sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Romance


"Um amor feliz não fica a dever nada à paixão. O amor é no mundo real. É muito mais arriscado. (...) Dá uma trabalheira. Mas quando funciona traz uma intimidade que não existe na paixão."
E há amores assim, vividos de muitas formas, resistentes ao tempo e às contrariedades da vida, a todas as rotinas e desgastes da passagem dos dias e dos anos, como aqueles mistérios que não se entendem nem se explicam, mas apenas se vivem pelo lado de dentro de uma intimidade partilhada; que  não se atenuam nem esmorecem mesmo que se vão modificando, que são feitos de um entendimento que não precisa de muitas palavras, de silêncios bons, de olhares cúmplices, do aconchego e do conforto de saber que apenas por se terem tudo é mais fácil e perfeito; e da certeza de que o amor é o melhor do mundo, quando nele cabe a  a felicidade que vem desse nó muito apertado, que nunca se desfaz, e enche de luz a vida inteira.

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

A mais inquietante Rentrée



Já foi há muitos anos, mas ainda me lembro muito bem do primeiro dia em que fui à escola. Recordo o nervosismo e a ansiedade de me ver de repente naquele mundo inteiramente novo, que eu tanto tinha ansiado e que, naquele momento, tanto temia. Havia muita gente que eu não conhecia e uma imensa algazarra de vozes, campainhas, gestos, movimentações. Lembro-me de me terem levado para uma sala onde havia muitas crianças e de não ter respondido quando chamaram o meu nome. Por vergonha. E na atrapalhação de não saber muito bem o que fazer, para onde ir, onde me abrigar. Era uma enorme sensação de desamparo.
Depois, a sala de aula, na segunda porta à esquerda do corredor do rés-do-chão, com enormes janelas para o pátio de arcadas sustentadas por grossas colunas, que durante anos foram cenário de muitas aventuras. As primeiras semanas foram, no entanto, difíceis. A verdade é que me sentia um pouco perdida e sozinha no meio de tanta gente que me era estranha. Passei-as, quase sempre, no colo da minha professora, que soube compreender o que eu sentia e procurou, com carinho e paciência, amenizar a minha dor. E, aos poucos, tornar tudo natural. 
Dessa professora, que se chamava Esmeralda, guardo até hoje uma boa, terna e nítida recordação. E a imensa gratidão de tudo quanto me deu e fez descobrir. Acho mesmo que foi por causa dessas primeiras semanas com sabor a colo e a casa, por esse afecto com que fui recebida, que escolhi ficar ligada à escola para sempre. E fazer dela a minha vida, com tudo o que nela é bom, mau, ou apenas assim-assim.
Nos anos seguintes, era sempre com o coração aos saltos que voltava à escola, na emoção de toda a novidade  por vir e com a alegria de estrear cadernos, canetas e livros a cheirar a novo e de tudo o que lhe estava associado, enquanto janela sobre o mundo e possibilidades infinitas.
Mesmo quando deixei de ser aluna e passei a ser professora, ao longo do tempo, em cada ano, o primeiro dia foi sempre um dia de nervos e de entusiasmo, já não como da primeira vez, mas com aquele nervoso miudinho que têm todos regresso e as estreias, tudo expectativa e inquietação, desafio, ilusões, vontades.
Hoje, em que pelo terceiro ano consecutivo a rentrée não significa para mim regressar à escola, apenas no trânsito notei a azáfama e o frenesim de um dia diferente (levei vinte minutos para fazer um percurso de autocarro que normalmente se faz em dez).
Estranhamente, ou talvez não, a escola não me faz falta. Seja porque com o passar dos anos nos vamos cansando de um quotidiano excessivamente exigente e pouco compensador a vários níveis, seja porque o que há de bom na escola, se diluiu, em todos os constrangimentos e limitações que de há uns anos para cá também a caracterizam e diminuem, no seu sentido, propósito, missão.
Além disso, o retorno à escola, este ano, é diferente de todos os outros, fortemente marcado pelo tempo do confinamento, pelo medo da pandemia e por umas "regras de segurança" que todos sabem ser impossíveis de aplicar na prática.
Mas, este ano,  ao contrário do que acontece para quase todos, o tempo da rentrée, para mim, significa férias. Já a partir de amanhã. 😊 

sábado, 12 de setembro de 2020

Hoje é dia de festa



Para ele - para os que lhe são mais próximos, talvez - terá sido uma decisão acertada. E, acima de tudo, benéfica. Para o resto do mundo, para o país que nunca soube merecer a sua inteligência, cultura e empenho, foi uma perda. Depois da controversa passagem pelo jornalismo, em tempos marcados pela irreverência própria da juventude, a saída do universo quase exclusivamente medíocre e mesquinho da política, trouxe-nos um Paulo Portas "comentador" - porque afinal tudo tem, também, um lado bom. 
E assim, durante todos os dias que durou o confinamento, pudemos entender melhor a pandemia em vários aspectos e detalhes, ou nas circunstâncias de cada país; agora, só aos Domingos, podemos ouvi-lo no "Global Portas" e apreciar a sua forma absolutamente clara e apaixonada de explicar o que às vezes nos parece confuso, que pode ainda ser sobre a pandemia, que marca os nossos dias e condiciona as nossas vidas, mas também, sobre o que se passa no mundo em termos políticos, económicos, culturais.
É uma opinião, claro está, mas não dada à toa, como muito se vê por aí, e antes documentada e reflectida. Outra coisa não seria de esperar. Que sorte têm os seus alunos de Mestrado da Universidade Nova, e todos os que, em diferentes universidades da Europa e do Mundo (de que a Sorbonne e a Complutense são apenas dois exemplos) podem desfrutar dos seus conhecimentos e do modo como sempre comunica, com  contagiante entusiasmo.
Com classe, humor, sensibilidade, bom gosto, eloquente como poucos, com uma inteligência muito acima da média, enérgico e decidido, Paulo Portas é uma pessoa notável, que se destaca das demais, e por  quem eu tenho profunda estima e admiração. E faz hoje 58 anos. Para ele e para a minha querida Helena Sacadura Cabral, a quem também me unem laços especiais de amizade, os meus parabéns.

(Nota: Excepcionalmente o "Global" desta semana é ao Sábado e não ao Domingo. No Telejornal da TVI. Em dia de aniversário, portanto. E, como sempre, a não perder!)

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

O dia em que o mundo mudou



Já passaram 19 anos sobre aquele dia 11 de Setembro, que mudaria o mundo para sempre. Hoje, é impossível fazer referência  a este dia e mês sem lembrar o que aconteceu. E os que o viveram, como eu, não poderão esquecer, mesmo muitos anos depois, o horror e a estupefacção que nos colou às notícias todo o dia e toda a noite, e nos dias que vieram a seguir, sem acreditar nem compreender muito bem o que se passava de facto.
Todos lembramos onde estávamos e o que fazíamos no exacto momento em que recebemos a notícia. Eu estava em casa, a preparar aulas. Com a televisão ligada na RTVE, como é costume. A notícia de um "acidente" com um avião que embatera nas Torres Gémeas de Nova Iorque fez-me deixar o que estava a fazer para prestar total atenção à televisão. Depois, vi em directo o segundo avião a irromper, literalmente, pelo outro edifício - o momento da certeza de que aquilo não era apenas um terrível acidente - e mais tarde as torres a desmoronar-se. O resto é o que todos vimos e/ou sabemos, o que só conseguimos entender dias, meses, anos mais tarde.
Com o tempo, passada a dor, a emoção e o choque desses momentos de turbilhão, tudo voltou à normalidade. Mas o mundo não voltou a ser o mesmo.
E, por mais estranho que pareça, ou talvez não, por motivos diferentes, com causas e consequências muito distintas, vivemos hoje, de novo, tempos muito peculiares, que também marcarão certamente as nossas vidas.

sábado, 5 de setembro de 2020

Pureza e verdade



Flavio é a pessoa a quem pertence a magnífica voz de que já falei aqui, que me fez companhia durante todo o tempo do confinamento e que me traz totalmente rendida e enamorada nos últimos tempos, desde que a ouvi pela primeira vez.
Trata-se de um caso sério no mundo da música, acabado de surgir, que nos toca e nos prende de maneira profunda, antes de mais pela sua enorme singularidade. E que promete ainda vir  a dar muito que falar.
Com apenas vinte anos, Flavio lançou há três dias o seu segundo single, com o selo da Warner Music, mas com música e letra suas, tal como o anterior. E se, em Abril, o êxito do primeiro, Calma, em tom mais "jazzístico e urbano" (nas suas próprias palavras) já tinha sido imenso, o que dizer desta nova canção? Em dois dias, mais de meio milhão de visualizações no Youtube, número 1 em diversas plataformas digitais, trending topic durante várias horas, também na América Latina.
Yo con you mismo é uma balada absolutamente despojada, apenas com o piano e a voz, tal como o videoclip que a acompanha. Tudo só sentimento e autenticidade. E é essa simplicidade, essa "nudez", que a torna ainda mais bela e nos transmite tanto. Aqui está, pois, a prova de que importa mais a sensibilidade e a emoção do que todos os artefactos, as coreografias, ou as grandes produções.
Como diz  a mewmagazine.es"Yo con yo mismo" es lo último de Flavio. Un tema completamente desnudo. Piano y voz. Con una gran honestidad y una sencillez brutal. Una de esas canciones que están predestinadas a convertirse en un clásico y emocionar.
Segundo nos conta nas diversas entrevistas que tem dado nestes dias, a canção fala de esses momentos de "bajón" em que uma pessoa, a sós consigo, sente que ninguém a pode ajudar porque não pode entender o mesmo que ela está a sentir e que, por isso, é a si que cabe "salir adelante". Fala do que podem sentir às vezes as pessoas mais introvertidas, quando se insiste para que sejam de "certa maneira" e da riqueza do seu mundo interior. É uma canção que o define, uma espécie de "carta de apresentação", que marca o início da sua carreira e com a qual acredita que muita gente pode sentir-se identificada.
Ainda na mewmagazine.es: Flavio tiene una voz diferente. Y una forma de cantar única. "yo con yo mismo" es una apuesta por él. Sin florituras. Sin muchos añadidos. Porque no hay nada como mostrarse tal cual es y disfrutar del camino. Aunque haya que tener mucha paciencia y aprender a vivir con ella. Y el piano como guía. Como acompañante fiel de una aventura, una historia, que solo acaba de comenzar.
"Yo con yo mismo" es un cante a ese momento en el que no necesitas nada más que estar en silencio. Alejado de todo y de todos. Para encontrarte y descubrirte. Sin ruidos extraños que te alejen de tu objetivo. Es una balada para curarte y sanarte. Para acariciar esas pequeñas heridas y subsanarlas. Es una conversación pura. Un tema que solo podría haberlo cumpuesto él.
E depois, Flavio é um ser humano maravilhoso, doce e tímido, com um sorriso encantador, cheio de música e de luz, simples e vulnerável, elegante e "cercano", emotivo, genuíno, sensível, afectuoso. Tudo isto faz dele um artista e uma pessoa especial, diferente, única.
Ora ouçam! E deixem-se arrebatar...

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

O prazer das compras


Pode parecer uma coisa um pouco fútil, mas há um prazer especial nisto de fazer compras, que não sei se é de facto exclusivamente feminino, ou se a ideia não passa de um mito. Neste como noutros assuntos, não me parece que seja uma questão de género, mas sobretudo de maneira de ser. Ou de estar. Ou de viver.
Não falo, é claro, de comprar compulsivamente, só porque sim, nem de casos quase patológicos de dependência, ou de exageros de qualquer tipo. Falo daquelas pequenas alegrias que podem fazer passar uma neura, ou tornar um dia mais agradável; falo das horas passadas à procura nem se sabe bem de quê, do apelo indizível daquilo que nos diz "compra-me!" quando o olhamos pela primeira vez, e de tantas outras coisas sem importância, que às vezes podem ser capazes de nos alterar o humor, ou de fazer o dia. Sem mais!