http://www.youtube.com/watch?v=1kfdL6fffu0
Qual é o momento exacto em que um amor se apaga? Havia dias em que quase não pensava nisso; ia apenas empurrando a vida para a frente, fingindo acreditar que lá bem no fundo o essencial se mantinha intacto, agarrando-se teimosamente ao que sobrava daquele amor tão grande e tão antigo. Noutros dias doía-lhe a saudade que ia ganhando um espaço cada vez maior e não sabia como deter. Era então que os dias e as noites lhe pareciam aumentar de tamanho e o silêncio preenchia tudo. E, no silêncio, sentia de novo, revivendo-os, o toque da pele, o cheiro, o sabor dos beijos e os arrepios de prazer, mesmo consentindo em que a realidade já era outra. E que tudo isso ia ficando cada vez mais longe. Mesmo pensando que amar é também deixar ir. E que sempre procurara fazer seu lema as palavras daquela canção: o seu amor, ame-o e deixe-o, ir onde ele quiser, ser o que ele é...
E depois havia momentos de solidão, em que se abandonava enfim à tristeza e soltava as lágrimas, deixando a fragilidade e o desamparo tomar conta de si. Sabia que já nada podia voltar a ser como antes. E aceitava-o, à vezes resignada e outras inquieta. Já não se entregavam da mesma maneira, nem estremecia com o som da sua voz. Havia agora como um muro entre eles, ou pior ainda: uma parede de vidro, que os deixava ver-se, mas não tocar-se, nem comunicar. Acontecia-lhe querer ainda o seu colo, mas o que encontrava eram olhos tristes e ausentes, cruzando-se com os seus, entre silêncios incómodos, ou palavras vazias de sentido.
Perguntava-se onde, quando e porquê teria morrido aquele amor sem tamanho, feito de paixão, de prazer, de mágoas e de saudade; e de tantos momentos felizes e infelizes, que eram as suas vidas quase inteiras; do amor vivido sem horas nem pressa, num tempo em que o amor tomava conta de tudo e era maior e mais forte que o resto do mundo; de quando estavam juntos e não havia mais nada para além deles os dois.
Lembrava-se daquele poema do Eugénio que nunca imaginara poder vir a sentir tão verdadeiro: Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;/era como se todas as coisas fossem minhas:/ quanto mais te dava mais tinha para te dar".
Perguntava-se o que restaria da intimidade perdida. Ou se seria melhor uma adeus radical e definitivo, que nem sabia se podia aguentar. E temia não ser capaz de voltar a amar daquela maneira. Como tinha sido possível que um amor assim tivesse morrido, desgastado pelo tempo e pela vida, como uma qualquer coisa banal?
Qual é o momento exacto em que um amor se apaga?...
(Fotografia de Paulo Abreu e Lima)