quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Glória a Deus na Terra e nos Céus


Eu, que tenho uma maneira muito própria de viver a fé, não consigo passar um Natal sem ir à missa, porque é aí que encontro o que julgo ser a verdadeira essência da época.
Há uma magia qualquer no toque dos sinos e nos cânticos, no ritual e no recolhimento silencioso, que me toca e me enche a alma.
Agora que o Natal já passou (felizmente), assim como todo o stress que lhe fomos associando, e que só falta o Ano Novo para a vida retomar a sua habitual normalidade, guardemos a força de acreditar, a esperança de que nunca estaremos derrotados, o aconchego  e a cumplicidade dos afectos que nos reconfortam e  nos acompanham na vida.

O Presépio somos nós
É dentro de nós que Jesus nasce
Dentro de cada idade e estação
Dentro de cada encontro e de cada perda
Dentro do que cresce e do que se derruba
Dentro da pedra e do voo
Dentro do que em nós atravessa a água ou atravessa o fogo
Dentro da viagem e do caminho que sem saída parece

O Presépio somos nós
É dentro de nós que Jesus nasce
Dentro da alegria e da nudez do tempo
Dentro do calor da casa e do relento imprevisto
Dentro do declive e da planura
Dentro da lâmpada e do grito
Dentro da sede e da fonte
Dentro do agora e dentro do eterno

                                                             (José Tolentino de Mendonça)

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Dúvida existencial


Sou daquelas pessoas que acreditam que ninguém muda, mas pergunto-me muitas vezes se as pessoas podem afinal transformar-se ao longo dos anos, ou se os que julgávamos boas pessoas, e depois verificamos com surpresa que não, é gente que no fundo sempre foi assim e o tempo apenas ajudou a revelar. Mas na verdade também não me preocupo muito com isso...

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

A insuportável música ambiente


Tornou-se uma espécie de "praga" dos nossos dias. Onde quer que se vá, há a ideia de que uma música de fundo é sempre bom. Nada mais execrável do que as músicas que põem a tocar quando em qualquer telefonema nos deixam "em espera". Como é que não passa pela cabeça de ninguém que pode haver quem prefira esperar em silêncio?
No Natal, a coisa piora bastante. Na Praça de Londres e na Guerra Junqueiro, colocaram por estes dias umas colunas que "lançam" música aos berros o dia todo. É apenas um exemplo, mas haverá muitos mais pela cidade, ou até pelo país fora.
Esquecem, ou ignoram, os promotores destas iniciativas que se é verdade que a música ocupa  um lugar central na nossa existência e acompanha todos os grandes (e pequenos) momentos das nossas vidas, não é menos verdade que só nessa combinação de som e silêncio é que a música existe e faz sentido. E que ouvir música é, também, e acima de tudo,  uma decisão e escolha pessoais.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Fado


Era como um feitiço. Havia alguma coisa naquela mulher que o atraía mais que qualquer outra. Não que tivesse ares de artista de cinema, olhares matadores de mulher fatal, corpo perfeito de medidas certas e curvas sinuosas por onde seguir sem saber o caminho de volta. Era a sua aparente banalidade que o seduzia, a forma peculiar como passava a mão no cabelo, o seu riso descontraído, a forma de mover as mãos enquanto falava. Era a sua voz grave e quente. Era também o calor do seu abraço apertado, a forma de se aninhar no seu corpo, de pedir carinho só com os olhos. Ou a entrega do amor, que fazia de cada encontro o primeiro e o último.
O que havia nela de especial era o que ele não conseguia definir, mas o fizera esquecer todas as que a tinham precedido e tornar insignificantes as que se lhe tinham seguido. Como se fosse única, de facto, e só com ela a vida lhe fizesse sentido e o mundo e os dias ganhassem um brilho novo e um colorido mais vivo.
Por isso, ele que não acreditava em histórias de "para sempre", nem em segundas oportunidades, deixara-a voltar depois de uma partida que nenhum deles tinha podido explicar, sem perguntas, nem lamentos, nem desculpas. Bastara um olhar cruzado para tudo voltar a parecer possível.
Talvez porque no fundo soubesse que o amor é um pouco de tudo isto: fortaleza e fragilidade, confiança e entrega, sem quaisquer regras ou previsões. Naquele caso as dúvidas não faziam sentido e apenas havia o esplendor do momento presente e o deixar-se levar pelo querer e ordens do coração, caminhando simplesmente sem se importar com o que vem depois. O mais bonito e misterioso daquela história tão singular era um laço feito de total liberdade e, se calhar por isso mesmo, tão difícil de desfazer, tão diferente de tudo o resto, tão deliciosamente arrebatador.
Muitas vezes, na sua ausência, sentira o desalento e a solidão que nada nem ninguém pareciam poder suavizar; sentira o coração disparado no peito e o corpo inquieto de desejo e de vontades, que eram saudade e anseio em proporções iguais; e a certeza inconfessada de que um dia, mesmo daí a muito tempo, ela haveria de voltar; e o temor de que pudesse talvez não ser assim.
Houve dias em que entristeceu e quase desesperou, porque a saudade se agudizava e lhe doía mais. Sabia que a razoabilidade lhe pedia paciência, esperas, deixar o tempo e a vida correr. Sabia muito bem que querer é também deixar ir. Mas sabia, igualmente, das alturas em que era como se o mundo inteiro acabasse nela  e no que lhe explodia no peito, um turbilhão de emoções contidas que se soltam de repente, na urgência de se manifestar. E então procurava bocas que lhe aliviassem a sede, mãos que lhe percorressem o corpo, acalmando o desejo e protegendo-o de todos os perigos e medos; e era ela que procurava em olhos perdidos no fundo dos seus, em risos, e vozes, e cheiros, e em beijos demorados que lhe sabiam sempre a pouco, porque era ela que não se cansava de querer, no silêncio dos seus pensamentos.
Por isso a deixara voltar sem querer saber nada. Porque há pessoas que nos marcam e ficam connosco para sempre, e por mil e uma coisas que simplesmente são como são, que não se compreendem nem explicam, e se reacendem no irrepetível de cada momento, tal como há amores que, mesmo se mudam, permanecem resistentes às contrariedades de ser e estar, e às transformações da rotina e do tempo. Que são luz, e felicidade, e o mundo inteiro. E que valem a vida toda.
Como se já estivesse escrito...

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Vida real e fantasia


Mesmo não se tratando de um filme extraordinário, Bohemian Rhapsody é um filme que agrada a todos os que gostam de música, em geral, e dos Queen em particular.
Pode até o que ali se conta não ser absolutamente fidedigno ao que efectivamente se passou. Mas trata-se, antes de mais, de uma justa  e interessante homenagem a um dos nomes maiores do século XX,  a uma personalidade controversa e a um artista genial.
E, por isso, as duas horas e quinze minutos que dura o filme não são nunca um aborrecimento. Destaque especial para o difícil papel de Rami Malek interpretando Freddie Mercury, para as músicas que marcaram as nossas vidas e são um pouco de todos nós, e para a evocação do Live Aid em 1985, que é para mim o momento mais emocionante do filme, o que verdadeiramente me comoveu.
Este é pois um daqueles casos que não sendo um filme brilhante, é impossível não nos deixarmos tocar.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Amor sem limite


Já passaram quatro anos. Diz-se que as datas dos acontecimentos tristes e dos dias maus não são para recordar, mas na verdade é impossível esquecer aquele 7 de Dezembro que mudou as nossas vidas para sempre. Era Domingo, o que parece quase uma "ironia do destino". Domingo era o "nosso" dia. Agora, todos os dias são nossos. Para trás ficou o desespero e a incerteza do "e agora?", o sofrimento, a solidão.
Habituámo-nos às novas circunstâncias com a naturalidade de quem sabe que é esta a lei da vida, e procurámos adaptar-nos a outra realidade. Agora, entendemo-nos no silêncio e no toque da pele, como aprendemos a fazê-lo pelo cordão umbilical desde tempos de que não temos memória. No amor, muitas vezes, as palavras sobram; e connosco também foi sempre mais ou menos assim.
Sabe bem sabermos que nos temos uma à outra. E não precisar de o dizer. E acreditar que o amor pode tudo. Esta é a mais avassaladora experiência do amor total, que nos dá a certeza de que é infinito o elo que nos liga, feito de generosidade e de despojamento,  de entendimento e de cumplicidade, de aconchego e de mimo, em perfeita reciprocidade.
E mesmo se agora tudo de certo modo se inverteu na nossa forma de existir, se agora me cabe a mim acompanhar a fragilidade e procurar suavizá-la e devolver em amor, em carinho e em cuidados tanto do que recebi a vida toda, a verdade é que a transparente tranquilidade desses olhos verdes que são tudo para mim continua a saber-me a  colo e a casa. Nunca serei capaz de retribuir o que recebi, e recebo ainda, nesses momentos só nossos em que sou outra vez "pequenina", ainda que seja eu a decidir tudo.
É bom, muito bom, apesar de tudo, estarmos as duas do lado de cá de vida, e rirmo-nos juntas sem querer saber quantas horas, dias, meses ou anos nos sobram, porque o que nos une é tão forte que existirá para lá do tempo e será sempre só nosso.
Nestes quatro anos mudou tudo. Só o nosso amor permanece igual.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Férias das férias


Quando acabam as férias, volta o quotidiano mais ou menos rotineiro: o dia quase todo à frente do computador, entre horários, correrias, transportes, mails, telefonemas, processos e a gestão apressada das obrigações habituais, das contas a pagar, da roupa, das compras no supermercado, das responsabilidades de filha dedicada, do tempo e espaço dos afectos, sempre a parecer poucochinho, e apenas com o fim de semana como uma espécie oásis no horizonte.
Parar é bom. Mudar de ares e descansar os olhos noutros lugares, encher a alma de ar livre, de sol e do colorido triste e poético do Outono, deixar-se levar pela luz sobre a água de uma cidade qualquer, daquelas que nos apaixonam e onde sabe sempre bem regressar, é das melhores sensações da vida.
É difícil explicar o fascínio  dessa lenta descoberta dos lugares, como das pessoas, do encanto que cresce devagar, que se vai tornando conforto e  apego, que nos enche de tranquilidade e de paz.
Volta-se das férias renovado, claro, mas não exactamente descansado. O que eu precisava agora, depois destes intensíssimos dias em Paris, era de umas férias... 
Mas já vem aí o fim de semana!

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Ensimesmados


Nos transportes públicos, nas ruas, nas escolas, nos restaurantes, nos espectáculos e um pouco por todo o lado é a isto que se assiste cada vez mais: as pessoas vão perdendo a capacidade de olhar à sua volta, de se relacionar para além das suas redes, das suas mensagens, dos seus auscultadores, sempre de cabeça baixa e alheadas de tudo o que as rodeia, sempre ausentes, numa "realidade virtual" que é pouco mais que um reflexo dos seus próprios umbigos.
Nas escolas, por exemplo, que é um universo que conheço muito bem, mesmo os alunos que conseguem durante o tempo da aula estar "longe" dos telemóveis, agarram-nos mal toca para o intervalo e nem querem sair das salas, ou, se são obrigados a fazê-lo, sentam-se no chão dos corredores para não ir mais longe e ali ficam virados para dentro, entre vídeos, jogos e mensagens, interagindo muito pouco entre si.
Eu, que apesar das redes e da invasão tecnológica a que é impossível escapar, continuo a gostar muito de observar as pessoas e os ambientes, perguntava-me hoje de manhã no metro, vendo noventa por cento dos passageiros de narizes enfiados em cima dos écrans e de phones nos ouvidos, que mundo é este em que, subtilmente, e a pretexto da evolução e da modernidade, seguimos caminhos que nos conduzem ao individualismo, ao isolamento e à solidão.

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Jaleo



Gosto muito de Espanha, na sua complexa diversidade, que é também um dos seus maiores encantos. E apesar de haver muitas "Espanhas", e de todas poderem ser consideradas interessantes, é com o sul que mais me identifico, com as cores fortes e o sentido positivo da vida, capaz de fazer de tudo uma festa. Gosto de flamenco, de touros e de tapas, de uma maneira às vezes um pouco ruidosa de expressar-se, do modo de ser e estar virado para fora, das  peculiaridades de uma língua que fui aprendendo a conhecer, a compreender e a amar, mesmo com todas as palavras de sons guturais, para nós dificílimas de pronunciar.
É um país onde vou muitas vezes, por gosto e por necessidade, porque volto sempre com os níveis de  energia e de vitalidade em alta. E sinto-me mais ou menos em casa, ou antes como quando se visitam familiares com quem nos encontramos "a gusto", com quem temos sempre alguma coisa para descobrir, contar ou celebrar.
O barulho de fundo e o ambiente de festa e descontracção de uma qualquer praça espanhola ao fim da tarde, com muitas vozes misturadas e os gestos banais de quem simplesmente convive entre si e tem prazer nisso, transmitem-me uma inexplicável e contagiante alegria, na qual me revejo muito mais do que tradicional melancolia portuguesa.

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Tomem banho, por favor!...



Eu, que não tenho carro, sou uma verdadeira especialista dos transportes públicos, com tudo o que eles têm de bom e de verdadeiramente detestável. Colecciono muitas histórias divertidas, absurdas, incómodas ou caricatas, inimagináveis para quem não vive esta experiência colectiva no quotidiano e, por isso, desconhece um lado muito peculiar da vida da cidade.
Entretenho-me a observar as pessoas, nos seus gestos e olhares, nas suas atitudes e palavras e, a partir disso e do seu aspecto físico, do que vestem ou calçam, distraio-me muitas vezes a imaginar a história de cada uma, de onde vêm, para onde vão.
Mas os transportes públicos têm, também, contingências várias que podem fazer de qualquer viagem, ou percurso, um inferno. Vão da indelicadeza e boçalidade da maior parte dos motoristas, a todas as demoras, ligações e esperas intermináveis. E ainda, sobretudo no Inverno, quando os autocarros ou carruagens do Metro andam mais fechados, à consciência, que é quase certeza, de que grande parte da população é pouco amiga da água e sai de casa de manhã sem tomar banho, o que me parece absolutamente nojento.
Há pessoas que dizem preferir "tomar banho à noite". Pois sim, nada contra; mas, por favor, tomem outra vez de manhã. Como é possível sair de casa, depois de uma noite na cama a transpirar e sabe Deus o que mais, sem um mínimo de higiene pessoal?
Nesta altura do ano, sobretudo, o que é mesmo insuportável nos transportes públicos é a quantidade de gente, logo de manhã, a cheirar a raposinho...

domingo, 4 de novembro de 2018

Uma Estrela



Gosto muito de música. E gosto muito, também, de bonitas histórias de amor. Para pessoas como eu, a star is born ("assim nasce uma estrela") é, pois, um filme imperdível. 
O que há nele de mais extraordinário não é a história de duas estrelas, uma em ascensão e outra em declínio; não é Bradley Cooper que o realizou, co-produziu e interpretou muito bem, tendo até, para o efeito, aprendido a tocar guitarra e a cantar, com fantásticos resultados; nem sequer o facto de ser o quarto remake do filme de William Wellman, de 1937. Como não vi as versões anteriores, não posso fazer comparações, nem sei se é melhor Janet Gaynor, em 1937, Judy Garland, em 1954, ou Barbra Streisand, em 1973.  
O que este filme tem é Lady Gaga; e o filme é todo ela, porque é ela que lhe dá um brilho suplementar. Já eram sobejamente conhecidos os seus talentos musicais, decerto, mas Lady Gaga revela-se aqui, na sua primeira longa metragem, para além disso, uma extraordinária actriz, credível, magnetizante, capaz de nos agarrar e emocionar do princípio ao fim e candidata quase certa ao Oscar. 
Ally, a sua personagemé genuína e natural, desprovida da artificialidade da personagem que Lady Gaga criou para a sua trajectória musical e isso é, sem dúvida, uma agradável surpresa. Nunca conseguimos esquecer quem temos diante de nós e, talvez por isso, as cenas dos concertos são as que têm uma autenticidade e fulgor ainda maiores que as restantes. E depois, vê-la e ouvi-la cantar é por si só um espectáculo. Enfim, acho que é um filme que vale a pena ver. Eu gostei muito!

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Outono



Quando penso em Outono, vem-me inevitavelmente à memória Verlaine e a cadência lenta deste poema, que sei de cor, e que começa assim:
Les sanglots longs
Des violons
De l'automne
Blessent mon coeur
D'une langueur
Monotone...
Porque o Outono é todo ele devagar. Associo-o à palavra melancolia, que é um pesar com beleza por dentro, uma tristeza misturada com doçura, tudo só intimidade e lentidão. E gosto do regresso do frio a atravessar-nos a pele, das cores quentes e do cheiros próprios da época, do conforto das roupas macias e de quanto sabe bem ficar em casa em noites que começam cedo e parecem enormes.
O Outono sabe a recato e a recolhimento, a silêncios e a vozes baixas, a lanches no sofá e a quietude, depois da agitação e exuberância do Verão e antes da chegada ruidosa e excessiva das "Festas".
Por estes dias, com a mudança de hora ainda tão recente, sabem bem as bebidas quentes, o calor de um abraço bom e a vida um pouco mais virada para dentro, entre a comoção perante o encanto do que nos rodeia, o barulho da chuva nos vidros, e a subtileza do tempo que passa quase sem darmos por isso.

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Caminhos


Por mais que confiasse na sua intuição e se deixasse levar pelo coração, havia na história da sua vida escolhas boas e más, surpresas e decepções, amores marcantes e outros que haviam passado sem fazer mossa ou deixar cicatriz. Havia as empatias imediatas, os interesses ou valores em comum e as afinidades de todo o tipo. Havia, também, talvez acima de tudo, o que se situa do lado do inexprimível e inexplicável, o que está para lá de todas as palavras e é só sentimento e emoção, que nos leva a aproximarmo-nos de umas pessoas e de outras não, a criar laços só porque sim, levados por um mistério qualquer que nos empolga, enternece e encanta, que faz o coração disparar no peito e depois se vai desenvolvendo devagar, na subtileza da partilha e da intimidade crescentes, até que o afecto se instale definitivamente, ou se perca para sempre.
Sempre fora de tudo ou nada. As meias tintas não eram para si. E por isso os amores fáceis e lineares nunca lhe aconteciam, nem a entusiasmavam. Eram as pessoas controversas e enigmáticas que a atraíam, como se houvesse naquela complexidade um mistério qualquer que fosse bom descobrir. Gostava de almas inquietas e errantes como a sua, da mistura de paixão e racionalidade, de risos fáceis mas não patetas, de sensibilidade sem lamechices. Gostava de mãos grandes, de abraços apertados e de palavras sussurrados ao ouvido em momentos de prazer e rendição. Gostava de se perder no fundo de outros olhos quando via neles a doçura que  converte os dias de estar juntos em dias inesquecíveis e bons.
Por isso não conseguia entender muito bem os que via preferir qualquer coisa morna ou mais ou menos satisfatória ao temor de se acharem a sós consigo mesmos, por mais que tentasse convencer-se que eram infinitas as possibilidades de encontrar o caminho certo, e que cada um escolhe o seu.
Aprendera a viver a vida sem amarras, sem pressa e sem medo, a entregar-se de alma e coração sempre que o amor chegava à sua vida, imponente e grandioso, animando-lhe o corpo na vertigem do desconhecido e no temor da novidade que se adivinhava na luz de novos olhares. Mas prezava a sua liberdade e precisava às vezes de silêncio e solidão para reencontrar o equilíbrio, pois acreditava e sentia que nessa alternância estava a sabedoria de viver de forma serena e feliz.
E, no entanto, ligava-se fortemente às pessoas e aos lugares, e parecia existir em aparente e constante contradição, entre a incerteza de ir escolhendo o rumo a seguir em quase total independência e a necessidade de voltar onde e a quem era sempre o seu porto seguro.
Diziam-na forte e arrojada quando no mais fundo de si se vira tantas vezes frágil e vulnerável, exposta e desprotegida, embora lhe soubesse bem poder ter um refúgio onde se acolher, deitar a cabeça e descansar, um colo a saber a casa e um corpo que conhecia de cor, sem necessitar de juras de amor eterno, de ciúmes parvos ou de sentimentos de posse, nem nunca precisar de assumir amores perante os olhos do mundo, que os compromissos e os afectos fazem-se dentro de portas e de corações, no secretismo de duas vontades que se conjugam.
Sabia que todas as pessoas, mesmo as que mais amamos ou admiramos, nos desiludem e magoam. E que algumas acabam por afastar-se a determinada altura sem uma razão óbvia, ou sem conseguirmos encontrar um motivo suficientemente válido que o possa explicar. Mesmo sem saber o como, o quando, nem o porquê de muitas coisas, acreditava que a vida se encarrega sozinha de fazer uma selecção natural e permitir que o bom permaneça e que o que não faz sentido ou não presta se vá perdendo no percurso.  E entre dúvidas e vontades, entre o que queria e não queria entender, ficava a certeza de que só estava no seu coração e  na sua vida quem tinha nela lugar cativo e de que, quando fechava uma porta, era para nunca mais a voltar a abrir.

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Socorro, vem aí o Natal!...


Ainda faltam dois meses para as festas, mas na Avenida da Igreja reparo que já estão instaladas as decorações de rua. E essa constatação faz despertar em mim todos os sinais de alarme.
Lá vêm outra vez os sorrisos de plástico e as alegrias postiças, que se usam naqueles dias e se deitam fora imediatamente depois. E o trânsito infernal, o consumo desenfreado, a correria associada a uma festa que é agora muito mais de aparências, de excessos vários e de cansativas "obrigações" que de afecto genuíno, de paz e de tranquila simplicidade, como deveria ser.
É por isso que, ano após ano, tenho cada vez mais vontade de me ir embora nesta altura, ainda que seja um desejo difícil de concretizar por várias razões e, também, porque não há sítio nenhum onde não seja Natal. Era bom que o Natal pudesse readquirir a sua essência: a força de acreditar, a esperança de nunca nos sentirmos vencidos, a ternura de bem querer, a cumplicidade dos afectos que nos guiam e nos acompanham na vida. Porque os que são mesmo de verdade estão sempre connosco sem precisar de "dias festivos". E há lá coisa melhor que o aconchego de um longo e sentido abraço...

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Um artista português


Não sou uma incondicional do Fado. Mas acho, ainda assim, que qualquer português gosta de Fado, nem que seja só um bocadinho, porque há naquele canto simultaneamente triste e arrebatado qualquer coisa que tem a ver com a nossa essência e que só nós conseguimos entender em toda a sua dimensão.
Por isso, apesar de nunca ouvir fado em casa e haver apenas dois ou três nomes que verdadeiramente me tocam, no fim de semana estive num concerto de Fado.
Pela terceira vez na vida fui ouvir Camané. E, como das vezes anteriores, não me arrependi. Durante cerca de duas horas deixei-me seduzir pela sua voz quente e forte e fui levada por uma viagem dividida em duas partes sem paragem no meio, a primeira dedicada a Alfredo Marceneiro e a segunda percorrendo a obra em nome próprio, com brilhantes incursões pela poesia de Cesário Verde, Fernando Pessoa ou David Mourão-Ferreira, na qual pude sentir, como antes, a magia pura que consiste em entender de facto o que é a "alma portuguesa": é aquela mistura de melancolia, paixão, garra e entrega total à emoção do momento, tudo pontuado pelo magnífico som da guitarra portuguesa.
Impossível ficar indiferente à intensidade de quem se dá assim, inteiro, e se adentra também pelo mais fundo de nós ou pelo mais lindo, amargo, comovente, sério, delicioso da vida. De um espectáculo assim sai-se obrigatoriamente engrandecido, de alma a transbordar e convencido de que há, em Portugal, artistas excepcionais, como Camané e os músicos que o acompanham: José Manuel Neto na guitarra portuguesa, Carlos Manuel Proença na viola, Paulo Paz no contrabaixo.
É por isso que mais do que no domínio do desporto, diante de uma selecção ou equipa futebolística qualquer, é em momentos assim, felizes e perturbadores ao mesmo tempo, que eu sinto orgulho de ser portuguesa.

Foste como quem me armasse uma emboscada
ao sentir-me desatento
dando aquilo em que me dei
foste como quem me urdisse uma cilada
vi-me com tão pouca coisa
depois do que tanto amei...

terça-feira, 9 de outubro de 2018

Não, eu não sou CR7...


Quem me conhece sabe que eu não ligo muito ao desporto e em particular ao futebol, nem sequer quando joga a Selecção Nacional, porque não é assim que se manifesta o meu patriotismo. O que se passa nestes meios é-me portanto quase totalmente indiferente, a não ser naquele fundo de mim  que gosta de estar mais ou menos a par da actualidade.
Não tenho, por isso, nenhum orgulho especial em Cristiano Ronaldo, não porque não lhe reconheça competência e qualidades, mas porque há noutros domínios muitos portugueses que também se destacam em níveis idênticos sem que com isso se faça o mesmo alarde, apenas pelo facto de o mediatismo das matérias ser distinto.
Mas até percebo que se possa ver em Cristiano Ronaldo um desportista de excepção. O que já não entendo é que se misture tudo: uma coisa é o que ele é enquanto futebolista e outra coisa muito diferente é o que a pessoa faz e é na sua vida privada. E portanto não entendo este movimento um pouco irracional e  até absurdo que se está  a gerar à volta das últimas notícias que lhe dizem respeito e que assume contornos que chegam a ser ridículos.
Eu não tomo partido por nenhum dos lados, porque na realidade o que se passou só os intervenientes directos da história poderão saber com rigor. Mas que o caso tem contornos complicados é algo que não se pode negar. Basta ler na íntegra o artigo do Der Spiegel para o perceber.
O que me faz confusão no meio disto tudo é que pessoas que eu considero inteligentes, por quem tenho estima e consideração, reajam também apaixonadamente e sem qualquer objectividade. Como se Cristiano Ronaldo, por ser "bola de ouro" e mais não sei o quê, estivesse acima de toda a suspeita e não fosse uma pessoa como outra qualquer, sujeita à mesmas leis e aos mesmos princípios.
Estranho muito que as vozes que agora se levantam para defender Cristiano Ronaldo sejam, em muitos casos, as mesmas que defendem os movimentos #metoo. "É estranho que a senhora venha voltar ao caso tantos anos depois", dizem. "Só pode ser uma oportunista". É estranho, suspeito, até, de igual modo, digo eu, que Cristiano Ronaldo tenha querido com o seu dinheiro "silenciar" o caso. Porque se se tratasse de mera calúnia bastaria negar os factos. Depois, todos os argumentos utilizados me parecem lamentáveis e primários; são os que vão de demonstrar que ele até é um benemérito capaz de "ajudar muitos pobrezinhos e necessitados" até ao machismo mais puro que considera tratar-se apenas de uma p... ou dizer que "se ela aceitou ir para a suite, já sabia ao que ia"... Porque forçar alguém a fazer alguma coisa que não queira é sempre uma forma de violência. Aqui e na China... E seja o alvo quem for...
Enfim, eu não defendo nem acuso, mas "não ponho as mãos no lume" por ninguém. Nem por mim...
É por tudo isto que coisas como "somos todos CR7",  ou "vamos mostrar ao mundo que somos portugueses e estamos ao lado de CR7 contra as mulheres oportunistas. Ele defende a nossa nação, vamos apoiá-lo com o coração" ou  ainda a "corrente" proposta pela própria família que consiste em pôr no perfil do FB uma fotografia de CR com uma camisola de Superman e os hastags #ronaldoestamoscontigoatéaofim#justiçaCR7, #elemereceonossoapoio, #deusnuncafalha e #deusnocomando, a mim só me dão vontade de rir.
E, já agora: deixem Deus fora disto...

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Passear por Lisboa



É uma hábito de há muito: de vez em quando gosto de seguir à deriva pelas ruas da minha cidade, olhando-a como se a visse pela primeira vez. Encontro sempre nestes passeios um pormenor qualquer que nunca vira antes, uma luz diferente, uma mudança, um sítio novo. São momentos de encontro comigo e com os meus lugares, de pacificação e sossego interior, de refúgio e de silêncio, de deixar que apenas os olhos tomem conta de tudo, em contemplativa rendição, entre o espanto e o aconchego, sem lugar a muitos pensamentos.
Com o tempo, Lisboa modificou-se, modernizou-se e ficou na moda. Passear por onde antes havia pouco mais que solidão e quietude é agora uma bizarra aventura para a qual há que estar preparado. Porque a cidade já não é a mesma: continua magnífica de esplendor, graça e luz, mas tornou-se em certas zonas insuportavelmente movimentada e barulhenta. Misturo-me com as hordas de turistas que a invadem  nos lugares e horas mais impróprios e confesso que às vezes me diverte que me julguem italiana ou espanhola, ou que gente que conhece Lisboa certamente bem menos e pior que eu se ponha a dar-me lições que eu não peço com os seus This is Alfama... e outras considerações do género.
Mas se é verdade que já não posso sentar-me tranquila junto ao Cais das Colunas ou no Miradouro da Senhora do Monte, que se quero tomar grandes ou pequenas resoluções, pensar e decidir, ou simplesmente sonhar e deleitar-me com a brisa da tarde nos cabelos ou o sol a arder-me no corpo tenho que procurar como e por onde fugir à multidão, também é verdade que conheço esta cidade como me conheço a mim, que ela continua a  ser este lugar com uma aura especial, que me pertence e onde eu também pertenço e me sinto feliz.

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Aznavour: mourir d'aimer


Juntamente com Brel, Brassens, Moustaki, Ferrat, Reggiani, ou Ferré, Charles Aznavour faz parte daquele grupo de cantores / poetas que me fez conhecer melhor e amar mais a língua e a cultura francesas, em canções que me acompanharam em todos os momentos da vida, embalaram os meus primeiros amores e as lágrimas de desilusão, alimentaram sonhos insensatos, projectos de felicidade, utopias e desgostos. Que ainda hoje ouço muitas vezes, não por saudosismo, mas porque me parecem intemporais; e porque encontro nelas, naquela mistura perfeita de texto e música, a doce melancolia que sempre me encantou.
Deste grupo, já não sobra ninguém. Mas permanecem as canções.  Aznavour foi talvez o menos rebelde de todos eles, o mais certinho e romântico, e não está entre os meus preferidos, mas não deixa de ser um ícone, um nome incontornável da "chanson française" e, acima de tudo um resistente que, por ironia do destino, nos deixa de forma súbita no Dia Mundial da Música, aos 94 anos e ainda em plena actividade. Em boa hora decidi ir ouvi-lo há dois anos, no seu último concerto em Lisboa. E impressionou-me a inesgotável energia e capacidade de fazer um concerto tão emocionante aos 92 anos, como se fosse uma pessoa que estivesse para lá do tempo, ou para quem ele não tivesse qualquer significado.
Cantando o amor, a raiva, a ironia ou a revolta, são verdadeiros poetas que usaram a palavra com mestria, no seu imenso potencial de significado. É por isso  impossível gostar de música francesa sem entender muito bem o significado de cada texto, de cada palavra, na sua sonoridade própria, que faz com que qualquer tradução a limite ou diminua, e que só em versão original ela ganhe toda a força e plenitude.

Je vous parle d'un temps
que les moins de vingt ans
Ne peuvent pas connaître
Montmartre en ce temps-là
Accrochait des lilas
Jusque sous nos fenêtres...



sexta-feira, 28 de setembro de 2018

A Banha da Cobra


Por motivos que não vêm ao caso, cheguei ao tal "Curso de Escrita Criativa" em que me tinha inscrito por curiosidade na sua quarta sessão. Mas só aguentei uma hora. Na verdade aquilo a que assisti é muito pior do que alguma vez poderia imaginar.
Explico sucintamente do que se tratava. O senhor que dava o curso e se intitulava "escritor", embora eu nunca tenha ouvido falar dele, tinha um convidado que era uma daquelas pessoas polivalentes que são tudo: escritor, cineasta, jornalista, pintor, professor universitário. Este convidado, cujo nome não vale a pena referir para não publicitar a mediocridade, esteve durante uma hora (foi o tempo que eu consegui aguentar, embora a sessão estivesse programada para duas horas) a debitar banalidades e lugares-comuns, enquanto ia aproveitando para fazer a propaganda dos seus "romances" e workshops, deixando clara a ideia de que ele era uma grande escritor, uma espécie de iluminado mesmo, e falando da boa e da má literatura sem nunca definir exactamente o que distinguia uma da outra. A assistência, composta maioritariamente pela faixa etária acima dos cinquenta anos, ouvia-o com ar interessado e, para meu grande espanto, tomava muitas notas.
O que ele dizia eram coisas deste género: "O romance está para a escrita como a maratona está para a corrida"; ou "eu não invento as personagens. Elas já existem. Eu só as encontro". Ou que os bons romances são os que demoram muito tempo a escrever (ele leva seis ou sete anos a escrever um romance, donde se depreende que os dele são bons) e os que têm "universalidade" e "autenticidade", isto é, que permitem que os leitores se revejam neles. Com exemplos das suas obras, claro,  e tudo pontuado por muitos "eu, pessoalmente" e "na minha opinião pessoal".
Quando cheguei a casa fui logo pesquisar em que faculdade o dito "escritor" dava aulas. Só podia ser na Lusófona, como eu já suspeitava. Mas o cúmulo, para mim, foi quando o "escritor" titular disse também que não usava palavras difíceis nas suas obras para não obrigar o leitor a ter que ir ao dicionário, embora houvesse escritores que o fizessem por necessidade de mostrar "erudismo" (Juro que ele disse isto!!!...).
Quando ao fim de uma hora destas e outras barbaridades fizeram um intervalo para "fumar um cigarro", eu decidi que a minha incursão pelo "Curso de escrita criativa" terminava ali. E pergunto-me: se eu sentar algumas pessoas  na minha frente e for dizendo disparates, posso dizer que estou a dar um "Curso"?
É certo que fazer uma avaliação baseada apenas nesta reduzida "aventura" pode ser um pouco precipitado porque baseado numa análise superficial, mas não consegui suportar aquela espécie de tortura por mais tempo. Generalizar pode também não ser justo, mas confesso que fiquei sem qualquer vontade de repetir a experiência. Um curso desta natureza, para ser sério, tem de ter obrigatoriamente uma componente prática que não me pareceu existir ali de todo, até porque isso é incompatível com um número de inscritos tão substancial: 80, naquele caso...
Aquilo a que assisti ontem não passa, portanto, de uma fraude, de contornos um pouco perigosos na medida em que pode induzir em erro muitos incautos, que consiste em chamar "literatura" e "escrita criativa" ao que não são mais do que "baboseiras"...

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Abuso(s)



Por educação, por mania, ou seja lá pelo que lhe quiserem chamar, não sou pessoa de tratar toda a gente por tu. E, do mesmo modo, também não gosto muito que pessoas que não me conhecem, ou que me conhecem mal, me tratem logo assim. 
Há hoje uma tendência, que as redes vieram potenciar, de mal se estabelece um contacto, mesmo virtual, partir-se do princípio que algum laço de amizade nos une e que algumas "confianças" são naturais e permitidas. Detesto esses excessos... 
A amizade, para mim, é muito especial e quase sagrada. Mas consolida-se no tempo, devagar e com subtileza,  na doce magia de descobertas intuídas e intimidades partilhadas, no encantamento do que nos contamos ou do que calamos, na alegria de nos irmos conhecendo, encontrando afinidades, surpreendendo e maravilhando, ou decepcionando, ao longo do tempo. 
Já tenho dito muitas vezes: no meu coração não cabe toda a gente, porque quem lá está ocupa um espaço enorme. E se é verdade que os amigos, como os amores, passam por nós ou vêm para ficar, não é menos verdade que quem entra no meu círculo mais íntimo - ou quem sai dele - decido eu!...

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Escrita criativa?



Numa altura em que cada vez mais toda a gente tem a mania que "escreve" e anseia publicar o seu próprio livrinho, de um preferência um potencial best-seller, prolifera o negócio dos "cursos de escrita criativa", que tanto podem ser presenciais como online e, se calhar, haverá mesmo os que vêm na "Farinha Amparo". 
Sou, em relação ao assunto, absolutamente céptica. Porque escrever, como dançar, pintar, cantar ou representar, para dar apenas alguns exemplos, é antes de mais um talento natural, que se tem, ou não. Tomemos como exemplo a dança: eu posso aprender a técnica do flamenco, para referir um género pelo qual tenho especial apreço, mas mesmo sabendo-a muito bem, - o que já de si me parece uma tarefa dificílima, - não me torno uma bailarina do Ballet Nacional de Espanha, nem sequer de uma qualquer companhia de quinta categoria.
O mesmo é válido para a escrita. Não é por escrever assim ou assado que me transformo num(a) escritor(a). Ora, os cursos de "escrita criativa", seja lá isso o que for, pressupõem, julgo eu, uma espécie de "receita" que se deve seguir. E isso parece-me até um pouco perigoso e sei mais ou menos do que falo, pois além de um curso de Literatura tenho mais de trinta anos de experiência lectiva em Português e sei muito bem que escrever e tentar desenvolver o gosto pela escrita pressupõe, antes de mais nada, ler. Ler muito. Como actividade anterior e paralela, também. E depois é preciso entender o poder das palavras, deixar-se enfeitiçar por elas e pela sonoridade própria de cada texto, pelo seu ritmo, que é afinal o que constitui o seu encanto, mais do que a "história" que nos é contada. E perceber o poder transformador da leitura e da palavra em nós, o modo extraordinário como nos permite conhecer o mundo e conhecermo-nos a nós próprios.
Escrever é uma aprendizagem, como tudo na vida, mas escrever bem é uma aptidão que está para lá das técnicas e de toda a prática possível. Porque hoje publica-se muito, mas em geral o que se vende é "porcaria". Os livros que nos tocam e empolgam são os que têm na sua prosódia uma fulguração qualquer, que faz a diferença. E isso, convenhamos, é privilégio de quem já nasce com o dom.
Em todo o caso, a minha curiosidade relativamente ao fenómeno dos "cursos de escrita criativa" levou-me a inscrever-me num (gratuito, claro está) para ver o que se ensina e/ou aprende por lá. Prometo, depois, contar tudo...

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Um sedutor


O último filme que vi tem o sugestivo título de Juliet Naked ("Juliet nua")  e não é nada do que o título poderia fazer supor. O que me levou a vê-lo foi ter no seu elenco um actor de que gosto muito, apesar de nunca conseguir pronunciar o seu nome: Ethan Hawke. É, na minha opinião, um daqueles casos sérios de talento e versatilidade, para além de haver qualquer coisa nos seus olhos que me seduz, mistura perfeita de malandro e de menino bom. É o protagonista da trilogia (Before Sunrise, Before Sunset, Before Midnight) que faz parte dos "filmes da minha vida". Por isso, vejo qualquer filme em que participe, mesmo correndo o risco de achar depois que não valeu a pena.
Mas voltou a não ser o caso, desta vez. Juliet Naked, uma co-produção britânica e americana, realizada por Jesse Peretz  numa adaptação do romance homónimo de Nick Hornby, não é um grande filme. E, no entanto, é uma agradável surpresa. Trata de relações entre as pessoas, como eu gosto. De ligações que se arrastam no tempo só porque sim. De desencanto e de esperança. De ilusão e recomeço. Não se trata pois de sexo, nem de nudez, mas antes da complexidade das relações humanas e de como vamos guiando as nossas vidas.
Ethan Hawke, com o seu brilhantismo discreto, e também Rose Byrne com quem contracena, contribuem em grande medida para dar às personagens uma vertente humana credível e tocante.
Vale a pena ver!...

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Algures, numa cidade...



É conhecido o meu amor pelas cidades, às quais sou capaz de me ligar com dedicação e afecto, como faço com as pessoas. Gosto dos seus cheiros, luzes e cores, do traçado mais ou menos labiríntico das ruas, da calma e do movimento, de observar  quem passa, das tonalidades que marcam as várias horas do dia e da noite, de adivinhar como será viver nelas. Gosto de deixar que me seduzam devagar, em interminável namoro, que a cada vez me traz a familiaridade do que já se conhece e o espanto do que é capaz de continuar a surpreender-nos.
E, como no amor, delicio-me a contemplá-las, deixo-me arrebatar sem dar pelo tempo passar e sento-me em silêncio muitas vezes, como quem se abriga num colo conhecido, deixando-me envolver pela serenidade desse doce encantamento.
É por isso que, com excepção do mar, que me tranquiliza e atrai, não necessito da natureza em estado puro para descansar, ou reconfortar-me.
Há em todas as cidades que eu amo pequenos redutos de silêncio e sossego onde me refugio para me perder, para me encontrar, ou simplesmente ficar, sem pensar em coisa nenhuma, em momentos que depois gravo na memória para horas de desgosto, desencanto, aflição. Podem chamar-se Jardim da Estrela ou Príncipe Real,  Place des Vosges ou Luxembourg, Parque Maria Luísa ou Retiro, Vondelpark ou Tiergarten, Minnewater ou Begijnhof; mas para lá das particularidades de cada um, que os tornam únicos e especiais, todos me enchem de uma satisfação interior que  dá um novo alento aos meus dias.

terça-feira, 11 de setembro de 2018

Não havia necessidade...


No Verão, tenho o hábito da leitura em versão original das línguas que domino, e já não é a primeira vez que sigo sugestões dadas em programas de televisão credíveis. Foi assim que decidi ler o livro espanhol da moda, ao que parece, já que para além do número de exemplares vendidos, o que não quer dizer nada, ou talvez sim, vi pelo menos duas espanholas na praia a ler o mesmo livro que eu.
A autora, Elisabet Benavent, era para mim uma total desconhecida: espanhola, da zona de Valencia, 34 anos, com formação na área da comunicação, uma coluna na revista Cuore, um blogue/site chamado @BetaCoqueta e dezassete livros publicados desde 2013, com grande sucesso editorial.
Fuimos Canciones, publicado no início de Abril de 2018, é o primeiro volume de uma história que continua em Seremos Recuerdos, publicado cerca de um mês depois, que eu já não li.
A história desenvolve-se em em cerca de 500 páginas e não é mais que o dia-a-dia de três amigas na casa dos trinta, com o sexo como leitmotiv. 
O livro lê-se rapidamente, mas não convence. E, acima de tudo, as cenas libidinosas, que ocupam cerca de 85% da história, são detalhadas até ao mais ínfimo pormenor, com um grau de minúcia que me parece excessivo e escusado. Vejamos um excerto, escolhido ao acaso:
(...) pero por alguna razón Jimena no quería que parara. Y le fallaba la voz de tanto pedirle que no lo hiciera, de pedirle que hiciera más fuerza con sus dedos alrededor de sus muñecas y de desear que el cinturón siguiera golpeándola con el vaivén de las caderas de Samuel. (...) Qué más daba que ella "no se hubiera ganado" que él se desnudase del todo? No quería. Quería que siguiera montándola durante toda la noche de aquella manera, usándose el uno al otro sin importar los detalles(...).
Cuando se corrió, el alivio fue casi doloroso. Él soltó una de sus manos, mientras sussurraba en su oído que quería que se tocara para él, que se corriera y le empapara la ropa. Y ella obedeció hasta que no quedó una gota de su excitación por compartir..., obedeció hasta que el orgasmo se esfumó y tocarse le dolía. Hasta que él paró, salió de ella, se quitó el condón y terminó sobre su pubis, en sus muslos, y salpicó su estómago de semen. 
Tudo o resto me parece, também, francamente medíocre. Até a relação do título com a história é forçada e ineficaz:  cada capítulo tem o nome de uma canção conhecida, seguindo aquele princípio de que para cada momento há sempre uma canção. Enfim, tudo muito poucochinho...
E enquanto lia este livro não pude deixar de pensar em Mario Vargas Llosa, que consegue escrever páginas do mais profundo erotismo sem necessitar ser demasiado explícito, ou vulgar.  Provavelmente é isso que distingue a literatura enquanto forma de arte daquilo que não o é, e que será, quando muito, apenas puro entretenimento, de melhor ou pior gosto.

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Cidades que enamoram (I)



Há nesta cidade colorida e festiva uma contagiante energia que parece tornar a vida mais leve e airosa. Aqui, gosto de voltar pelo menos uma vez por ano para me sentir em paz.

sábado, 8 de setembro de 2018

Regressar ao passado




Quando eu era pequena, os meus avós paternos tinham uma casa de férias na zona de Abrantes de onde eram originários, embora na época vivessem na Baixa, em Lisboa, havia já largos anos. 
A casa tinha sido concebida pelo meu avô apesar de ele não ser arquitecto e, por isso, era para toda a gente um lugar especial, excepto para a minha mãe, tão citadina como eu, que abominava o "campo", e para quem aquele mês de Agosto passado com a família do meu pai, longe da "civilização", era um enorme aborrecimento.
Para mim e para a minha irmã, no entanto, os dias inteiros passados ao ar livre e em contacto com a terra, literalmente, eram sinónimo de aventura e liberdade.
Fazíamos a viagem de comboio, a partir de Santa Apolónia, e tudo me parecia grandioso: os comboios, a duração do percurso, a quantidade de bagagem que transportávamos, a azáfama das partidas e o mistério que encerram, por mais que fosse familiar o destino e as rotinas que nos esperavam.
Depois, os meus avós morreram e acabaram-se as férias no "campo", teria eu uns oito anos, mais ou menos. A partir daí, raras vezes voltámos a Alferrarede e a casa acabou mesmo por ser vendida passados alguns anos. Nunca mais lá voltei. Mas conservei sempre memórias desse lugar de infância, com todas as cores, cheiros, sons, sabores e episódios mais ou menos marcantes de um tempo tão longínquo.
Em Dezembro passado, por uma feliz coincidência, voltei a Abrantes num dia cinzento e de chuva miudinha. Tinha ainda uma vaga ideia do castelo e da vista sobre a cidade, mas não recordava mais nada. Só o sabor das tigeladas e da "palha" me souberam ao tempo da infância. E, como era mesmo ao lado, acabei por ir também a Alferrarede. A terra estava já muito diferente, mas a rua e a casa das antigas férias de Verão continuavam quase iguais, como se ali o tempo  tivesse parado inexplicavelmente. Lá estava a mesma passagem de nível onde íamos ver passar os comboios que tanto fascinavam o meu pai, o campo muito verde ao lado da casa, de onde se via o castelo, o empedrado incerto da rua lateral com ares da província, e até o portão verde em cujo degrau fingíamos estar sentadas no autocarro apenas perdera o JM prateado - as iniciais de João Mouzinho -, que o meu avô exibia com indisfarçável orgulho.
A senhora que comprou a casa e vive lá agora, vendo-me rondar a casa e espreitar o quintal de forma descarada, apareceu intrigada a perguntar se queria alguma coisa. Expliquei-lhe quem era e o que me levara ali. Então ela, que tinha conhecido o meu avô, convidou-me a entrar com a natural simplicidade que só as pessoas da aldeia conseguem ter e mostrou-me tudo: a casa, o quintal e a horta; o poço, o tanque e a nora; as laranjeiras que o meu avô plantou e ainda dão excelentes laranjas; e aquele espaço enorme, que antes me parecia uma floresta sem fim e um mundo de magia, arrojo e descoberta.
Que incrível emoção essa viagem no tempo, feita não só com a cabeça, mas com o coração e o corpo inteiro!... Comoveram-me as histórias da família, os elogios ao meu avô, a simpatia com que fui recebida naquela casa que fora nossa durante tanto tempo e, acima de tudo, ver como tanto do que eu vivera naquele lugar permanecia quase intacto: os canais da rega que eram um oceano para os nossos barcos de papel, o palheiro onde dormia o burro que andava à nora para tirar a a água do poço, o tanque que para nós era também piscina, a cozinha com um enorme fogão, tudo com o mesmo ar ainda antigo como se os anos se tivessem demorado mais ali e quase não tivessem passado.
Foi um dia que não poderei esquecer. Não por saudosismo, nem por nostalgia desse passado que tinha coisas boas e más, como é próprio de todos os tempos. Mas  recordar lugares, pessoas, histórias e momentos nossos, não faz mal nenhum. Porque a memória também é uma coisa boa; e porque é bom revisitar o que de alguma forma nos pertence e foi fazendo de nós muito do que somos.
Depois daqueles Verões de infância em Alferrarede, a minha ligação ao campo desvaneceu-se para sempre. Mas talvez o que revivi ali, naquele dia cinzento de Dezembro, me tenha ajudado a entender o prazer que sinto em voltar muitas vezes aos lugares que me tocam, seduzem, encantam.

terça-feira, 4 de setembro de 2018

Mariquices


Não sei explicar este fenómeno. Será uma questão de idade ou outra coisa qualquer, mas a verdade é que à medida que o tempo passa me parece que vou ficando mais sensível e dou comigo a emocionar-me por tudo e por nada: uma canção, um  filme, uma passagem de um livro, uma qualquer situação do quotidiano, ou apenas um gesto carinhoso, um abraço apertado, uma lembrança, uma atenção, chegam para me comover.
Também é verdade que, com o passar dos anos, passei a assumir isso sem nenhum pudor; e lembro-me, muitas vezes, do meu querido Paulo Portas que disse, a propósito das suas lágrimas por ocasião da morte do irmão, que elas são naturais e não denunciam fragilidade, mas apenas afecto e sentimento. Não é esse, afinal, o nosso lado mais humano?

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Voltar



E já voltou Setembro, mês de recomeços e alterações, de novos caminhos e de outros desafios, entre a nostalgia do que fica para trás e o deslumbramento do que está por começar.
Encontro sempre um prazer especial na rentrée, gosto da novidade e da mudança, ainda que o risco seja sempre mais ou menos calculado, porque não sou exactamente aventureira, ou radical. Apenas procuro não manter durante muito tempo uma rotina sempre igual, com hábitos e gestos que de tão repetidos acabam por perder o sentido. Tenho uma alma inquieta e sonhadora, não sei se pela minha natureza, se para cumprir, talvez, o que se diz do meu signo, embora no fundo não acredite muito nessas coisas.
Enfim, há nas pequenas ou grandes transformações a ideia de que o melhor é o que ainda virá, a esperança de tudo poder ser diferente, nem que seja só um bocadinho, e logo melhor ainda, sem esquecer que muito do que vai sendo a nossa vida depende quase só de nós.
É também um pouco por tudo isto que depois de mais de dois meses de silêncio e “a pedido de várias famílias”, mas acima de tudo porque me apetece outra vez, regresso hoje à escrita e vou ficando por aqui, sem pressa nem obrigações, que é como eu gosto de tudo na vida, dando-me tempo para este encontro comigo e com quem passa, sem deixar de estar atenta ao mundo à minha volta e esperando que um quotidiano mais ou menos apressado não impeça nunca o espanto e a alegria das coisas simples e boas.

segunda-feira, 25 de junho de 2018

Só nós sabemos


Há, na vida, os que passam e os que chegam, se instalam e ficam para sempre; que nos percebem e aceitam a nossa alma sinuosa e inquieta, que nos acompanham e apoiam; que são porto de abrigo, mão, colo e abraço, nossa força, amparo, consolo do coração.
No fundo, para quê complicar, encontrar uma etiqueta, dar um nome ao que não precisa dele, se o mais bonito de tudo é esta certeza linda e boa de, com tudo o que já vivemos e o que ainda nos falta ter, irmos sempre contando um com o outro seja para o que for...

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Lisboa cheira a cocó


Ter um cãozinho de estimação tornou-se definitivamente uma moda. E tratar os cães como se fossem pessoas, outra. Nada contra, a não ser quando isso incomoda. E incomoda muitas vezes. Porque os donos dos cães não têm a mínima noção de coisa nenhuma, o que significa largar os cães e deixá-los correr à solta na praia, ladrando e passando por cima de quem está a apanhar sol tranquilamente, por exemplo, ou encher os passeios de cocós que a esmagadora maioria não recolhe. E agir como se tudo isso fosse um direito. Deles, dos seus animaizinhos, ou de ambos. E ai de quem diz alguma coisa... Ainda se sujeita a ser insultado, no mínimo. 
No meu bairro, de cada vez que saio à rua, cruzo-me com pelo menos cinco pessoas que passeiam os seus bobis, sujando os passeios de chichis e cocós de todos os tamanhos, o que implica muito cuidado para ver onde se põe os pés, para além do cheiro insuportável, que vai empestando a cidade de forma quase generalizada.
Nas grandes cidades da Europa a que dizemos pertencer não se assiste a isto, o que é mais uma prova da nossa boçalidade, atraso e falta do mais básico civismo.
Se querem ter cãezinhos eu acho muito bem, mas deixem-nos fazer os cocós lá em casa, arranjem um penico ou qualquer outra coisa, mas parem de encher de m... as ruas, as praças, os jardins e as praias, que são de toda a gente.

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Day off


Era disto que precisava agora. O bom tempo, enfim, sem ser preciso grandes calores, que uma Primavera amena já me basta para ser feliz; mas com sol, já agora. E uma dia de solidão e silêncio, com o mar por perto, longe dos afazeres do quotidiano. Está para breve, espero...
E depois ir retomando as velhas paixões de sempre: o cinema, a escrita, os livros, as visitas às "minhas" cidades...

domingo, 22 de abril de 2018

Bom e barato


Visto assim até parece óbvio, mas às vezes, muitas vezes, esquecemo-lo, trocamos prioridades e damos importância ao que é verdadeiramente insignificante...

quarta-feira, 21 de março de 2018

Já é Primavera


Depois do Inverno, morte figurada,
A Primavera, uma assumpção de flores.
A vida
Renascida
E celebrada
Num festival de pétalas e cores.

                                               (Miguel Torga)

Tempo de cores fortes, perfumes e luz, começa agora, para mim, o tempo mais feliz de cada ano...

quarta-feira, 7 de março de 2018

"Nesta data querida uma salva de palmas"



Este não é um dia qualquer. Hoje, o dia é todo meu. Quem me conhece sabe bem a importância que lhe dou e como, em cada ano, o preparo que esmero e antecedência, como se fosse sempre o primeiro. Porque gosto muito de ter nascido, gosto de mim e da minha vida, com todas as suas imperfeições, incompletudes, fragilidades e inquietações. Talvez, também, justamente por causa delas.
Fazer anos é para mim uma coisa boa, natural, digna de festejo apropriado, pois é sinal da passagem do tempo e há em mim muitas marcas do caminho percorrido. Agora que já "sou crescida", conheço-me bem, com todas as qualidades e defeitos de que sou feita, e também as sensibilidades, matizes, segredos, manias, sonhos, gostos  e maluqueiras. E acho que, no fundo, sou boa pessoa; e que fazer parte do meu círculo de amigos deve ser bom.
Gosto deste meu dia que traz consigo a Primavera, o sol, as cores e os perfumes intensos, a força e a alegria, como novas promessas de recomeço e de bem-estar.  Gosto do número 7, que é tão especial, e que acredito que me tem abençoado a vida toda.
É por tudo isto que, neste dia, dispenso sempre os formalismos e clichés típicos, o bolo de velas e o "hoje é dia de festa cantam as nossa almas", mas nunca trabalho, rodeio-me de flores (são-me indispensáveis as frésias amarelas que me dava a minha mãe) e das pessoas que me são mais queridas, e recebo todos os mimos, beijos e abraços que continuam a aquecer-me o coração como quando era "pequenina"; e celebro-o sempre em grande estilo, porque me parece que mereço e porque a vida tem sido boa para mim e tenho sabido, dentro da medida do possível, aproveitar o que realmente importa e esquecer o resto.
A idade também ajuda: ensina-nos muita coisa, apesar de, na cabeça e no coração, continuar a ter todas as idades e a vontade de experimentar e de ir mudando aqui e ali. Lembro-me, às vezes, da Duquesa de Alba, porque não me importava nada de vir a ser assim, como ela, uma espécie de "velha gaiteira"...

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

O mar aqui tão perto...


Quem como eu vive em Lisboa tem este privilégio do rio e do mar aqui ao lado, a possibilidade de aproveitar o sol e deleitar-se a olhá-lo em demorado namoro e, com isso, serenar as inquietações da alma e reequilibrar a vida.
Claro que esta espécie de paraíso não é exclusiva de Lisboa, mas eu gosto de "puxar a brasa à minha sardinha", porque me seria difícil viver longe daqui e, certamente, jamais no interior, que eu sou muito mais do azul do que do verde (preferências clubísticas à parte, claro está).
Será talvez influência do meu signo, mas há nas águas calmas ou tumultuosas esse fascínio que é como um apelo, misto de atracção e temor em doses iguais, e que me faz muitas vezes precisar de me sentar calada e quieta na margem do rio ou na beira do mar, e deixar os olhos e o pensamento perder-se na sua aparente infinitude.
Preciso do sossego manso e cintilante das águas brilhando ao sol, em momentos em que o tempo parece suspender-se, como no amor, na música, ou em tudo o que nos emociona verdadeiramente. É uma preguiça boa, que me pacifica o espírito e me faz sentir em harmonia com o que me rodeia, que me deixa em paz e que me é, de vez em quando, fundamental.