segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Agora é a minha vez


Quando chega o fim de Agosto, é sempre mais ou menos assim. Os dias ficam mais curtos, a praia esvazia-se e volta ao silêncio apenas interrompido pelo som das gaivotas e das ondas a desfazer-se na areia, e por todo o lado voltam as cores e os cheiros da rentrée, entre a novidade do recomeço e nostalgia da despedida do Verão.
Esta altura do ano significa para quase toda a gente acabar as férias e retomar um quotidiano igual ao de antes, com todas as rotinas, horários e afazeres  que lhe estão associados.
Mas, num ano especialmente difícil e insólito, como este, em que até a Feira do Livro passou do seu Maio da vida toda para a época Agosto /Setembro, também eu, que em podendo gosto muito de ir contra a corrente e fazer diferente, aproveito a época em que toda a gente regressa de férias para fazer a mala e partir por aí, à descoberta de novidades. 
Assim, o fim de féria para uns pode ser o início de férias para outros. Férias no Outono? Soa muito bem!..

domingo, 30 de agosto de 2020

Escrever o seu guião


Por mais difícil que lhe pudesse parecer, às vezes tentava pôr-se noutras peles e imaginar como seriam outras vidas, que observava à sua volta. Sabia que havia aquele velho princípio da sabedoria popular, segundo o qual "só quem vive no convento é que sabe o que lá vai dentro" e gostava de acreditar na teoria de que todos os caminhos são possíveis e igualmente válidos desde que quem os escolhe se sinta bem assim.
Mas, por mais voltas que desse, não conseguia entender os que viviam na ilusão da companhia e preferiam uma solidão a dois no pavor de se enfrentar ou conhecer; os que arrastavam uma infelicidade que não era mais do que o resultado de uma escolha feita em nome próprio e de onde pareciam não querer ou não poder sair, como se a sua vida fosse uma espécie de condenação perpétua e aquele modo de vida não fosse mais que uma fatalidade à qual não podiam escapar.
Sabia que  a solidão pode às vezes ser doce ou amarga, mas acreditava, também, que grande parte do que acontece na nossa vida é apenas da responsabilidade de cada um, que nos cabe optar por ficar ou partir, retrair-se ou lançar-se  na procura de qualquer coisa mais; e gostava dessa inquieta liberdade de poder ir fazendo o caminho com tudo o que ele tinha de ousadia e de risco e da imensa satisfação de, apesar dos "erros de casting", das tristezas e alegrias, das horas boas e más, ir escrevendo a sua história, sem arrependimentos, nem remorsos, nem volta atrás.
E mesmo quando tudo parecia demasiado cinzento e sombrio, quando os dias se enchiam de silêncios e palavras por dizer, vinha a certeza de que "felizes para sempre" é uma ilusão fantasiosa que nos vem dos contos da mais remota infância, que há apenas momentos felizes aos quais se chega depois de alguns inevitáveis fracassos, mas que não há liberdade mais compensadora, nem prazer maior, que sentir-se em paz consigo e com o mundo, e poder, sempre, começar tudo outra vez. 

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Chuvas de Verão



Gosto muito de chuvas de Verão, ainda que eu seja inteiramente da luz e do sol. Mas, talvez por me afectar o calor excessivo, nada como estes dias de Verão que mais parecem de Outono, em que a temperatura baixa e a chuva mais ou menos intensa alivia e altera um pouco o nosso quotidiano. Caia miudinha ou sob a forma de forte aguaceiro, sabe bem de repente um dia diferente, o maravilhoso cheiro da terra molhada, o ruído manso da chuva, o piso escorregadio, o dia cinzento, claro escuro, quente e fresco, que é também prenúncio de Outono, como uma despedida antecipada ou  a revelação prematura de um tempo novo, de férias que terminam ou que estão prestes a começar, de mudança, de calma, de uma nostalgia boa. 

domingo, 16 de agosto de 2020

Querer(se) à distância


Nunca se tinham separado por tanto tempo. Tinha sido preciso vir aquele bicho malvado para tornar tudo tão mais difícil e estranho, impondo uma distância forçada a que tinham sido obrigados a habituar-se.
E mesmo sabendo que há aqueles raros amores que vivem do desapego e da certeza de se sentir perto estando longe, e de acreditar que é a lonjura que dá maior sentido à proximidade, havia dias em que ouvir-lhe apenas a voz já não lhe chegava, e lhe doía no corpo e na alma aquela longa ausência.
Então impacientava-se, ansiando o dia de tudo voltar à simples naturalidade de se terem quando e quanto queriam; em que pudesse realmente tê-lo de novo consigo, entregue aos seus gestos demorados e ardentes, sem que isso fosse apenas um sonho bom, que sonhava em muitas noites de angústia, desamparo, solidão.
Às vezes procurava, como sempre fizera, ver o lado bom de todas as coisas, fingir que não se passava nada, distrair-se com o que a rodeava, o espectáculo da luz do sol brilhando sobre o mar, do dia a nascer, do movimento da cidade e de todos os pequenos detalhes que a deixavam serena e maravilhada. Outras vezes deixava o coração bater descontrolado e voar sozinho, antevendo o momento de poderem enfim voltar a estar juntos. E só conseguia ver aquele colo que lhe sabia sempre a paraíso;  e sonhava poder abandonar-se no calor do seu abraço, soltar o desejo tanto tempo contido e deixar-se levar pelos mais loucos desvarios, entregando-se inteira aos caprichos da paixão enfim à solta, após a lenta agonia de querer e não poder ter. Revia na cabeça corpos nus entrelaçados, sentia todos os arrepios do seu cheiro, do toque da sua pele, do seu beijo ardente pelo corpo inteiro, daquelas mãos lindas de quem por mais esquivo e misterioso que às vezes lhe pudesse parecer, era o seu verdadeiro amor, o único capaz de lhe roubar deveras o coração.  Amar-se-iam então em total liberdade, confundindo os corpos, as vontade e os risos, deixando falar apenas os olhos e as mãos na esfuziante e deslumbrada explosão do prazer.
Enquanto pensava tudo isto, imaginava como seria bom permanecer na ilusão daquele feitiço, tão diferente da realidade quotidiana. No fundo sabia que ninguém pertence a ninguém e sentimentos de posse, ou ciúmes parvos, nunca haviam sido o seu estilo, mas resgatá-lo enfim àquele bicho que os separara durante tanto tempo era agora o que mais queria, pois sabia que não havia maior redenção que aquele amor, nem felicidade maior que a sua companhia, que valia a vida toda. Por isso, tê-lo de novo consigo seria o céu e o regresso, tão longamente esperado, do que já era quase só saudade.

sábado, 15 de agosto de 2020

Beldades que são muito mais que isso


Teria de ser um filme francês a marcar o meu regresso ao cinema pós confinamento, seis ou sete meses depois da última vez. Com as devidas seguranças, claro está.
Agora não nos podemos sentar atrás, à frente, nem ao lado de ninguém - à excepção das pessoas que nos acompanham - o que não me faz muita diferença, pois já era o que eu antes procurava, para estar  mais em sossego. E temos de estar sempre de máscara, naturalmente.
Havendo um filme de André Téchiné em cartaz, pareceu-me, pois, que tudo se conjugava para recuperar um pouco mais da antiga "normalidade". Com Catherine Deneuve, a sua actriz fétiche como protagonista, melhor ainda: aposta (quase) segura.
O filme, L'adieu  à la nuit, trata um assunto muito actual -  a radicalização religiosa, - na perspectiva do amor parental. Toda a história gira à volta da relação entre Muriel, a avó, e Alex, o neto (Kacey Mottet Klein), e de como ao descobrir que este está prestes a partir para a Síria o tenta desesperadamente "salvar", tal como todos fazemos, de certo modo, com os que amamos, quando vemos que se perdem, se enganam, ou seguem um "mau caminho" qualquer.
É um filme um pouco melancólico e até de algum modo perturbador. Mas Catherine Deneuve personifica magnificamente a inquietação e o desespero diante do fanatismo, e a perplexidade perante a impenetrabilidade de uma juventude que vive a angústia de um futuro incerto e  que se alimenta de solidão diante de um computador. É ela que faz o filme valer a pena, porque, afinal, uma diva é sempre uma diva.

terça-feira, 4 de agosto de 2020

Trovante,antes, agora e sempre


Faz hoje 44 anos que, em Sagres, tudo começou. E, apesar de o grupo não existir enquanto tal há mais de vinte anos, (desde 1991), marcou uma época e muitas vidas - a minha, desde logo. 
Tanto tempo depois, ainda se ouve com prazer e traz consigo muito boas recordações, das que se guardam para sempre e não podem esquecer-se nunca, porque foram (são) verdadeiramente especiais.