No regresso à escola, há várias coisas que me surpreendem e impressionam e até algumas que, de certa forma, me horrorizam. Parece-me chocante, por exemplo, que alunos de catorze ou quinze anos saibam o que é um "complemento oblíquo" e um "verso decassilábico", mas não sejam capazes de dizer qual o assunto de um texto que acabaram de ler. Ou que saibam o que é uma "palavra derivada por parassíntese", mas não conheçam o significado de "modesto", de "solícito", ou de "esmerado".
É talvez por isso que volto a ouvir uma coisa que apenas me tinham dito há anos, na altura em que comecei. Que falo "caro", com palavras "sofisticadas", segundo me disseram hoje.
Infelizmente, não se trata de exagero meu. E não me refiro apenas a um ou dois exemplos isolados, mas a um grande número de alunos, que é provavelmente a maioria.
Mas há outras coisas. Muitas outras. Hoje, há também o drama dos Centros de Estudos ou de Explicações, que se tornaram, mais que uma moda, uma praga e um verdadeiro "negócio da China", com efeitos absolutamente nefastos, uma vez que há neles pessoas de formação duvidosa que fazem os trabalhos de casa aos meninos e os impedem de ser autónomos. Chegam à escola com tudo feito, mas num discurso que se percebe à distância não ser o deles, cujas frases têm até, muitas vezes, dificuldade em ler. E a qualquer pergunta que se lhes faça para além do que ali está escrito, não são capazes de responder. Este é um exemplo de hoje: "Aqui, nesta frase, temos um paradoxo". "E o que é um paradoxo?" "Sei lá!", é a resposta.
Faz-me confusão que os pais não se apercebam disto, que se limitem a deixar os filhos manhãs ou tardes inteiras nestes "centros", achando que é assim que eles estudam mais e melhor, quando é exactamente o contrário que acontece.
Mas, no fundo, somos todos um pouco responsáveis pelo estado a que isto chegou. Porque tendemos ao facilitismo e à infantilização do discurso. (De resto, apesar da educação literária ter sido reintroduzida (e bem) pelas Metas Curriculares, ainda há quem defenda que grande parte dos textos não deveria fazer parte dos programas por se tratar de textos "muito difíceis"). Porque há muito a preocupação do exame e da preparação para responder de forma mais ou menos formatada a um modelo específico de prova, quando se devia ver mais longe e ensinar a pensar, a ser capaz de manifestar uma opinião e de defender uma ideia com argumentos, a ler, a escrever e a falar com correcção. E já agora também com prazer, se não for pedir muito...
Não se pode simplesmente fazer porque nos dizem que "é assim". Pergunto-me o que teria acontecido se todos os professores se tivessem recusado a ensinar o Acordo Ortográfico, que é uma aberração que mutila a língua. No ponto em que estamos, uns sim, outros não, outros assim-assim e toda a gente escreve de todas as maneiras. Como se isso não fosse relevante.
Enfim, poderia multiplicar os exemplos, mencionar a falácia da escola inclusiva e tantas outras coisas. Mas o que me parece óbvio é que algumas boas vontades não chegam; e que enquanto as prioridades estiverem todas confundidas e erradas, dificilmente a Escola poderá fazer um trabalho sério e, acima de tudo, eficaz, cumprindo a sua função primeira, essencial na definição do modo como pensamos, como sentimos, como vemos o mundo.