quarta-feira, 31 de maio de 2017

Incomparável


Muitos dias e anos depois daquele arrepio sentido desde o primeiro instante como uma inevitabilidade que o tempo fora confirmando devagar, na distância que separou o primeiro olhar do primeiro toque, e depois cresceu no desejo que não pôde refrear-se, no corpo a estremecer, primeiro, e a explodir, depois, e do tempo em que esquecidos de tudo se entregavam ao prazer e se demoravam juntos; e eram um do outro sem ser; e estavam perto mesmo quando estavam longe; e se encantavam com a certeza de se terem um ao outro e de se conhecerem de cor e não poderem  nunca separar-se ou esquecer-se, nem sequer em momentos de dor e de desânimo, ainda havia muitos dias em que, apesar das marcas e histórias que os anos tinham trazido também às suas vidas, se perdiam no fundo dos olhos um do outro e se emocionavam e enterneciam com o  afecto, amor, ou o que quer que fosse que se lhes tinha atado ao peito para sempre. Era então que na cabeça e no peito dela soava de novo a voz pausada e grave de Caetano:

Você é meu caminho, meu vinho,
Meu vício
Desde o início estava você
Meu bálsamo benigno,
Meu signo, meu guru
Porto seguro onde eu vou ter...

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Rocío, sempre Rocío


Por estes dias, voltam a encher-se de gente os caminhos de pó, voltam os cavalos e as carroças, o som conjugado da flauta e do tamboril, as flores e os vestidos de flamenca, a guitarra, os vivas e os olés; e as sevillanas dia e noite, a salve rociera repetida mil vezes em emotivos coros de sentimentos, abraços e lágrimas despudoradas, que não podem nem querem conter-se. E os sinos a tocar incessantemente, entre foguetes e palmas, e risos, e vozes, e silêncios.
Há uma inexplicável magia nesta festa excessiva e singular, que se vive no alheamento do mundo, que só quem a experimenta pode compreender, que se sente na pele e no mais fundo da alma, que mexe connosco e nos transforma para sempre.
O Rocío é a mistura de muita coisa: é um lugar encantado, especialíssimo, de emoções à flor da pele, de genuína celebração da fé ou mero encontro de amigos, da paz quieta da marisma, ou do alvoroço imparável e inebriante daquela euforia que faz parecer a vida revelar-se-nos em plenitude e em graça, emoção pura, força renovada.
Ainda me lembro muito bem de quando fui pela primeira vez à Romería, no ano 2000. E de como foi tão forte o impacto que provocou em mim; de como aquele momento de alegria  e interioridade extremas e simultâneas foi para mim uma espécie de revelação, qualquer coisa que até aí desconhecia pelo menos daquela maneira tão forte e tão funda; de como senti que se fortalecia ali a minha fé. E me (lhe) prometi, como nos ensinam os almonteños, que "siempre que pudiera yo tenía que ir a verla". E fui. Muitas vezes. Na festa e fora dela. Mas não tantas como gostaria, ou como acho, às vezes, que necessito.
Hoje, sinto e sei que a Virgen del Rocío me acompanha e me protege, assim como a todos aqueles por quem lhe rezo. E, por mais estranho que pareça, identifico-me bem mais com esta maneira festiva de viver a fé, que conjuga alegria, espiritualidade e partilha (à espanhola, pois claro), do que com a nossa maneira bem mais lamurienta e arrastada, que respeito mas não me toca.
Por estes dias, e até que acabe a festa, o meu coração estará pois sempre por lá, mesmo se fico cá; e acompanho tudo à distância; e trago o coração e a cabeça cheios de uma nostalgia triste e boa, na certeza absoluta que era ali que eu tinha que estar.


sábado, 20 de maio de 2017

Serenidade em tons de azul


Um mês, três dias, e muitas histórias depois, regresso enfim à minha praia e à tranquilidade quieta de que necessito de vez em quando, para perder os olhos no horizonte, deixá-los extasiar-se na junção de céu e mar com todas as possibilidades de azuis, deixar-me embalar pelo som das ondas a lançar-se ritmada e desabridamente na areia e, nessa harmonia com o mundo, encontrar o equilíbrio e a paz.
Mesmo se é verdade que sou das cidades e da agitação quotidiana, também gosto e preciso de parar e de virar-me um bocadinho para dentro. Se calhar por isso mesmo...

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Paspalhão


Desde que tenho comigo o disco Luísa, não consigo deixar de o ouvir. É maravilhoso do início ao fim e tem absolutas pérolas, como esta  - que tem letra de João Monge e a  música, bem como a peculiar interpretação, com marca em nome próprio (como o disco) - que aqui deixo, hoje, e que  vai dedicada a todos os paspalhões que se nos atravessam no caminho.

Já te dei mais que um sinal, paspalhão,
Sabe Deus o que tu queres
Será que tu afinal ainda não 
lês os sinais das mulheres

(...)

Só me apetece chamar-te 
nomes que não chamo a um cão
Mas tu és um caso à parte
És só paspalhão, paspalhão.

domingo, 14 de maio de 2017

Bom gosto, simplicidade e emoção



É o assunto do dia. Sobre ele já se disse tudo e mais alguma coisa. Mas por uma vez, Portugal inteiro e o mundo empolgam-se e vibram sem que o futebol ou a política sejam o tema.
No Facebook, a Luísa escreveu assim, reagindo à recepção no aeroporto: É tão bom ver que a arte também move as pessoas desta maneira...
É isto, e uma maneira genuína e profunda de fazer chegar a magia da música até nós, que devemos a Salvador Sobral.
À Luísa e ao Salvador só temos que agradecer. Muito. Muitas vezes. E continuar a ouvi-los.
E como dizia hoje Miguel Esteves Cardoso no Público: Viva o Portugal de Salvador Sobral por ser bom sem se armar em bom e por mostrar que a arte e a alma andam juntas e que nada há nesta vida e neste mundo que seja mais forte.

sábado, 13 de maio de 2017

É hoje!



Nunca um festival me entusiasmou tanto. Nunca estivemos tão perto de ficar bem. Mas antes de qualquer outra coisa, é esta canção, linda, a magnífica voz do Salvador e sua fantástica forma de ser que me empolgam.
"Amar pelos dois" entrou definitivamente na minha vida; e com ela dois excelentes músicos, cujos discos se recomendam, e a vontade de os ouvir sem parar.
Vamos lá, Salvador!

domingo, 7 de maio de 2017

5 anos de "Isto e Aquilo"


Hoje que é "Dia da Mãe", o meu blogue faz cinco anos. Ao fim deste tempo, que é muito, e quase 1100 posts depois, posso dizer que o balanço é muito positivo. Estava longe de imaginar, naquela segunda-feira chuvosa de 2012, onde isto me levaria. Como em tudo, houve bom e mau. Mas guardo só as coisas boas. E mesmo se este ano o tenho negligenciado um pouco mais (o que dizer então do meu mais novo...), é mais por falta de tempo e por todos os afazeres da existência, que não me deixam tempo nem espaço para este encontro com as palavras, do que propriamente por me ter esmorecido o entusiasmo e o prazer.
Na comemoração deste quinto aniversário, destaco o que por uma daquelas ironias do destino que nos fazem acreditar que não há coincidências, foi um dos melhores privilégios que esta experiência me trouxe também: uma amiga para a vida, que é quem me inspirou para me iniciar nesta aventura. Cinco anos depois, parece que nos conhecemos desde sempre; e quando nos juntamos fartamo-nos de rir. Há alguma coisa melhor? Por isso e pelo resto: obrigada Helena!...

Por toda a minha vida


Se exceptuarmos os casos que fogem da "norma", tendemos a achar que a que nos calhou em sorte é a melhor de todas as mães. Porque é especial e única a relação que nos une, é o mais visceral e profundo de todos os amores, inabalável e desmesurado como nenhum outro, maior e melhor exemplo do amor total.
Para mim, a minha é, naturalmente, inigualável. Ao longo dos anos, a sua presença e o seu sorriso foram a minha força e o meu amparo, o meu refúgio das horas boas e más, a primeira prova de que o mimo é sempre bom.
Ainda hoje, quando já não caibo inteira no seu colo e aparentemente os nossos papéis se inverterem e e ela parece precisar de mim mais que nunca, é o seu olhar e o seu toque, é a pressão da sua mão na minha, que me dão alento e me fazem sentir que o mundo é um lugar perfeito e a vida maravilhosa.
O seu exemplo foi a minha maior lição. Pelo sua garra, energia e boa disposição. Pelas suas fraquezas também, que a tornaram ainda mais humana. Por me ensinar a alegria e a superação. Pelo seu coração enorme, sempre pronto para os outros. Agora é tão grande a nossa intimidade, somos tão cúmplices e unidas, que até no silêncio nos entendemos. Agora, aproveito o mais que posso o tempo de estarmos juntas, e consola-me a certeza de que a grandeza do meu amor a ampara e aconchega na sua actual fragilidade. Por isso me desdobro em atenção, e festas, e carinhos, que serão sempre infinitamente menores do que tanto ela tem feito por mim.
E, no mais fundo de nós, ambas sabemos, mesmo sem o dizer, que o nosso amor não acaba, que existirá para sempre, a consolar-nos o coração.

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Couleur d'Azur










Há lugares assim, como há pessoas, também, que nos tocam de forma especial, que se nos agarram à existência e que nos marcam para sempre.
Definitivamente, eu sou do sul: da cor, da luz intensa, da imensa alegria de viver. Ah, como eu entendo os artistas...

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Sete desejos insensatos


Todos quisemos, alguma vez, "demander l'impossible" como  os "soixante-huitards" de um outro mês de Maio. Todos sonhámos, por instantes, que pudesse ser verdade o que às vezes desejamos.  Isto, por exemplo:
1. Que o fim de semana tivesse sempre três dias, como este.
2. Que  houvesse na nossa vida tempo e espaço para a sesta diária.
3. Que pudessem existir eternamente os que amamos.
4. Que a saúde, o amor e o dinheiro fossem muito contagiosos.
5. Que conseguíssemos ir onde queremos em total liberdade.
6. Que continuássemos a ver o mundo com os olhos limpos dos poetas, e a ser capazes de nos espantar com o milagre que é viver.
7. Que o muguet do 1º dia de Maio nos trouxesse realmente a alegria, a paz e a felicidade em todas as horas de todos os dias do ano.