terça-feira, 29 de outubro de 2019

O estado a que isto chegou



Parece-me absurdo um país onde um GNR ou um militar pode ir para casa aos 55 anos, recebendo o ordenado por inteiro, numa situação designada como "reserva", - seja lá isso o que for -, e um professor tem de trabalhar quase até aos 70 anos. 
Só quem já passou pela Escola e pela sala de aula sabe o desgaste físico e psicológico de receber de hora a hora cerca de trinta alunos diferentes, cada um com os seus problemas, necessidades e idiossincrasias, aos quais é preciso atender, sem um minuto de desatenção. E de como é preciso ser forte e corajoso para conseguir responder a todas as exigências e trabalho extra, que implica muitas horas "roubadas" ao direito de  descansar, de pensar  e de ter tempo para a vida pessoal. 
Por isso, não admira que hoje já pouca gente queira ainda ser professor e que mesmo os que sempre gostaram de o ser (como eu, por exemplo), optem, se tiverem essa possibilidade, por afastar-se e escolher um quotidiano que pode até ser menos desafiante, mas será, sem dúvida, mais calmo e compensador.
Conheço muitos professores. E todos, quase todos, escolheram essa profissão e gostam dela. Mas todos, também, estão fartos e cansados; e desistiriam, se pudessem. É triste que se tenha chegado aqui. Revoltante, até, de certo modo.
Há dias, houve um professor que agrediu um aluno, o que é, naturalmente condenável a todos os títulos, e provocou toda a espécie de reacções e alarmes na comunicação e redes sociais. Mas quem é professor, só quem é professor, hoje, sabe como é fácil uma pessoa "passar-se". Como os alunos são cada vez mais mal educados, insolentes e desrespeitadores, e os pais são, na maior parte dos casos, ainda piores que eles. E como todas as agressões, insultos e afrontas são sistematicamente ignorados ou branqueados; como cenas de violência física, psicológica e verbal, incluindo facas e afins, são muito mais comuns do que a generalidade das pessoas pode sequer imaginar e fazem parte do dia-a-dia da maior parte das escolas.
E, como se tudo isto fosse pouco, vem agora o governo falar em "criar um plano de não retenção no ensino básico, trabalhando de forma intensiva e diferenciada com os alunos que revelam mais dificuldades", em "autonomia reforçada para as escolas com piores resultados", que passa por "adequar a oferta curricular ao seu público específico reforçando, por exemplo, o ensino das línguas, das artes ou do desporto".
Quem trabalha na Escola sabe muito bem que isto é o habitual blábláblá, que na prática se traduz em coisa nenhuma e apenas justifica o caminho para o facilitismo, tão caro a governos socialistas, que faz com que a escola seja  hoje um lugar onde não se educa, se ensina pouco e se aprende ainda menos, onde ninguém se sente feliz, e onde a violência assume proporções inimagináveis, perante o encolher de ombros generalizado.
É pena que nestas coisas nunca se ouça quem conhece pelo lado de dentro o que há de melhor e de pior no desafio de ensinar, que sabe melhor que ninguém o que se ganha ou se perde em cada dia; e sente na pele como isso pode ser física e psicologicamente duro, e esgotante, mas gosta de o fazer, apesar de tudo, embora vá gostando cada vez menos, e sonhando com o dia em que possa, enfim, ir embora.
   

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Comédia(s) de Costumes


A dupla Agnès Jaoui e Jean-Pierre Bacri já nos habituou a um olhar mordaz sobre a sociedade, em divertidas comédias feitas de humor inteligente e observação dos comportamentos humanos, desde o muito premiado Le goût des autres, de 2000.
É um pouco nesta linha que surge o último filme de Agnès Jaoui, de 2018, mas só agora estreado entre nós, Place Publique, cujo argumento foi de novo escrito a dois, e que ambos protagonizam juntamente com Léa Drucker e um conjunto de outros actores, que contribuem em grande parte para o (bom) resultado conseguido.
Há quem considere que este filme fica aquém do primeiro filme da realizadora, já mencionado, e considerado por muitos a sua obra-prima. Sem querer entrar nesse tipo de comparações, que não vêm ao caso, Place Publique faz-nos passar uns divertidos 98 minutos, com um olhar mordaz sobre (quase) todos os vícios da sociedade moderna, onde não falta a crítica ao desejo da eterna juventude, à sede da fama, ao olhar desencantado sobre o tempo que passa, aos Youtubers, à imigração, às preocupações humanitárias e ao desprezo de quem está mais próximo de nós, ao choque de classes sociais e de gerações, tudo em tom ligeiro e humorístico, que nos faz rir e pensar naquilo de que rimos, simultaneamente.
Não será uma obra maior, decerto, mas trata-se um interessante filme, que nos conta uma história que é, afinal, sobre todos nós. E, por isso, eu acho que vale a pena ver.

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Take me as I am


Não acreditava muito no que se dizia dos signos, mas se houvesse nisso alguma verdade, então era de Peixes sem tirar nem pôr, aquele que se crê que tem as mulheres mais excessivas, desconcertantes e misteriosas, ostentando emoção e sensibilidade de forma desmedida.
Sabia muito bem o que não queria e, com o tempo, aprendera que amar também é soltar mais que prender. Continuava a ter dúvidas e incertezas sobre muitas coisas e perguntava-se se seria certo ir deixando a vida acontecer assim, ao sabor da vontade, ora deixando-se levar pelo coração, sem pensar, ora não querendo coisa nenhuma e caminhando  simplesmente, sem certezas nem quereres, confiando em si e na sua força, amando a sua liberdade, sonhando o impossível.
Achava que a felicidade não é um estado permanente mas momentos de plenitude total,  um turbilhão de emoções contidas que se soltam de repente e parecem existir fora da vida real, como no auge do prazer, corpos agarrados um contra o outro, em longos abraços, no doce embalo de que só o amor é capaz...
Gostava de beleza e sensualidade, de cinema, de música  e de literatura, de sol e de mar, tal como amava as cidades, os relógios e os livros; tinha nos afectos a sua maior força, aconchego e apoio; não tolerava a burrice, a má educação e a falta de nível e de bom gosto, por mais subjectivo que ele pudesse ser.
Dedicava-se ao que fazia com carinho e atenção, tinha um espírito e um corpo que alternavam entre a serenidade e a inquietação, gostava de gente e de solidão, era conservadora e arrojada, porque havia em si todas as contradições de qualquer ser humano.
E, mesmo nos  dias em que não havia nada que lhe apetecesse mais que um certo abraço muito apertado e  uma companhia serena que às vezes lhe sabia a pouco e outras vezes a paraíso total, tinha a convicção que vida é sempre para aproveitar como nos chega, que há certezas que se intuem e apenas se lêem no fundo dos olhos, e que todos os caminhos são uma possibilidade em aberto e se vão escolhendo e construindo devagar, com o impensável e o imprevisível da cada momento. 
Pensava nisto tudo, enquanto dentro da cabeça, repetidas, seguiam as palavras de uma velha modinha brasileira:
Eu nasci assim
Eu cresci assim
Eu sou mesmo assim
Vou ser sempre assim..
(...)
Eu sou sempre igual, não desejo mal
Amo o natural
etcetera e tal...

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Acreditar na raça humana


Querendo ou não, tendemos a julgar pelas aparências, a deixar-nos levar por primeiras impressões e opiniões alheias, a separar, duvidar, temer.
Ninguém está imune. Mesmo quem não é desconfiado por natureza, como julgo que será o meu caso, não escapa a fazer juízos de valor e julgamentos apressados de forma sistemática e até leviana.
Mas depois, às vezes, por um imprevisto qualquer, nas voltas da vida, somos agradavelmente surpreendidos, por um gesto, um sinal ou uma acção que fica muito para lá das nossas melhores expectativas. E descobrimos, com alegria e espanto, que ainda há muita "gente boa"; e que a crença na humanidade pode ser redentora.

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Imperdoável



Apesar de não ter conseguido ler todo o artigo, que é daqueles "premium" que tem que se ser assinante - e, por isso, pagar  - para conseguir ler na íntegra, concordo com o que pude ver do que diz João Marques de Almeida no artigo "Simplesmente ordinário" publicado hoje no "Observador": As imagens de António Costa a discutir com um eleitor não deixam qualquer dúvida: o PM é um homem ordinário, sem a educação adequada ao cargo que ocupa. Para ser o líder político de um país, sobretudo de uma democracia, não basta ser eleito. É necessário ser exemplo. As divergências ideológicas e confronto político são naturais. A dureza e a a frieza que a luta pelo poder exigem são aceitáveis. Mas a ordinarice em público não pode ser desculpada. (...)
Também a mim me parece que aquela atitude não tem justificação, e que os argumentos utilizados - aquela coisa do "também sou humano" e o eterno dito popular, que vai servindo para tudo e mais alguma coisa, "quem não se sente não é filho de bom gente" - não são suficientes. Não interessa, para o caso, se era verdade ou mentira o que disse o velhinho, nem se ele era ex-autarca do CDS, ou quais as suas motivações, ou intenções.
Nada, mesmo nada, legitima aquela reacção excessiva e desproporcionada. E depois, quem tem nível e classe tem-nos em todas as circunstâncias da vida. A quem não os tem, facilmente "estala o verniz"... Foi o caso. 

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

A tirania do Inglês


Que os Portugueses, que são um povo subserviente e parolamente embasbacado por tudo o que é do "estrangeiro", se deixem dominar por esta tendência avassaladora de imposição da língua inglesa nos mais diversos domínios não me espanta. Não se trata apenas da intromissão de palavras inglesas na linguagem corrente, ou nas legendas pirosas das fotografias do Instagram e do Facebook, mas de uma onda mais vasta, e até preocupante, que faz com que em muitas universidades portuguesas as aulas já sejam dadas apenas em inglês, e se tente alargar agora a "moda" ao ensino secundário, pelo menos em alguns colégios "armados ao pingarelho".
A mim dá-me vontade de rir tanta preocupação com o domínio de uma língua que não é a nossa, quando a maior parte dos seus falantes tem um conhecimento incipiente ou medíocre da sua língua materna, não sendo por isso capaz de estruturar o pensamento e/ou ter uma consistente visão do mundo. 
Mas o que foi para mim verdadeiramente chocante, foi constatar que até França, considerado um país absolutamente patriota no bom e no mau sentido, com um povo demasiado orgulhoso da sua língua e civilização, se deixou levar por este irritante hábito, que nem a globalização justifica. 
Hoje, ao contrário do que se passava ainda há poucos anos, em qualquer lugar francês mais turístico as pessoas dirigem-se-nos à partida em inglês; e só quando percebem que falamos francês mudam para a sua língua, quando deveria ser exactamente o oposto. 
Questionado sobre esta novidade absurda, um francês disse-me que em cada dez pessoas que os visitam, oito não falam francês. A justificação não me convence. Na verdade, seja por bazófia ou por apatia, até eles acabam por acomodar-se  ao caminho mais fácil. E dá-me verdadeiro asco esta espécie de generalização que torna tudo tão maçador e bem mais desinteressante, pois é a diversidade de cada língua e a mundividência que lhe está subjacente que melhor contribuem para o enriquecimento próprio e alheio, e justificam, no limite, o prazer de conhecer o que é diferente.
Neste aspecto como em muitos outros, tiro o meu chapéu aos espanhóis, que continuam a defender a sua língua e a sua cultura com unhas e dentes, sem querer saber do que fazem os outros, que é como devia ser sempre!