Era como um feitiço. Havia alguma coisa naquela mulher que o atraía mais que qualquer outra. Não que tivesse ares de artista de cinema, olhares matadores de mulher fatal, corpo perfeito de medidas certas e curvas sinuosas por onde seguir sem saber o caminho de volta. Era a sua aparente banalidade que o seduzia, a forma peculiar como passava a mão no cabelo, o seu riso descontraído, a forma de mover as mãos enquanto falava. Era a sua voz grave e quente. Era também o calor do seu abraço apertado, a forma de se aninhar no seu corpo, de pedir carinho só com os olhos. Ou a entrega do amor, que fazia de cada encontro o primeiro e o último.
O que havia nela de especial era o que ele não conseguia definir, mas o fizera esquecer todas as que a tinham precedido e tornar insignificantes as que se lhe tinham seguido. Como se fosse única, de facto, e só com ela a vida lhe fizesse sentido e o mundo e os dias ganhassem um brilho novo e um colorido mais vivo.
Por isso, ele que não acreditava em histórias de "para sempre", nem em segundas oportunidades, deixara-a voltar depois de uma partida que nenhum deles tinha podido explicar, sem perguntas, nem lamentos, nem desculpas. Bastara um olhar cruzado para tudo voltar a parecer possível.
Talvez porque no fundo soubesse que o amor é um pouco de tudo isto: fortaleza e fragilidade, confiança e entrega, sem quaisquer regras ou previsões. Naquele caso as dúvidas não faziam sentido e apenas havia o esplendor do momento presente e o deixar-se levar pelo querer e ordens do coração, caminhando simplesmente sem se importar com o que vem depois. O mais bonito e misterioso daquela história tão singular era um laço feito de total liberdade e, se calhar por isso mesmo, tão difícil de desfazer, tão diferente de tudo o resto, tão deliciosamente arrebatador.
Muitas vezes, na sua ausência, sentira o desalento e a solidão que nada nem ninguém pareciam poder suavizar; sentira o coração disparado no peito e o corpo inquieto de desejo e de vontades, que eram saudade e anseio em proporções iguais; e a certeza inconfessada de que um dia, mesmo daí a muito tempo, ela haveria de voltar; e o temor de que pudesse talvez não ser assim.
Houve dias em que entristeceu e quase desesperou, porque a saudade se agudizava e lhe doía mais. Sabia que a razoabilidade lhe pedia paciência, esperas, deixar o tempo e a vida correr. Sabia muito bem que querer é também deixar ir. Mas sabia, igualmente, das alturas em que era como se o mundo inteiro acabasse nela e no que lhe explodia no peito, um turbilhão de emoções contidas que se soltam de repente, na urgência de se manifestar. E então procurava bocas que lhe aliviassem a sede, mãos que lhe percorressem o corpo, acalmando o desejo e protegendo-o de todos os perigos e medos; e era ela que procurava em olhos perdidos no fundo dos seus, em risos, e vozes, e cheiros, e em beijos demorados que lhe sabiam sempre a pouco, porque era ela que não se cansava de querer, no silêncio dos seus pensamentos.
Por isso a deixara voltar sem querer saber nada. Porque há pessoas que nos marcam e ficam connosco para sempre, e por mil e uma coisas que simplesmente são como são, que não se compreendem nem explicam, e se reacendem no irrepetível de cada momento, tal como há amores que, mesmo se mudam, permanecem resistentes às contrariedades de ser e estar, e às transformações da rotina e do tempo. Que são luz, e felicidade, e o mundo inteiro. E que valem a vida toda.
Como se já estivesse escrito...