domingo, 31 de janeiro de 2021

Para lá do imediato


E às vezes, o silêncio estremece 
Como se fosse a hora de passar alguém
que só hoje não vem

Não se deixar vencer pela melancolia. Esse era o mote. Sempre estivera  na sua natureza encontrar o lado bom de todas as coisas e não se permitir estar triste por muito tempo. Aprendera a calar a dor, a vivê-la para dentro ou a relativizá-la, como se alimentá-la ou exibi-la fosse um sinal de ingratidão diante de tanto  que a vida lhe dava.
Por isso, agora também tinha que ser assim. Para lá dos dias que passavam demasiado lentos e cinzentos, acreditar. Por aqueles dias, em Espanha, mais precisamente em El Rocio, viver-se-ia mais uma festa da Candelária. Se tudo fosse normal, por esta altura estaria também a planear passeios e viagens para o ano inteiro, visitas a cidades novas e às antigas, que trazia sempre no coração, ou a inventar comemorações em grande para mais um aniversário a pouco mais de um mês de distância.
E se lhe parecia às vezes que tudo era só inquietação e desamparo, se prevalecia a nostalgia, a tristeza e o desencanto incerto dos dias e horas por viver, se muitas saudades lhe doíam no peito, não podia deixar de pensar no privilégio de uma vida ainda assim segura e tranquila, quando tantos sofriam e se afligiam muito mais e por tantas razões de peso; e logo procurava mil afazeres e ocupações na esperança de ignorar ou esquecer as perguntas e  preocupações que lhe atravessavam a alma durante as horas tão imensamente vagarosas daqueles dias.
Outras vezes, pensava que, mesmo de forma passageira, mesmo sem motivos demasiado fortes, podia a espaços entregar-se ao desgosto, desatar as lágrimas só porque sim e, em silêncio e solidão, desalmadamente, chorar. Então, virava-se para dentro, encolhida e calada, deixando a tristeza e a música embalar-lhe aquele buraco enorme que a deixava mais desprotegida e indefesa, sem serem precisas muitas lágrimas, nem dramas, nos momentos em que muita coisa íntima se desatava de repente, entre o deslumbramento ante a ideia romântica de se ser dono da sua vida e os momentos em que só se deseja um colo onde repousar a cabeça, ou o calor reconfortante de uns braços que acolham uma fragilidade repentina.
E logo refeita, sorria, na alegria serena de imaginar que entre o que fomos e o que está por vir, enquanto o coração bate no peito, há muita vida pela frente. E que, acima de tudo, é preciso ter calma. Sempre... 
Olhava pela janela e procurava a paz no azul do céu (sempre fora essa a sua cor) para se sentir em harmonia com a vida. No fundo sabia que era normal tudo ser assim, um percurso lento, feito de altos e baixos, de avanços e retrocessos, de esperança e de desânimo. Mas que haveria uma luz ao fundo do túnel e que, de tudo aquilo, se sairia decerto renovado e engrandecido. E redescobriria, assim, de forma mais clara, a  importância do amor verdadeiro e da companhia, o valor de abraçar quem se gosta com força, na felicidade de instantes vividos na serenidade de quem se quer bem e de vontades em sintonia.

(Fotografia de Luísa Correia, do Blogue "À Esquina da Tecla")

domingo, 24 de janeiro de 2021

Entrincheirados


Olhava pela janela e na rua não havia quase ninguém. Casas, muitas casas, prédios mais altos ou mais baixos, amarelos, brancos, azuis, cor de rosa e verdes, todos de telhados vermelhos, o típico daquela cidade cheia de sol e de luz, de onde parecia que a vida se arredara de repente. 
Para lá das paredes, portas e janelas de todos os edifícios maiores ou menores, estavam todos fechados, perdidos, virados para dentro, à espera de poder escapar de um pesadelo que parecia durar  há já demasiado tempo e não se sabia quando poderia enfim terminar. Parecia que tudo tinha voltado ao início e que desta vez era ainda pior. As notícias eram assustadoras, os números cresciam sem parar, a cada dia, a cada hora, e por todo o lado soavam palavras pesadas como catástrofe, aflição, calamidade, doença, morte, sofrimento, dor.
Havia dias em que só o medo, a solidão ou a incerteza pareciam tomar conta de tudo, por mais que se procurasse relativizar e pensar no privilégio de estar ainda assim em segurança, no conforto quente da casa, transformada em fortaleza e porto seguro, onde na verdade não faltava nada que fosse essencial, quando tantos outros se debatiam na angústia de um limiar qualquer, fosse ele entre a vida e a morte, a difícil escolha de condenar ou salvar, a exaustão extrema e o sentido do dever, o desânimo e a coragem.
No fundo, mesmo quando sentia uma saudade apertar-lhe o peito, quando lhe faltava o toque e a voz de quem lhe era mais  querido, quando o silêncio lhe enchia a casa e a vida, acreditava que a Primavera haveria de voltar esplendorosa, como sempre,  e que a vida haveria de conseguir sobrepor-se e vencer.

sábado, 16 de janeiro de 2021

Abstenção?


Por princípio sou contra a abstenção. Porque acho que votar é um direito, mas é também um dever, ao qual, a não ser por circunstâncias excepcionais, não temos nunca que nos escusar. Talvez isso tenha a ver com uma característica minha que, num certo sentido, pode mesmo ser considerada defeito: sou muito opinativa e gosto até, às vezes, de dizer o que penso mesmo sem me perguntarem.
Quando se trata de eleições (sejam elas quais forem), participar parece-me antes de tudo uma espécie de "obrigação". E, por isso, não concordo nada com os que dizem que "abster-se" também pode significar que nenhum candidato é suficientemente bom, ou qualquer coisa deste género. Quando acho isso (o que é de resto bastante frequente, hélas), tendo a optar pelo voto útil, escolhendo o "menos mau". Não fazer nada, não participar, parece-me sempre uma espécie de desistência, como se o que está em causa não nos dissesse respeito.
Não me lembro de alguma vez na vida ter sido chamada a participar numa decisão e ter optado por não o fazer. Só por não me apetecer. Só porque sim. Mas desta vez é diferente. Porque a conjuntura em que as eleições acontecem é absolutamente fora do comum e me parece absurdo, num contexto de confinamento quase total (pelo menos na versão oficial), abrir-se um parênteses de um dia e podermos juntar-nos todos de novo para uma eleição que está decidida à partida.
Enfim, vou ter que pensar melhor no assunto; e tenho uma semana para o fazer...

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Fim das Festas

Tenho pena que em Portugal não se celebre o Dia de Reis como acontece em Espanha e em França, por exemplo, e que este dia, que é afinal o que assinala o fim das festas seja, entre nós, um dia como outro qualquer. 

Em Espanha, a ideia de fazer coincidir a troca de presentes com o Dia de Reis confere a este dia uma magia e encantamento que, para mim,  se aproxima muito mais do que se celebra nestas festas. E mesmo se, por causa da pandemia, não há este ano a "Cabalgata de Reyes", a que costumo sempre assistir pela televisão, este é um dia que permite viver a emoção de regressar ao  mundo de ilusão da infância e de, por momentos, voltar a acreditar num mundo melhor. 

A comemoração do Dia de Reis, de tradição cristã, baseia-se numa passagem do evangelho de S. Mateus, (capítulo 2, versículos 1 a 12), a qual terá dado origem à criação da lenda dos três reis magos e, impôs, posteriormente,  o costume dos presentes no Natal. Pouco importa a veracidade da história, tantas vezes posta em causa, por não haver, em Mateus, nenhuma informação que permita concluir  sobre a realeza das personagens; e o mesmo quanto ao seu número e aos nomes de Belchior, Gaspar e Baltazar, com que nos habituámos a designá-los, desde aquele longínquo momento da infância em que a ouvimos contar pela primeira vez. 

De acordo com a tradição católica, 6 de Janeiro é o dia da Epifania, uma das celebrações litúrgicas mais antigas, que se refere à revelação do Menino Jesus ao mundo pagão, representado pelos Reis Magos. E há qualquer coisa de verdadeiramente poético na ideia daquela viagem solitária e demorada, em camelo, através do deserto, apenas guiados por uma estrela, que os iluminava e lhes indicava o caminho. 

Amanhã, já se sabe, é dia de arrumar os presépios e todas as decorações natalícias e de deixar o ano retomar o seu curso habitual, esperando que os dias que aí vêm decorram sem sobressaltos e sejam bons de verdade.