quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Ensimesmados


Nos transportes públicos, nas ruas, nas escolas, nos restaurantes, nos espectáculos e um pouco por todo o lado é a isto que se assiste cada vez mais: as pessoas vão perdendo a capacidade de olhar à sua volta, de se relacionar para além das suas redes, das suas mensagens, dos seus auscultadores, sempre de cabeça baixa e alheadas de tudo o que as rodeia, sempre ausentes, numa "realidade virtual" que é pouco mais que um reflexo dos seus próprios umbigos.
Nas escolas, por exemplo, que é um universo que conheço muito bem, mesmo os alunos que conseguem durante o tempo da aula estar "longe" dos telemóveis, agarram-nos mal toca para o intervalo e nem querem sair das salas, ou, se são obrigados a fazê-lo, sentam-se no chão dos corredores para não ir mais longe e ali ficam virados para dentro, entre vídeos, jogos e mensagens, interagindo muito pouco entre si.
Eu, que apesar das redes e da invasão tecnológica a que é impossível escapar, continuo a gostar muito de observar as pessoas e os ambientes, perguntava-me hoje de manhã no metro, vendo noventa por cento dos passageiros de narizes enfiados em cima dos écrans e de phones nos ouvidos, que mundo é este em que, subtilmente, e a pretexto da evolução e da modernidade, seguimos caminhos que nos conduzem ao individualismo, ao isolamento e à solidão.

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Jaleo



Gosto muito de Espanha, na sua complexa diversidade, que é também um dos seus maiores encantos. E apesar de haver muitas "Espanhas", e de todas poderem ser consideradas interessantes, é com o sul que mais me identifico, com as cores fortes e o sentido positivo da vida, capaz de fazer de tudo uma festa. Gosto de flamenco, de touros e de tapas, de uma maneira às vezes um pouco ruidosa de expressar-se, do modo de ser e estar virado para fora, das  peculiaridades de uma língua que fui aprendendo a conhecer, a compreender e a amar, mesmo com todas as palavras de sons guturais, para nós dificílimas de pronunciar.
É um país onde vou muitas vezes, por gosto e por necessidade, porque volto sempre com os níveis de  energia e de vitalidade em alta. E sinto-me mais ou menos em casa, ou antes como quando se visitam familiares com quem nos encontramos "a gusto", com quem temos sempre alguma coisa para descobrir, contar ou celebrar.
O barulho de fundo e o ambiente de festa e descontracção de uma qualquer praça espanhola ao fim da tarde, com muitas vozes misturadas e os gestos banais de quem simplesmente convive entre si e tem prazer nisso, transmitem-me uma inexplicável e contagiante alegria, na qual me revejo muito mais do que tradicional melancolia portuguesa.

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Tomem banho, por favor!...



Eu, que não tenho carro, sou uma verdadeira especialista dos transportes públicos, com tudo o que eles têm de bom e de verdadeiramente detestável. Colecciono muitas histórias divertidas, absurdas, incómodas ou caricatas, inimagináveis para quem não vive esta experiência colectiva no quotidiano e, por isso, desconhece um lado muito peculiar da vida da cidade.
Entretenho-me a observar as pessoas, nos seus gestos e olhares, nas suas atitudes e palavras e, a partir disso e do seu aspecto físico, do que vestem ou calçam, distraio-me muitas vezes a imaginar a história de cada uma, de onde vêm, para onde vão.
Mas os transportes públicos têm, também, contingências várias que podem fazer de qualquer viagem, ou percurso, um inferno. Vão da indelicadeza e boçalidade da maior parte dos motoristas, a todas as demoras, ligações e esperas intermináveis. E ainda, sobretudo no Inverno, quando os autocarros ou carruagens do Metro andam mais fechados, à consciência, que é quase certeza, de que grande parte da população é pouco amiga da água e sai de casa de manhã sem tomar banho, o que me parece absolutamente nojento.
Há pessoas que dizem preferir "tomar banho à noite". Pois sim, nada contra; mas, por favor, tomem outra vez de manhã. Como é possível sair de casa, depois de uma noite na cama a transpirar e sabe Deus o que mais, sem um mínimo de higiene pessoal?
Nesta altura do ano, sobretudo, o que é mesmo insuportável nos transportes públicos é a quantidade de gente, logo de manhã, a cheirar a raposinho...

domingo, 4 de novembro de 2018

Uma Estrela



Gosto muito de música. E gosto muito, também, de bonitas histórias de amor. Para pessoas como eu, a star is born ("assim nasce uma estrela") é, pois, um filme imperdível. 
O que há nele de mais extraordinário não é a história de duas estrelas, uma em ascensão e outra em declínio; não é Bradley Cooper que o realizou, co-produziu e interpretou muito bem, tendo até, para o efeito, aprendido a tocar guitarra e a cantar, com fantásticos resultados; nem sequer o facto de ser o quarto remake do filme de William Wellman, de 1937. Como não vi as versões anteriores, não posso fazer comparações, nem sei se é melhor Janet Gaynor, em 1937, Judy Garland, em 1954, ou Barbra Streisand, em 1973.  
O que este filme tem é Lady Gaga; e o filme é todo ela, porque é ela que lhe dá um brilho suplementar. Já eram sobejamente conhecidos os seus talentos musicais, decerto, mas Lady Gaga revela-se aqui, na sua primeira longa metragem, para além disso, uma extraordinária actriz, credível, magnetizante, capaz de nos agarrar e emocionar do princípio ao fim e candidata quase certa ao Oscar. 
Ally, a sua personagemé genuína e natural, desprovida da artificialidade da personagem que Lady Gaga criou para a sua trajectória musical e isso é, sem dúvida, uma agradável surpresa. Nunca conseguimos esquecer quem temos diante de nós e, talvez por isso, as cenas dos concertos são as que têm uma autenticidade e fulgor ainda maiores que as restantes. E depois, vê-la e ouvi-la cantar é por si só um espectáculo. Enfim, acho que é um filme que vale a pena ver. Eu gostei muito!