Sem minimizar de modo algum o trabalho dos bons professores que, em péssimas condições e com pouquíssimos recursos, fazem todos os dias um excelente trabalho, o que, infelizmente, não é regra, é confrangedor verificar o estado quase catastrófico a que chegou a educação neste país, raiando muitas vezes o anedótico e o absurdo, consequência, entre muitas outras coisas, de tudo o que se foi experimentando, consoante as modas de cada momento, sempre anunciadas como verdadeiras inovações pedagógicas.
Uma das mais recentes é a das grelhas Excel. Ainda antes do Gaspar, já a moda das grelhas Excel se tinha instalado nas escolas, para avaliar os alunos. Nunca percebi por que é que os professores gostam tanto de grelhas. E de fichas, também. Mas um dia ainda vou descobrir. Ou talvez não. Não me parece que tenha muito interesse.
E se há coisa irritante e inexplicável no mundo da educação, que é talvez, também, um dos maiores problemas deste universo tão complexo, é a facilidade com que "pegam" as modas e a rapidez com que quase todos as começam a seguir sem se questionar, sem se perguntar, sequer, se tudo aquilo faz algum sentido. Só porque sim. Porque é "como toda a gente faz". E, de um modo "viral", por falar em modas, passa a ser "normal".
Quem quiser dar-se a esse trabalho, vale a pena perder algum tempo a observar com atenção os critérios de avaliação das diferentes disciplinas, em diversas escolas. Não são todos iguais, têm pequenas variações que vão das mais complexas fórmulas matemáticas às coisas mais hilariantes como, por exemplo, atribuir cinco ou dez por cento, ou outra percentagem qualquer, a coisas como "interesse" e "empenho", incluídas num item mais vasto que, em geral, se intitula "Atitudes". Gostava de saber como se pode quantificar o interesse e que instrumentos são utilizados para o "medir". Depois de obtidas as percentagens, põe-se tudo numa grelha Excel e, como diria Guterres, "é fazer as contas". E assim chega-se ao despropósito de a avaliação de um aluno, numa determinada disciplina, poder ser isto:
P3=0,85.14,6+17,0+2x17,8+2x12,4+2x14,9+2x19,0/10 +0,1.0+16+14,5+14,5/4+0,05x10=15,208 - 15 valores. (E juro que isto é real!...)
Mais: agora, em muitas escolas, a nova moda nos critérios de avaliação é as notas do segundo e do terceiro período contarem duas vezes para a média final e as do primeiro só uma. Ou as do primeiro período valerem, por exemplo, vinte por cento da média final, as do segundo trinta e as do terceiro cinquenta. São, dizem, as ponderações. Serão os resultados dos testes do segundo período mais fidedignos que os do primeiro? Enfim, há de tudo, mas na verdade ainda ninguém me conseguiu explicar por que é que é assim e qual a vantagem. E é aqui que eu critico os professores, que aceitam tudo o que alguém se lembra de dizer que "agora é assim", sem colocar duas questões fundamentais: porquê e para quê. Obedecendo, simplesmente, naquele silêncio e encolher de ombros tão característico, motivado por inércias, comodismos e cansaços vários. Por mim, tenho muitas dúvidas que esta forma de avaliar seja melhor para os alunos. Não me parece lógica, sequer.
Enfim, não consigo mesmo conceber que se avalie um aluno desta maneira, nem em nome de uma objectividade comprovadamente duvidosa. Como é possível reduzir a uma fórmula matemática o percurso de aprendizagem de um aluno? Onde fica, na frieza dos números, aquela margem de esforço e de sonho que os fez crescer como pessoas e não se pode quantificar? Porque há na escola um lado humano que tem que se ter em conta. Em tudo; e na avaliação também.
Nunca usei estas fórmulas para avaliar alunos e continuarei a não as usar enquanto me mantiver no meu juízo perfeito. Porque o rigor e a exigência, para mim, não são nada disto. E mesmo quando as minhas notas foram objecto de recurso (aconteceu algumas vezes), consegui explicar detalhadamente a razão pela qual àquele aluno havia sido atribuída aquela nota, sem precisar de uma grelha Excel, ou de uma fórmula matemática. E depois, convenhamos, há na avaliação uma margem de subjectividade, que é incontornável e que deve ser assumida, sem qualquer peso na consciência ou sentimento de culpa.
Lembra-me um professor francês que tive, Guy Brault, que dizia que a relação pedagógica que se estabelece entre um professor e um aluno é uma relação de sedução, mas desequilibrada e contaminada pela avaliação. Nunca mais me esqueci disto. E acho que é verdade, de certo modo.
Eu sei, na pele, como pode ser cansativa e desgastante a vida de um professor. Mas bom senso e razoabilidade, mesmo em doses moderadas, não fazem mal a ninguém. E recomendam-se...