terça-feira, 31 de março de 2020

Pequenas alegrias


Numa altura em que tudo é diferente daquilo a que estávamos habituados, há pequenos gestos banais que podem fazer a diferença.
Agora que estamos fechados em casa, como devemos, e que as saídas se limitam ao estritamente necessário de idas ao supermercado ou à farmácia, pelo menos para quem, como eu, pode funcionar em teletrabalho, uma qualquer ida à rua pode dar um sentimento de satisfação inimaginado.
Foi o que se passou comigo por estes dias, quando depois de vários dias sem sair, tive que ir pôr o lixo na garagem, o que significa dois passos da porta da rua até ao caixote do lixo que está perto da porta de saída da garagem, e o inverso para voltar a casa. Nunca antes pudera imaginar que uma ida à garagem pudesse ser motivo de alegria...
E penso nisto, ao mesmo tempo que penso que este dia foi especialmente feliz há quatro anos, que se tudo fosse como antes, iria amanhã de férias para San Sebastián, e que tenho esperança  e acredito que tudo vai ficar bem outra vez.

domingo, 29 de março de 2020

O confinamento

É tudo muito recente. Sem que ninguém o esperasse, aprendemos na pele, e com dor, o que quer dizer isolamento e quarentena. De maneira mais ou menos repentina, ficámos circunscritos a um espaço reduzido, fechados, com os movimentos limitados e, entre o desconforto e a inquietação, habituámo-nos, à força,  a viver de outra maneira.
E assim, nos dias que se sucedem a outros dias quase sem poder distinguir-se entre si, soubemos como pode ser dura a solidão, como pode doer a ausência física dos que mais queremos. Vamos inventando rotinas e maneiras de passar o tempo, de nos adaptarmos às novas circunstâncias, de sobreviver a isto que nos aconteceu. Parece que o tempo cresceu subitamente, que vida se tornou mais lenta. É a hora de Verão e quase não damos por isso; estamos muito perto da Páscoa e quase não damos por isso. Que estranha é esta sensação de pormos a existência entre parênteses.
Mas, por maior que nos possa parecer este fardo, claro que há os que estão bem pior que nós, os que sofrem por estar doentes, os que se afligem por não poder abraçar os que mais amam e são especialmente vulneráveis, os que não têm casa onde ficar em segurança, os que não têm nada nem ninguém, e todos os que estão na linha da frente, que se põem em risco para nos salvar, ou para que a nossa vida mantenha a normalidade possível. 
Quando o pesadelo passar,  - o que todos esperamos que seja mais cedo do que tarde - nada poderá voltar a ser igual, porque tudo aquilo que nos afecta nos deixa marcas, positivas e negativas, decerto; e porque o mundo e a vida são uma constante transformação.
Que ao menos tudo isto sirva para nos tornar mais fortes, mais próximos, mais atentos aos outros, mais generosos e humanos.

quinta-feira, 26 de março de 2020

Abraço(s)



Quantas vezes, no calor do teu abraço, senti sem dar-me conta que o mundo era perfeito? E só agora que não estás aqui, que não podemos ver-nos, nem tocar-nos, percebo a importância do que tínhamos como garantido e quase banal, que era fortaleza e fragilidade, solidão e companhia, caminho e porto seguro.
Fazes-me falta. Faltas-me tu, os teus olhos, a tua pele e o teu abraço apertado. Era dentro dele que queria viver para sempre, porque não há melhor lugar.
Que saudade e que vontade de voltar aos nossos abraços sem pressa, quando deixa de haver mundo, porque o mundo todo és tu; e te encostas a mim em abandono, e com beijos lentos te entrego o meu corpo e eu inteira nele, e as tuas mãos grandes me arrepiam a pele, e o bem que me fazes, e tudo o que provocas em mim.
Enquanto revivo na memória todos os abraços que agora me faltam, todos os abraços que me aconchegam e importam, sonho com o dia em que possamos novamente colar os nossos corpos num longo, silencioso e sentido abraço, deixar os corações bater  um contra o outro e converter os dias de estar juntos em momentos inesquecíveis e bons para usar nas horas de aflição como as que vivemos por estes dias, deixando-nos ir, afugentando dúvidas e medos, sem deixar de  acreditar. Porque acreditar é uma das melhores e maiores provas de amor.
Havemos de voltar a abraçar-nos.

sexta-feira, 20 de março de 2020

Entre o medo e a esperança


Numa ou duas semanas mudou tudo. A nossa vida transformou-se radicalmente, vimo-nos confinados ao espaço mais ou menos reduzido das nossas casas - que nos parecem ainda o porto mais seguro - e tentamos adaptar-nos à nova realidade, feita de incertezas, medos, tédio e solidão, mas também de esperança, de convicção de que tudo passe rápido e possamos retomar a vida de que tanto nos queixávamos, a rotina do quotidiano, as deslocações para o trabalho, o convívio social, os beijos e abraços que tanta falta nos fazem agora, a possibilidade de andar livremente pelo mundo.
Neste momento difícil, em que o rigor, o cuidado e a disciplina são as palavras de ordem para o bem de cada um e de todos, sempre com a preocupação constante com todas as vulnerabilidades que nos rodeiam e importam, saibamos encontrar a melhor maneira de passarmos por isto e sair vitoriosos. 
Por mim, entre as dificuldades tecnológicas com o teletrabalho, o contacto mais virtual do que físico com aqueles de que gosto e que gostam de mim, os livros, as redes, as notícias, e  a tentativa de levar uma vida tão normal quanto possível nestas circunstâncias, é a música que me enche os dias.
Esta, por exemplo:


(Imagem de Roberto Leal)

sábado, 7 de março de 2020

Feliz por ter nascido

Quase sem darmos por isso, os dias vão-se somando e num instante passam muitos anos. No dia do nosso aniversário é quando tomamos claramente consciência de que estamos a ficar mais velhos, apesar de o processo ser gradual e  acontecer em todos os segundos, minutos, horas e dias da nossa vida de forma mais ou menos imperceptível. Mas isso é, penso eu, um bom sinal. Sou uma daquelas pessoas que gosta muito de fazer anos. Porque a vida é para ser festejada; e porque acho que só tenho razões para me sentir feliz.
Agora, que já tenho um percurso muito razoável, sinto-me bem com o que sou e com o que tenho, embora saiba que aqui e ali poderia ter sido ou feito diferente. Mas não me arrependo de nada. Aceito as marcas do tempo com naturalidade e nunca sinto ter a idade que tenho. Acho que a idade real não tem muita importância, talvez por haver no meu círculo afectivo gente que ocupa uma faixa etária entre os catorze, quinze, e os oitenta e tantos, ou até os noventa e quatro da minha mãe.
A ela devo tudo (ou perto disso). E nunca saberei agradecer-lhe suficientemente o facto de me ter trazido à vida neste dia 7,  - que tem para mim um significado tão especial - , de me ter mostrado o mundo e dado asas para também poder ser e descobrir sozinha, de em silêncio me ter dado tantas lições de generosidade, de aceitação, de alegria e de vontade de viver.
Nasci no sétimo dia do terceiro mês de um ano bissexto, entre as oito e as nove da noite, e por isso sou abençoada; porque o sete reúne em si o três, número da perfeição, - princípio, meio e fim, pai, filho e espírito santo -  e o quatro (quatro elementos), sendo assim em si mesmo o número que simboliza  a união entre o céu e a terra, a alma e o corpo, o espírito e matéria.
Sendo do signo de Peixes, e embora não ligando muito a essas coisas de astrologias e outras pseudociências, tenho muitas das características que, com toda a razão ou sem razão nenhuma, se lhe atribuem: sou sensível e emotiva de forma imoderada, muito dada a afectos e meiguices,  carinhosa, romântica, desconcertante, razoável e excessiva, leal e desbocada, organizada, sonhadora e todas as contradições, defeitos, manias e vulnerabilidades que me tornam única, não melhor nem pior que ninguém, mas apenas eu.
Com o tempo, aprendi a aceitar-me como sou e a gostar de mim até com o que não gosto. Aprendi a serenidade e o prazer do vagar, que nos faz viver cada momento de uma forma muito mais plena. Amo as línguas, as artes e as letras, como gosto de pessoas e de cidades, de mar e de sol, de ouvir chamar o meu nome e de andar a pé, de abraços apertados e de festas no cabelo, de regressar a casa, de conversas entre amigos e de manhãs de preguiça, do primeiro café do dia, de voltar a Paris e do dia dos meus anos.
Sinto-me muito feliz e agradecida por tudo o que sou, tenho, e posso ainda viver e aprender, na inquieta procura de tudo o que me falta ver e experimentar. Mas, hoje, é dia de beijos e abraços e de todos os mimos e amor a que tenho direito, porque este dia é todo meu. E porque viver é maravilhoso.

terça-feira, 3 de março de 2020

Março


Este mês é meu. Foi em Março que eu nasci e é em Março que (re)começa a Primavera. Tudo coisas boas, portanto. E, quando chega Março, tenho sempre esta sensação de mudança, de renascimento, como se ficasse mais atenta a tudo - cores, perfumes, sons, -  ou como se este mês, que para mim é azul  como o céu e o mar, e amarelo como as frésias dos meus anos, me permitisse querer e acreditar mais do que noutras épocas do ano.
Em Março estou quase sempre bem-disposta e cheia de energia, de sentidos mais alerta, com vontade de ir a todo o lado, de andar na rua, de sentir o vento nos cabelos, ou o calor do sol no corpo.
Mês de festa(s) e de bem-estar generalizado, Março traz-me força, positividade, vontades várias e muita alegria; é o tempo de me reapaixonar  pela vida e de possibilidades infinitas, que traz consigo uma promessa de felicidade sempre renovada.

Tandis qu'à leurs oeuvres perverses
Les hommes courent haletants
Mars qui rit, malgré les averses,
Prépare en secret le printemps.

                                                       (Théophile Gautier)