segunda-feira, 9 de agosto de 2021

O inconcebível mundo das traduções


Que um filme que se chama no original Antoinette dans les Cévennes apareça no cartaz nacional com o inacreditável título de "O meu burro, o meu amante e eu" pode fazer toda a diferença, já que à partida parece sugerir um daqueles filmes completamente estúpidos a que eu chamo "comédia alarve", do género de "Um sogro do pior", que não me distraem, nem divertem, nem nada.
Não é de todo o caso aqui. Antoinette das les Cévennes é um filme delicioso, terno e divertido, daqueles que sem pretensão alguma nos dispõem bem e nos entretêm durante duas horas. Dizer que é uma "comédia romântica" é também uma classificação de certo modo redutora, pois embora esse seja o ponto de partida, o filme é muito mais que isso. 
Inspirado num livro de Robert-Louis Stevenson "Viagem com um burro pelas Cevenas", de 1879, que relata a travessia feita pelo autor por esta cadeia montanhosa do centro-sul de França, que faz parte do Massif Central, acompanhado por uma jumenta chamada Modestine, o filme retoma esse mesmo percurso, desta vez feita por uma mulher e por um burro chamado Patrick, numa viagem cheia de divertidas peripécias, com Laure Calamy no papel de Antoinette, que é também o retrato de uma mulher independente e sensível, entusiasta e impulsiva, que não se deixa abater pelas contrariedades do caminho nem da vida e que nesse encontro consigo e  com a natureza tendo por companheiro apenas Patrick, o burro, ouvinte silencioso e atento das sua reflexões sobre os amores e a existência, redefine o rumo a seguir com o novo olhar sobre si que a introspecção lhe proporciona.
Pouco importa, pois, que esta seja a segunda longa metragem da realizadora Caroline Vignal (com 20 anos de diferença da primeira), ou que os actores não sejam muito conhecidos. Com muitas situações cómicas, bons diálogos e magníficas imagens das Cévennes, este é um filme leve e despretensioso, mas que vale a pena ver. Eu gostei. Muito.

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

(Re)centrar-se

 
Há  acontecimentos da nossa vida que marcam para sempre, que nos fazem repensar(nos) , começar de novo, alterar focos e preocupações, objectivos ou anseios.
Os momentos de dor podem, pois, ser também de certo modo redentores, já que implicam rever todas as prioridades e sermos capazes  de seguir caminho,  com tudo o que aprendemos e nos fez amadurecer.
Enfim, para lá de todas as tristezas, mágoas ou pesares, há que continuar a acreditar que apesar dos dias e horas de solidão e desamparo, sai-se de um desgosto uma pessoa diferente, mas não necessariamente pior, que as as feridas e vulnerabilidades não são um sinal fraqueza, que as cicatrizes podem até tornar-nos mais fortes, e que são  os que amamos e também gostam de nós, onde quer que estejam e façamos o que fizermos, que estão sempre connosco a fazer do nosso caminho um tempo e espaço para ser feliz e acreditar que nada acontece por acaso e que tudo vale a pena: o bom e o mau, o alegre e o triste,  o fácil e o difícil que vai aparecendo ao longo do percurso e que temos que saber aceitar e agradecer como nos chega, porque a vida não é só risos, alegria e felicidade e porque é provavelmente nessa variação entre claro e escuro, dia e noite, sombra e luz, que ela se nos revela ainda mais bonita e valiosa.