quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

O adeus a um ano difícil

O ano que acaba amanhã ficará para sempre marcado nas nossas vidas. E não pelos melhores motivos. Para a maioria, 2020  terá sido diferente e bastante mais conturbado que todos os anteriores, com todas as readaptações e novos hábitos que tivemos de criar à força. Por isso, este será sempre o ano da expectativa, do medo e da perplexidade, o ano dos sorrisos escondidos, da falta de abraços e de viagens, da solidão e da incerteza, dos dias em que a simples possibilidade de ir à rua parecia o melhor destino, do teletrabalho, do confinamento e do recolher obrigatório. 
E, se é verdade que em tudo se pode também encontrar um lado positivo, se aprendemos a relativizar e apreciar o que antes não nos parecia ter muito valor, também é certo que este ano não deixa saudades e que nunca quisemos tanto apressar-lhe o fim.
O Ano Novo, esse dia 1 que é apenas só mais um dia mas que simboliza um tempo novo, a possibilidade de mudar de rumo e de fazer mais e melhor, vem pois inevitavelmente carregado de boas expectativas, de projectos, de resoluções e de desejos. E, apesar da incerteza que também encerra, subsiste sempre a esperança de que seja bem melhor. 
Desta vez, tudo isso ganha uma nova dimensão e todos ansiamos mais ou menos o mesmo: saúde, naturalmente, e um  rápido regresso à "vida normal". 
Bom Ano de 2021 para todos!..

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Quando só o amor importa


Quiero verte cuando haya terminado todo
Nada vale el oro que me puedan dar si no estás 

Prométeme que todo será igual 
que no habrá sillas vacías en nochebuena 
Sé que este año se ha portado mal 
pero yo sigo esperando verte en la cena
 bajo el árbol o en calcetín
No hay regalo parecido a ti

Quiero verte cuando haya terminado todo 
nada vale el oro que me puedan dar si no estás aquí

                                                                                            (Flavio)

Esta é a canção de Natal ("villancico", em espanhol) que ouço sem parar por estes dias, e que traduz muito claramente o sentimento e a emoção que nos marcam neste ano tão peculiar. Talvez, apesar da loucura que se tem vivido nos lugares mais comerciais na última semana, - igual à de sempre -, no momento de sentirmos a falta de alguns abraços e de alguns rituais de proximidade que tínhamos como certos, possamos dar-nos conta que não há, afinal, nada maior nem mais bonito do que o amor, que é o que nos une, o que nos fortalece, o que faz a vida valer a pena.

domingo, 20 de dezembro de 2020

Sons de outros tempos


Eu, que já sou muito antiga, lembro-me do tempo em que havia uma outra Lisboa, com muitas lojas,  cheiros e sons que, com os anos, foram desaparecendo.
Uma manhã destas, fui porém surpreendida com o som  característico do amolador. Era uma figura meio misteriosa e até um pouco sinistra, pelo menos para os meus olhos infantis, um vendedor ambulante como havia tantos naquela altura, que percorria as ruas com uma pequena carripana que servia para transportar os seus utensílios de trabalho e que era, também, o balcão improvisado da sua "loja". Afiava facas, arranjava tesouras e outros objectos cortantes, e também consertava os chapéus de chuva que tinham ficado com as varetas tortas, ou partidas, por alguma ventania mais forte. Não sei se esse facto explica alguma coisa, pois dizia-se, até, que a sua chegada anunciava a chuva. Mas a sua características mais notável era o som de uma gaita de beiços com o qual sempre se fazia anunciar. E essa música, de tão repetida, ficou para sempre na minha cabeça. 
Por isso, quando outro dia a voltei a ouvir, nem precisei de ir à janela para saber que um amolador voltara à minha rua, e para me sentir, por instantes, de regresso a uma "Lisboa de outras eras", do tempo em que havia pregões pelas ruas, lojas como o "Val do Rio" e em que o padeiro e o leiteiro vinham de porta de em porta, todas as manhãs.

domingo, 13 de dezembro de 2020

A vida entre parênteses

Sem cinema, sem concertos, sem viagens, sem jantares de amigos, sem abraços apertados, sem beijos e sem mimos, sem a presença e a proximidade dos que nos são mais especiais, sem um Natal e Ano Novo como os de antes, sem quase tudo o que sempre tivemos, 2020 ficará para sempre como ano em que a nossa vida mudou e em que o que nos parecia natural e inquestionável ficou num imenso parênteses. Tivemos de reinventar-nos, de aprender a viver de outra maneira e a valorizar tantos detalhes que nos pareciam insignificantes, de adaptar-nos a novas realidades, feitas de cautelas, de máscaras, de desinfecções e de distanciamentos vários, enquanto esperamos por dias melhores, que queremos que voltem depressa, e vamos fazendo projectos, grandes ou pequenos, para quando tudo isto tiver enfim passado, e desejamos que 2021 venha carregadinho de boas novidades...

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Segredos de Lisboa (II): Tapada das Necessidades

 


Situado numa zona um pouco menos turística, a Tapada das Necessidades é um daqueles locais mais ou menos escondidos de Lisboa, que vale a pena visitar.
Contígua ao Palácio das Necessidades, que é actualmente sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros, a Tapada, aberta ao público, está a cargo da Câmara Municipal de Lisboa. São dez hectares cheios de árvores exóticas, caminhos e lagos, uma estufa circular, algumas edificações de vários estilos e épocas, patos, pavões, galos e galinhas.  É como se, de repente, no meio de cidade, pudéssemos sentir-nos no campo, ou pelo menos mais perto da natureza em todo o seu esplendor. 
Data do reinado de D. João V e parece  que durante o século XIX, aqui tiveram lugar os casamentos de D. Maria II, D. Pedro V e D. Carlos I. E apesar de ser um espaço que poderia sem dúvida estar  um pouco mais bem conservado, o ambiente de sombra e de silêncio, faz desta Tapada mais um dos oásis da cidade, desconhecido da grande maioria dos lisboetas e dos que, não tendo nascido aqui, fizeram de Lisboa sua casa e gostam dela como se lhe pertencessem também.
Pergunto-me por que razão preferem as pessoas, sobretudo nos fins de semana de  Outono e Inverno, acotovelar-se em centros comerciais a abarrotar, em vez de usufruir da enorme quantidade de espaços verdes, muito mais saudáveis e arejados, onde se podem verdadeiramente "desligar" e sentir em paz, dos quais a Tapada das Necessidades é apenas um de muitos exemplos, com o valor acrescentado de uma magnífica vista para o Tejo,  a ponte 25 de Abril e o Cristo-Rei, a lembrar-nos a cada instante que isto é Lisboa, com o seu magnetismo  tão particular e enfeitiçante.

sábado, 5 de dezembro de 2020

Faltas de aqui e agora

O tempo tinha mudado muita coisa. A frescura da juventude dera lugar à maturidade com rugas à volta dos olhos  e a todos os detalhes, segredos, defeitos e qualidades um do outro, que já conheciam de cor. Havia tranquilidade onde antes tudo era inquietação, sofrimento, paixão desenfreada, ou medo de se perder definitivamente nas voltas do caminho. Para trás tinham ficado mágoas e amuos, lágrimas e tristezas, desconsolo e desacertos. Agora sobrava a cumplicidade de quem se tem e se quer uma vida inteira, a certeza de que, por muito que aquele fosse um amor não convencional, havia qualquer coisa que não podia compreender-se nem explicar-se e que nem a rotina e o passar dos anos haviam podido apagar. 

Tinham crescido juntos, aprendido devagar o que  importa e o que faz falta, aproveitando o que a vida traz de bom, assumindo vontades, sem se escusar nunca ao prazer. Também houvera as vezes em tudo parecia dizer que não, em que tinham hesitado entre ficar e partir, entre o prazer e a dor, entre tudo ou nada, questionando o sentido que fazia continuar assim. Mas logo percebiam que aquele amor, por mais antigo que fosse, era uma inevitabilidade das que nos marcam para sempre e que devem aceitar-se como nos chegam, viver-se sem limites nem pressas, entender-se  como uma benção sem fim. E era então que lhes nascia no peito a vontade de se apertarem com força nos braços um do outro, de se olharem no fundo dos olhos, e de se dizerem, sem palavras, a falta que sentiam. 

Queriam-se sem precisar um do outro, às vezes não, às vezes sim, de maneira insensata e desmedida, mas no fundo sabiam que se tinham e isso bastava para os sossegar, redimir todos os males e fazer felizes.

E só quando um bicho mau os obrigou a separa-se deveras, puderam perceber como era resistente o que os unia, imune  às mais variadas adversidades. E que, por mais que dentro das suas cabeças soassem muitas vezes canções de desamor, em momentos de nostalgia e de desânimo, era agora a falta que  sentiam um do outro que os fazia sentir na pele aquela canção que dizia "y entre sobras y sobras me faltas", porque por muita coisa que tivessem, era um do outro que mais necessitavam, e daquela presença com sabor a paraíso que estava acima de tudo, e era força, alento, mundo inteiro, razão de existir.