domingo, 29 de novembro de 2020

Um Advento invulgar

Começam hoje as quatro semanas que antecedem o Natal. Tempo de preparação da festa que está por vir, o Advento é um tempo de esperança, de recolhimento e de espiritualidade por excelência, sobretudo para quem é crente. 

Neste ano em que tudo é insólito e distinto, em que o Natal será muito diferente do de outros anos, tal como já aconteceu com a Páscoa, pode ser que o recolhimento a que fomos "forçados" traga um pouco mais de sobriedade a estas celebrações, as torne outra vez mais emotivas e espirituais, nos faça esquecer o lado superficial e frívolo das compras desenfreadas e da fuçanguice e azáfama parvas que tanto marcavam estes dias, e nos permita centrarmo-nos no que é verdadeiramente essencial: o afecto e a companhia de todos aqueles de quem gostamos e que também gostam de nós.

Agora que estamos mais tempo em casa por força das circunstâncias, agora que o mundo se tornou mais silencioso, vamos poder enfim virar-nos para dentro e viver  a plenitude do que o Natal significa, e que é somente simplicidade e amor. 

E porque o espírito do Natal é apenas isso, deixar de lado o  consumo e os gestos maquinais e pensar que o amor é o melhor presente que se pode dar a quem trazemos no coração. Porque é o que há de mais forte e mais bonito. Porque pode tudo. E porque é o que mais importa.

domingo, 22 de novembro de 2020

Segredos de Lisboa (I): Miradouro do Monte Agudo



Vejo-o todos os dias da minha janela, como um oásis verde no ponto mais longínquo que a minha vista pode alcançar. Hoje, fiz ao contrário: o passeio de Domingo de manhã levou-me até lá, e dali pude ver, ao longe, a minha janela.
O Miradouro do Monte Agudo é um daqueles lugares meio secretos de Lisboa, conhecido quase só por quem vive perto. Situado entre os Anjos e a Penha de França, data dos anos 50 e é um local sossegado e silencioso, que parece suspenso sobre a cidade e inclui um pequeno parque florestal, uma esplanada/café, uma pérgula com bancos de madeira e o habitual mapa da cidade em azulejo.
E, se não fosse o número considerável de pessoas que faz dele um ponto de encontro de cães, e naquele despropósito e falta de civismo tão próprio da esmagadora maioria dos seus donos os solta e deixa correr desenfreadamente e lutar entre si, seria uma boa alternativa ao Miradouro da  Senhora do Monte, não muito distante, mas que, sendo o meu preferido, com os anos se foi fazendo na verdade demasiado turístico. É, na mesma, um belíssimo refúgio de paz, local meio secreto, a convidar ao recato e à introspecção. 
E sabe muito bem, agora que quase não podemos sair daqui, encontrar lugares assim, tranquilos e acolhedores, um pouco alheios ao que nos vem atormentando os dias e onde podemos enfim sonhar com outros mundos.

domingo, 15 de novembro de 2020

Do Recolher Obrigatório


Vivemos, todos, cansados da pandemia e ávidos do regresso a uma normalidade que tarda em chegar. Neste primeiro fim de semana de recolher obrigatório a partir das treze horas, pude verificar essa ânsia de voltar à vida de antes e a sofreguidão de tentar aproveitar a liberdade possível, fazendo numa manhã, ou em duas, o que habitualmente se estende por dois dias inteiros.
No primeiro dia, não saí de casa, obediente e bem comportada. Mas também porque  não me fazia sentido ir para a rua só porque sim; e porque dormir até mais tarde, ao fim de semana, é um dos meus grandes prazeres. Só que aquilo que sabemos não poder fazer é sempre o que nos apetece mais. Por isso, hoje, fiz como toda a gente, decidida a aproveitar a rua enquanto era tempo. E pude testemunhar, ao vivo e a cores, o que já imaginava: Lisboa inteira (ou quase) enchia todas as esplanadas por onde passei; havia filas à porta dos supermercados, a fazer lembrar o primeiro confinamento; muita gente a fazer desporto; muitos outros a passear as crianças; anúncios publicitários a ser filmados; no Villaret corria a gravação do Programa de Ricardo Araújo Pereira. Até com a Ministra da Saúde me cruzei (juro!).
Mas, de tudo o que vi, nessa mistura entre o desespero e a festa, o que mais me impressionou foi o ambiente dentro da Versailles, com o balcão completamente cheio de gente que quase se atropelava  para ser atendida, numa voracidade a que só se costuma assistir na véspera das Festas, e gastando quantias mais ou menos exorbitantes em bolos e doces "para levar".
Podem as últimas medidas tomadas para deter a pandemia ser absurdas, discutíveis, ou ineficazes. Do que eu tenho a certeza é que, depois de tudo isto, o número de obesos vai certamente triplicar.

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

As séries da Netflix

Resisti à Netflix durante muito tempo. Porque vejo pouca televisão, porque adoro cinema e não  me sabem da mesma maneira os filmes vistos em casa; porque me parecia absurdo acrescentar mais uma despesa fixa mensal (por mais pequena que fosse) a um rol que já considerava demasiado extenso. Enfim, tudo era um pouco pretexto para me manter inflexível. Mesmo se havia coisas que me passavam um pouco ao lado. Ouvia ahs! e ohs! exclamativos a propósito de "A Casa de Papel" de que conhecia pouco mais do que o nome.

Depois, veio a pandemia que abalou tantas das nossas convicções. E pronto: rendi-me, enfim, a princípio só à experiência. Mas logo a coisa se foi fazendo definitiva. Comecei pela "Casa de Papel", claro está; e vi as quatro temporadas de seguida. A seguir vieram outras três séries espanholas, porque gosto muito de acompanhar os diálogos sem ter que ler legendas (quase sempre de qualidade duvidosa) e porque também aproveito para aprender palavras e expressões e manter, assim, contacto com a língua.

Entretanto, entre muitas outras que me vão sugerindo, ouvi falar da recentíssima  "Emily in Paris" (estreada na Netflix no início de Outubro deste ano), a série que tinha criado polémica pelo facto de os franceses não se reverem na imagem que deles é dada e acharem que quem a escreveu desconhece em absoluto a cultura francesa.

Tenho estado a segui-la e, realmente, parece-me que têm razão, apesar de ir apenas sensivelmente a meio (vi quatro ou cinco dos dez episódios). Não fossem as belíssimas imagens de Paris, que ainda que contribuam sempre para aumentar um pouco mais as minhas saudades, também as mitigam de algum modo, e a série estaria boa para o caixote do lixo.

É uma história "levezinha" e pretensamente divertida (?) com laivos de comédia romântica e escrita pelo criador de "O Sexo e a Cidade", o que me parece que já diz muito. Têm razão de queixa os franceses, creio, já que esta produção não passa de uma "americanada", que transmite uma versão demasiado superficial, retrógrada e estereotipada dos franceses enquanto povo, e da sua cultura, que os autores da série, claramente, desconhecem em absoluto.

A fama de arrogantes e pouco hospitaleiros para quem vem de fora poderá ter um fundo de verdade que faria sentido há algumas décadas, mas que já não corresponde, de modo algum,  à realidade actual.

Esta é pois, na minha opinião, uma série que não vale a pena ver, nem sequer para "passar o tempo". É que, na verdade, há uma infinidade de coisas bem melhores para ver, ou para fazer...

domingo, 8 de novembro de 2020

Quando só nos resta esperar

Sei que te faço falta. Falta-te a minha mão a segurar a tua, a minha voz a cantar-te baixinho, desafinada; faltam-te os nossos abraços e mimos, o conforto de estarmos juntas, sem precisar de muitas palavras. E mesmo estando certa de  que és suficientemente forte para passar por isto e sair vencedora uma vez mais, gostava de poder estar contigo agora. Não devias nem merecias ter que passar por isto sozinha, ainda que o sofrimento seja sempre silencioso e solitário.

Mas, no fundo do teu coração, sei que sabes que não te abandonei, que mesmo à distância te trago sempre comigo, que também espero que isto não passe de um susto, como se a vida, volta não volta, tivesse de nos pôr à prova. E nós sabemos que vamos aguentar. E que vai passar. E voltar a ser bom.

Esta noite sonhei contigo. Tu também me fazes falta. Falta-me a tua calma, a serenidade dos teus olhos, que me fazem crer que tudo parece estar certo e que a vida deve encarar-se sempre com alegria e boa disposição. E enquanto me debato entre o que não me parece justo e a gratidão por apesar de tudo ser só assim,  - quando há tanta gente que está tão pior que nós, - espero o dia de podermos estar juntas outra vez, e abraçarmo-nos, e dizermo-nos com os olhos o quanto nos queremos, vingando-nos de todos os dias, meses e horas em que não pudemos ver-nos como queríamos. 

Para já, até que chegue esse dia, não podemos fazer mais nada a não ser esperar, viver um momento de cada vez;  e acreditar.

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Um belíssimo auto-retrato


Aznavour não está entre os meus cantores franceses preferidos, como já tive ocasião de dizer aqui. Goste-se muito, pouco, ou assim assim, não deixa contudo de ser um dos nomes incontornáveis da música. Da francesa, antes de mais, mas da música tout court, também. Como Sinatra, Iglesias e tantos outros.
Por estes dias, está nos cinemas um filme /documentário que tem já um ano (é de Novembro de 2019), Le regard de Charles ("Aznavour por Charles", na versão portuguesa) e que despertou a minha atenção. Em boa hora o fui ver.
Marc di Domenico recupera e  apresenta tudo o que Aznavour filmou em 8 e 16mm, entre 1948 e 1982, que é grande parte da sua vida. Juntou-lhe palavras, textos, entrevistas suas, na voz de Romain Duris e as inesquecíveis canções de Aznavour, na sua voz de crooner. O resultado é um magnífico auto-retrato, simultaneamente belo, nostálgico e tocante, que nos leva a conhecê-lo melhor e a acompanhá-lo por mil lugares na sua sede de conhecer o mundo, nas suas raízes arménias, na ascensão no mundo da canção, nos seus laços familiares, artísticos, de amizade, pelas quais passam Edith Piaf, Dalida, Lino Ventura, Truffaut, Anouk Aimée e tantos outros.
São imagens pessoais, filmadas ao longo dos anos, e arquivos televisivos inteligentemente montados por Domenico que nos dão um novo olhar sobre este artista e o seu lado mais íntimo. É, antes de mais, o seu olhar sobre si mesmo, que nos oferece postumamente. "Vous m'avez vu, mais ce que vous ne savez pas, c'est que moi aussi, je vou ai vus"... ou "Je n'ai jamais revu ces images, mais je savais qu'un jour vous les verriez" são duas frases emblemáticas, que atravessam este álbum de recordações, emotivo e comovente. 
Imperdível para quem gosta muito de Aznavour. E, para quem gosta um pouco menos, também.