Sempre gostei de ler. Muito. Não consigo mesmo imaginar a minha vida sem os livros, nem terá sido por acaso que, depois de algumas hesitações, fui para Letras e escolhi um curso de literatura.
Mas, o contacto com os livros tem que ser uma experiência positiva. Tem que ser, antes de mais, um prazer. E, essa aprendizagem, mais imediata ou mais lenta, não se adequa a nenhum tipo de "receita", ou solução pré-concebida.
É talvez por isso que desconfio bastante da eficácia do "Plano Nacional de Leitura". Considerado um "desígnio nacional", o PNL, como é habitualmente conhecido, foi lançado em 2006 pelo Ministério da Educação e patrocionado pela Presidência da República, em sintonia com os ministérios da Cultura e dos Assuntos Parlamentares, com a nobre missão de promover e aprofundar os hábitos de leitura da população portuguesa, de modo a melhorar os níveis de literacia, considerados muito aquém do desejável, e situá-los, assim, mais próximos da média europeia.
O Plano Nacional de Leitura é essencialmente constituído por uma extensa e, quanto a mim, mal organizada lista de livros, escolhidos com base em critérios vagos, duvidosos ou, até, aparentemente, inexistentes, que são os livros "recomendados" para "leitura autónoma", em função da faixa etária e/ou ano de escolaridade.
Bem mandados e sem se questionar muito, como de costume, os professores apressaram-se a cumprir mais esta "missão", desdobrando-se em actividades tão absurdas como os "contratos de leitura" (só o nome me dá uma imensa vontade de rir - apenas comparável ao das "oficinas de escrita", que me lembra sempre "camaradas em luta" no tempo do PREC - ), mediante os quais os alunos que, em geral, gostam pouco de ler ou não descobriram ainda como isso pode ser maravilhoso, são obrigados a assumir o compromisso de ler, querendo ou não, além das leituras obrigatórias do programa, mais não sei quantos livros de empreitada, numa tarefa que é ironicamente designada como "leitura recreativa".
Tudo isto, esquecendo o óbvio: que ninguém começa a gostar de ler por obrigação, ou imposição. Pior ainda quando, além de ter de ler, independemente de ter ou não vontade para o fazer, se têm que fazer "fichas" sobre o que se lê. (Um dia também gostava de entender por que é que os professores têm a mania das fichas. E das "grelhas". Só que, isso, são outras conversas...).
Quando eu era pequena, não havia ainda o PNL, mas havia nas aulas de português a chamada "Biblioteca de Turma", uma actividade odiosa, mesmo para mim, que adorava ler. Era uma espécíe de "contrato de leitura" avant la lettre. Uma vez por semana, por mês, ou já não sei com que periodicidade, tinhamos que ler um daqueles livros (cada aluno levava um livro seu e depois trocávamos, segundo o que recordo) e, claro está, preencher a tenebrosa "ficha de leitura".
E, por nunca me ter esquecido da tortura que isso representava para mim e para todos os outros, sempre me recusei, como professora, a fazer alguma coisa que pudesse parecer-se com isso, nem que fosse vagamente, porque tenho a certeza absoluta que não é assim que se começa a gostar de ler.
Como fazer então? Levando-os a perceber, pelos mais diversos caminhos, que ler pode ser uma fantástica experiência. Acho que é mais ou menos como nesta frase de Manuel Gusmão: "Ao trabalharmos com os textos literários nas aulas (...), consintamos em proporcionar aos estudantes um dom semelhante: o de se verem como não sabiam que eram, foram ou podem ser."
Dito isto, e sem esquecer o papel fundamental que as famílias podem ter no incentivo à leitura, o que faz uma diferença significativa, sei bem que há, actualmente, excelentes trabalhos feitos nas escolas para ensinar a gostar de ler, como também já havia antes do PNL. E, nesse sentido, ele não vem mudar grande coisa. É apenas uma forma de desperdiçar dinheiro, entre outras coisas. E pouco mais.
O gosto pela leitura adquire-se com o tempo e o prazer de ler pode transmitir-se de maneiras que podem até ser muito simples. Mas tem que se começar por ter vontade de ler. O lema da "leitura recreativa" deveria ser, pois, o que preconiza o poema Liberdade de Fernando Pessoa: "Ai que prazer não cumprir um dever/ Ter um livro para ler e não o fazer..."
Enfim, a questão é complexa; há que procurar as mais variadas maneiras de mostrar que a leitura pode ser uma coisa boa e não apenas mais uma obrigação; e essa descoberta, com tentativas bem sucedidas e outras nem tanto, pode também ser muitíssimo aliciante, tanto para quem ensina como para quem aprende.
Lembro-me, por exemplo, de um dia em que, entusiasmada com um livro que andava a ler, o levei para a aula, o recomendei aos meus alunos e até lhes li uma passagem. Assim, espontaneamente, sem qualquer preparação prévia; e da minha surpresa quando um deles me disse: "Nunca a tinha ouvido ler para nós. Devia fazer isto mais vezes!"
Já tenho imensas ideias novas sobre a leitura e os livros para quando regressar à escola. E, se conseguir que dois ou três alunos percebam que ler é realmente bom, ficarei muito feliz!