terça-feira, 10 de maio de 2022

Uma ferida no coração de Paris




Jean-Jacques Annaud, conceituado realizador, autor de títulos sonantes como "O Nome da Rosa" ou "Sete anos no Tibete", propôs-se abordar um assunto verídico, recente e por isso mesmo sensível: o incêndio na catedral de Notre-Dame.
Voltei a emocionar-me como me aconteceu há três anos, naquele fim de tarde de 15 de Abril de 2019, quando mesmo à distância a vi a arder e a temi totalmente destruída, tal como cerca de trinta anos antes chorara com o incêndio do Chiado, ou como me invade um certa nostalgia cada vez que volto a Paris e a vejo ainda amputada, silenciosa, e fechada, apesar de continuar de pé. Mas eu sou uma parisiense de coração, trago Paris sempre comigo e, por isso, o filme tinha que me tocar de maneira especial. Era uma inevitabilidade.
Notre-Dame brûle é pois uma história tristemente real cujo final conhecemos, mas não é por isso que é menos empolgante. Porque nela se conta como apesar de tudo foi possível mantê-la erguida, salvar grande parte dos seus "tesouros", permitir que renasça das cinzas, graças ao esforço e à coragem de um conjunto de homens e mulheres - os bombeiros de Paris -  que pondo em risco as suas vidas a salvaram de uma tragédia maior e aos quais o filme parece querer prestar uma justa homenagem.
Ver este filme é também uma viagem de regresso a um lugar que era e é de todos nós, às memórias de todas as vezes em que nos recolhemos no seu interior em oração ou em deslumbramento, em que subimos às suas torres e nos deixámos encantar pela sua história e pela vista da cidade aos nossos pés, em que a olhámos demoradamente, ou que vimos nela um símbolo e uma referência, um tesouro universal, lugar mágico e poderoso onde se juntam numa sintonia perfeita religião, cultura e arte.
Há uma beleza intrínseca ao furor implacável das chamas e uma bravura tensa no seu combate que Jean-Jacques Annaud soube pôr em imagens, num filme em que a catedral e o fogo são os protagonistas e que ele mesmo designou como uma espécie de "docuficção", com imagens reais dos acontecimentos daquele triste dia contados em pormenor e  momentos ficcionados, fazendo uma recriação da incredulidade que todos sentimos perante o que pensávamos que não pudesse acontecer nunca.
É um filme a não perder, absolutamente, para os que amam Paris como eu, mas também para os que gostam de um filme bem feito que, para lá dos meios e desafios técnicos, mostra o horror de um acontecimento real pelo lado dos que o viveram mais de perto e que, apesar de todos os imprevistos, contratempos e indecisões, permitiu o que muitos consideraram  um milagre no meio da desgraça: a catedral resistiu.

segunda-feira, 9 de maio de 2022

Aniversário de "isto e aquilo"

 

Lembrei-me agora, de repente, que "o meu mais velho" celebrou anteontem mais um aniversário. Dez anos e 1353 posts depois, aqui vamos resistindo à passagem do tempo, embora já não com o mesmo entusiasmo que têm todos os inícios.
Na verdade, a falta de tempo, a falta de paciência, ou simplesmente, o facto de não saber sobre o que escrever e ter às vezes  a sensação que é sempre um pouco sobre as mesmas coisas que me detenho, faz com que passem muitos dias sem nenhuma publicação.
Como sempre, evito o mais óbvio: não quero falar da guerra da Ucrânia que nos traz a todos inquietos e abismados, nem da inflação, do calor excessivo para a época, da crise, ou de qualquer dessas coisas.
Mas agora que os dias de sol e a aproximação das férias prometem novo ânimo pode ser que me volte a apetecer andar mais por aqui, porque escrever é na verdade, apesar de tudo, uma coisa que me dá prazer e que não pretendo deixar de fazer.

domingo, 1 de maio de 2022

Juntos outra vez

Era um dos seus grande prazeres. Era assim há muitos anos. Sentava-se na sua frente e durante cerca de duas horas era como se o mundo e o tempo parassem e a realidade fosse só aquela viagem a um lugar de sonho, uma viagem de emoções, percorrendo histórias e sensações, sentimentos e memórias, feita de  música e de palavras que a levavam por muitos lugares;  e sentia-se bem, porque tudo era doce e bonito como aquela voz que a embalara a vida inteira, que era casa e conforto, que apesar da passagem do tempo continuava única e límpida, que sempre a hipnotizava como se houvesse nela uma luz ou um feitiço qualquer, que era capaz de a levar até ao mais fundo de si. Por isso os momentos assim eram inexplicáveis para quem não os vivia; por isso, num instante se passava do riso à cumplicidade, à memória, à comoção, tudo só sensibilidade à flor da pele, tudo tão verdade, que até parecia mentira. Poucas coisas a faziam tão feliz.

Mas naquela noite do último dia de Abril a magia do que se passou fora ainda mais especial. Talvez porque o que se passara nos dois anos em que não tinham podido olhar-se e sorrir ou abraçar-se sem medo, nem máscaras, nem distanciamentos prudentes parecia agora ter terminado, talvez porque havia naquele ambiente de festa uma alegria implícita de celebração da vida, ou porque os anos e as vivências em comum tinham apertado os laços e aprofundado sentimentos, e o que começara por ser uma voz de que se gosta se tornara com o tempo parte da família afectiva, aquela que é para levar para sempre coladinha ao coração, ou também porque em véspera de um "Dia da Mãe" vivido em ausência pela primeira vez, aquela noite inesquecível lhe tinha sabido a colo e a amor.

Obrigada, Luís Represas!