucesso deste filme, a sensação do ano em Espanha, ganhador do Goya de Melhor Filme em 2019, e também do melhor actor revelação (JesúsVidal) e da Melhor Canção Original, e ainda nomeado para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, entre várias outras nomeações e prémios atribuídos. Sobre ele já tinha assistido a inúmeras entrevistas e reportagens e tinha, por isso, muita curiosidade, o que explica que me tenha apressado a vê-lo mal estreou entre nós.
Não me desiludiu. Trata-se de uma comédia, que nos faz simultaneamente rir às gargalhadas e emocionar-nos, porque é feita de sensibilidade,  e porque trata o tema da aceitação da diferença com humor e comoção, sem paternalismos nem receitas, mas antes de forma respeitadora e envolvente. E apesar de um final previsível, não deixa de ser um filme de superação e de humildade perante o que estranhamos.
Enfim, numa altura em que me incomodam cada vez mais as apresentações de filmes a que assisto, cheias de barulho e de todo o tipo de violência, tiros, pancadaria e efeitos especiais, confirmo, uma vez mais, que o cinema que vale a pena ver é sobre os sentimentos e as relações com os outros; e que tal como um bom livro, um bom filme é aquele que é capaz de fazer de nós melhores pessoas.

terça-feira, 2 de julho de 2019

Postal de férias (III)




Eu, que sou profundamente urbana, que amo cidades cosmopolitas, cheias de movimento e de vida, também me sabe bem às vezes uns momentos de calma e de silêncio, em ambiente tranquilo, quase sempre com água por perto. Gosto de me sentar sossegada, de olhos perdidos na quietude de uma imensidão líquida qualquer, seja mar ou rio, e de me entregar a uma preguiça boa, que parece por momentos  imobilizar  o tempo e me devolve o equilíbrio, a força e a paz interior. 
Porém, logo me farto um pouco de tanta tranquilidade e volta a apetecer-me a agitação citadina.
Viajar é maravilhoso, a natureza é linda, mas eu seria incapaz de viver numa vila, aldeia, ou mesmo numa cidade de província.