quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Glória a Deus na Terra e nos Céus


Eu, que tenho uma maneira muito própria de viver a fé, não consigo passar um Natal sem ir à missa, porque é aí que encontro o que julgo ser a verdadeira essência da época.
Há uma magia qualquer no toque dos sinos e nos cânticos, no ritual e no recolhimento silencioso, que me toca e me enche a alma.
Agora que o Natal já passou (felizmente), assim como todo o stress que lhe fomos associando, e que só falta o Ano Novo para a vida retomar a sua habitual normalidade, guardemos a força de acreditar, a esperança de que nunca estaremos derrotados, o aconchego  e a cumplicidade dos afectos que nos reconfortam e  nos acompanham na vida.

O Presépio somos nós
É dentro de nós que Jesus nasce
Dentro de cada idade e estação
Dentro de cada encontro e de cada perda
Dentro do que cresce e do que se derruba
Dentro da pedra e do voo
Dentro do que em nós atravessa a água ou atravessa o fogo
Dentro da viagem e do caminho que sem saída parece

O Presépio somos nós
É dentro de nós que Jesus nasce
Dentro da alegria e da nudez do tempo
Dentro do calor da casa e do relento imprevisto
Dentro do declive e da planura
Dentro da lâmpada e do grito
Dentro da sede e da fonte
Dentro do agora e dentro do eterno

                                                             (José Tolentino de Mendonça)

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Dúvida existencial


Sou daquelas pessoas que acreditam que ninguém muda, mas pergunto-me muitas vezes se as pessoas podem afinal transformar-se ao longo dos anos, ou se os que julgávamos boas pessoas, e depois verificamos com surpresa que não, é gente que no fundo sempre foi assim e o tempo apenas ajudou a revelar. Mas na verdade também não me preocupo muito com isso...

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

A insuportável música ambiente


Tornou-se uma espécie de "praga" dos nossos dias. Onde quer que se vá, há a ideia de que uma música de fundo é sempre bom. Nada mais execrável do que as músicas que põem a tocar quando em qualquer telefonema nos deixam "em espera". Como é que não passa pela cabeça de ninguém que pode haver quem prefira esperar em silêncio?
No Natal, a coisa piora bastante. Na Praça de Londres e na Guerra Junqueiro, colocaram por estes dias umas colunas que "lançam" música aos berros o dia todo. É apenas um exemplo, mas haverá muitos mais pela cidade, ou até pelo país fora.
Esquecem, ou ignoram, os promotores destas iniciativas que se é verdade que a música ocupa  um lugar central na nossa existência e acompanha todos os grandes (e pequenos) momentos das nossas vidas, não é menos verdade que só nessa combinação de som e silêncio é que a música existe e faz sentido. E que ouvir música é, também, e acima de tudo,  uma decisão e escolha pessoais.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Fado


Era como um feitiço. Havia alguma coisa naquela mulher que o atraía mais que qualquer outra. Não que tivesse ares de artista de cinema, olhares matadores de mulher fatal, corpo perfeito de medidas certas e curvas sinuosas por onde seguir sem saber o caminho de volta. Era a sua aparente banalidade que o seduzia, a forma peculiar como passava a mão no cabelo, o seu riso descontraído, a forma de mover as mãos enquanto falava. Era a sua voz grave e quente. Era também o calor do seu abraço apertado, a forma de se aninhar no seu corpo, de pedir carinho só com os olhos. Ou a entrega do amor, que fazia de cada encontro o primeiro e o último.
O que havia nela de especial era o que ele não conseguia definir, mas o fizera esquecer todas as que a tinham precedido e tornar insignificantes as que se lhe tinham seguido. Como se fosse única, de facto, e só com ela a vida lhe fizesse sentido e o mundo e os dias ganhassem um brilho novo e um colorido mais vivo.
Por isso, ele que não acreditava em histórias de "para sempre", nem em segundas oportunidades, deixara-a voltar depois de uma partida que nenhum deles tinha podido explicar, sem perguntas, nem lamentos, nem desculpas. Bastara um olhar cruzado para tudo voltar a parecer possível.
Talvez porque no fundo soubesse que o amor é um pouco de tudo isto: fortaleza e fragilidade, confiança e entrega, sem quaisquer regras ou previsões. Naquele caso as dúvidas não faziam sentido e apenas havia o esplendor do momento presente e o deixar-se levar pelo querer e ordens do coração, caminhando simplesmente sem se importar com o que vem depois. O mais bonito e misterioso daquela história tão singular era um laço feito de total liberdade e, se calhar por isso mesmo, tão difícil de desfazer, tão diferente de tudo o resto, tão deliciosamente arrebatador.
Muitas vezes, na sua ausência, sentira o desalento e a solidão que nada nem ninguém pareciam poder suavizar; sentira o coração disparado no peito e o corpo inquieto de desejo e de vontades, que eram saudade e anseio em proporções iguais; e a certeza inconfessada de que um dia, mesmo daí a muito tempo, ela haveria de voltar; e o temor de que pudesse talvez não ser assim.
Houve dias em que entristeceu e quase desesperou, porque a saudade se agudizava e lhe doía mais. Sabia que a razoabilidade lhe pedia paciência, esperas, deixar o tempo e a vida correr. Sabia muito bem que querer é também deixar ir. Mas sabia, igualmente, das alturas em que era como se o mundo inteiro acabasse nela  e no que lhe explodia no peito, um turbilhão de emoções contidas que se soltam de repente, na urgência de se manifestar. E então procurava bocas que lhe aliviassem a sede, mãos que lhe percorressem o corpo, acalmando o desejo e protegendo-o de todos os perigos e medos; e era ela que procurava em olhos perdidos no fundo dos seus, em risos, e vozes, e cheiros, e em beijos demorados que lhe sabiam sempre a pouco, porque era ela que não se cansava de querer, no silêncio dos seus pensamentos.
Por isso a deixara voltar sem querer saber nada. Porque há pessoas que nos marcam e ficam connosco para sempre, e por mil e uma coisas que simplesmente são como são, que não se compreendem nem explicam, e se reacendem no irrepetível de cada momento, tal como há amores que, mesmo se mudam, permanecem resistentes às contrariedades de ser e estar, e às transformações da rotina e do tempo. Que são luz, e felicidade, e o mundo inteiro. E que valem a vida toda.
Como se já estivesse escrito...

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Vida real e fantasia


Mesmo não se tratando de um filme extraordinário, Bohemian Rhapsody é um filme que agrada a todos os que gostam de música, em geral, e dos Queen em particular.
Pode até o que ali se conta não ser absolutamente fidedigno ao que efectivamente se passou. Mas trata-se, antes de mais, de uma justa  e interessante homenagem a um dos nomes maiores do século XX,  a uma personalidade controversa e a um artista genial.
E, por isso, as duas horas e quinze minutos que dura o filme não são nunca um aborrecimento. Destaque especial para o difícil papel de Rami Malek interpretando Freddie Mercury, para as músicas que marcaram as nossas vidas e são um pouco de todos nós, e para a evocação do Live Aid em 1985, que é para mim o momento mais emocionante do filme, o que verdadeiramente me comoveu.
Este é pois um daqueles casos que não sendo um filme brilhante, é impossível não nos deixarmos tocar.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Amor sem limite


Já passaram quatro anos. Diz-se que as datas dos acontecimentos tristes e dos dias maus não são para recordar, mas na verdade é impossível esquecer aquele 7 de Dezembro que mudou as nossas vidas para sempre. Era Domingo, o que parece quase uma "ironia do destino". Domingo era o "nosso" dia. Agora, todos os dias são nossos. Para trás ficou o desespero e a incerteza do "e agora?", o sofrimento, a solidão.
Habituámo-nos às novas circunstâncias com a naturalidade de quem sabe que é esta a lei da vida, e procurámos adaptar-nos a outra realidade. Agora, entendemo-nos no silêncio e no toque da pele, como aprendemos a fazê-lo pelo cordão umbilical desde tempos de que não temos memória. No amor, muitas vezes, as palavras sobram; e connosco também foi sempre mais ou menos assim.
Sabe bem sabermos que nos temos uma à outra. E não precisar de o dizer. E acreditar que o amor pode tudo. Esta é a mais avassaladora experiência do amor total, que nos dá a certeza de que é infinito o elo que nos liga, feito de generosidade e de despojamento,  de entendimento e de cumplicidade, de aconchego e de mimo, em perfeita reciprocidade.
E mesmo se agora tudo de certo modo se inverteu na nossa forma de existir, se agora me cabe a mim acompanhar a fragilidade e procurar suavizá-la e devolver em amor, em carinho e em cuidados tanto do que recebi a vida toda, a verdade é que a transparente tranquilidade desses olhos verdes que são tudo para mim continua a saber-me a  colo e a casa. Nunca serei capaz de retribuir o que recebi, e recebo ainda, nesses momentos só nossos em que sou outra vez "pequenina", ainda que seja eu a decidir tudo.
É bom, muito bom, apesar de tudo, estarmos as duas do lado de cá de vida, e rirmo-nos juntas sem querer saber quantas horas, dias, meses ou anos nos sobram, porque o que nos une é tão forte que existirá para lá do tempo e será sempre só nosso.
Nestes quatro anos mudou tudo. Só o nosso amor permanece igual.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Férias das férias


Quando acabam as férias, volta o quotidiano mais ou menos rotineiro: o dia quase todo à frente do computador, entre horários, correrias, transportes, mails, telefonemas, processos e a gestão apressada das obrigações habituais, das contas a pagar, da roupa, das compras no supermercado, das responsabilidades de filha dedicada, do tempo e espaço dos afectos, sempre a parecer poucochinho, e apenas com o fim de semana como uma espécie oásis no horizonte.
Parar é bom. Mudar de ares e descansar os olhos noutros lugares, encher a alma de ar livre, de sol e do colorido triste e poético do Outono, deixar-se levar pela luz sobre a água de uma cidade qualquer, daquelas que nos apaixonam e onde sabe sempre bem regressar, é das melhores sensações da vida.
É difícil explicar o fascínio  dessa lenta descoberta dos lugares, como das pessoas, do encanto que cresce devagar, que se vai tornando conforto e  apego, que nos enche de tranquilidade e de paz.
Volta-se das férias renovado, claro, mas não exactamente descansado. O que eu precisava agora, depois destes intensíssimos dias em Paris, era de umas férias... 
Mas já vem aí o fim de semana!