quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Casas, sinais e cicatrizes


Contrariamente ao que me aconteceu quando deixei o bairro onde vivi os primeiros vinte anos da minha vida, foi sem qualquer pena, ou nostalgia, que há cerca de três anos deixei outro bairro onde vivi sensivelmente o mesmo tempo. Talvez porque desta vez a saída correspondeu a uma vontade e escolha minhas e da primeira se tratava de uma obrigação a que era impossível escapar. Ou porque desta vez a mudança foi para melhor e da outra não tanto. Porque agora voltei para muito perto do meu lugar de origem, que continua a ser onde sinto que pertenço, e porque tenho pela minha casa uma paixão desmedida. Gosto da localização, bem no centro da cidade, a permitir deslocar-me facilmente para todo o lado, da rua e do bairro, da vista e da luz, das cores e da dimensão, do modo como está concebida e das boas energias. É, definitivamente, um lugar onde me sinto bem, onde sou feliz, e que representa muito para mim.
Já foi há muitos anos, mas ainda me lembro como me custou, e nos custou a todos, deixar as Avenidas Novas e aquele prédio que apesar de todas as suas imperfeições simbolizava tudo para nós, onde  a minha mãe tinha nascido e onde morava a família materna mais próxima. E do nó no estômago quando, depois do prédio demolido, passávamos pelo enorme buraco do que até então fora a nossa casa e a nossa vida. De como, apesar de continuarmos a fazer do Saldanha o centro da nossa existência, evitávamos passar por ali para não sofrer. Depois, quando um novo edifício de vidro e de metal veio ocupar o lugar do nosso velho prédio de azulejos verdes e brancos, a dor  foi-se dissipando até desaparecer de vez. Mas, até hoje, aquela bairro, a rua e o jardim continuaram a ter significado. E às vezes ainda passo por lá e sinto o lado bom da saudade.
Foi totalmente diferente o que se passou com Alfragide, onde também gostei de viver enquanto lá estive, mas que não sinto qualquer tipo de pena de ter deixado. É como se se tivesse encerrado um ciclo. Hoje, quando volto a Alfragide (e volto muitas vezes por motivos que agora não vêm ao caso), é como se não houvesse já nada que me ligasse a esse lugar, nem há qualquer tipo de melancolia relativa aos anos que ali passei. E, no entanto, se me calha passar por aquela que foi a minha casa - o que é raro - não posso impedir-me de a olhar, com o mesmo desapego que tenho em relação a todo o bairro. No outro dia, as janelas abertas deixaram-me ver pedaços de outra(s) vida(s) na que fora a minha casa e isso provocou em mim uma estranha sensação, que nem sei bem explicar. Era quase como uma usurpação. Lembrei-me então de como me incomoda voltar à casa dos meus pais agora vazia; de como evito fazê-lo.
E fiquei a pensar na estranha relação que desenvolvemos com as casas: quer gostemos muito delas, quer não, pegam-se-nos à pele como uma extensão de nós mesmos, guardam pedaços de nós, acolhem as nossas mágoas e alegrias maiores ou mais pequenas, são testemunhas silenciosas de tudo o que de bom e mau nelas vivemos; e fazem, para sempre, parte da nossa história. Impossível, neste contexto, não recordar Ruy Belo e o seu belíssimo poema sobre as casas: Só as casas explicam/ Que exista uma palavra como intimidade.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Hierarquia dos Meses



Há o tempo sequencial e o tempo "psicológico". O primeiro dividimo-lo com rigor, arrumado em horas, dias, meses e anos. Mesmo sabendo que tudo é relativo no tempo e no espaço, que vivemos cada momento em função da impressão que nos causa, tenho um fascínio pelo tempo, um deslumbramento pelo seu carácter passageiro e por tudo o que nele é igual e ao mesmo tempo diferente, pelo tempo que corre e  pelo momento presente, que procuramos tanto quanto possível viver em plenitude.
Não sei se isto acontece com toda a gente, mas tenho em relação aos meses do ano as minhas preferências; e consigo, até, na minha cabeça, atribuir cores a cada um deles.
Para lá do que estabelece o calendário, a minha hierarquia organiza-se, pois,  assim: 1 - Março. É o meu mês, aquele em que eu nasci e em que começa a Primavera e, por isso, nessa altura tudo me sabe a novidade e a recomeço. É um mês de luz intensa, mas não exagerada, amarelo como o sol e azul como o céu e o mar. Com ele regressa a alegria e o optimismo, a intensidade das cores e dos cheiros, os sentidos mais atentos à beleza do mundo. 2- Junho. Se pudesse escolher como quero, Junho seria sempre o meu mês de férias. É o mês de Lisboa e, também por isso, só apetece ar livre e liberdade. Entre Março e Junho fica toda a Primavera e essa é, claramente, a altura do ano em que sou mais eu. Junho cheira a manjerico e sabe-me a fruta fresca, a água a correr e a descontracção, com o Verão inteiro ainda por chegar. 3- Abril. Em geral é o mês da Páscoa e por isso associo-o à cor laranja e a cores pastel, que são as que gosto de vestir nesses dias. Abril está inevitavelmente ligado aos coelhinhos de que eu tanto gosto, aos ovos e às amêndoas, mas também ao renascimento, aos sinos e aleluias do lado mais espiritual da festa; e à instabilidade atmosférica, que faz alternar sol e chuva, calor e frio, dias ora claros, ora cinzentos, a crescer e a aquecer devagar. E tem uma sonoridade bonita, a acabar em -l como o meu nome. É também o mês de voltar ao prazer dos primeiros dias de praia, de estender o corpo ao sol e deixar o calor suave penetrar-me na pele, de caminhar descalça na areia molhada, de ouvir a cadência das ondas quando à minha volta ainda há silêncio e sossego, do arrepio da água fria, que às vezes já apetece e outras ainda não.  4- Maio. Mês de Primavera plena, é em tudo semelhante a Abril, sem a festa da Páscoa, mas com a Romería del Rocío, a coincidir com o Pentecostes. Inexplicável para quem nunca a tenha vivido, esta é uma festa que marca o meu ano e que só se pode entender pelo lado de dentro da emoção, como uma explosão dos sentidos em que se misturam fé e alegria, numa experiência desmedida que nos enche a alma e nos marca para o resto da vida .5 - Outubro. É castanho, cor de mel e dourado, como as tonalidades que enchem todos os lugares, profundamente belo e nostálgico, misturando poeticamente sensações de tristeza e de bem-estar, de intimidade e mansidão.  6 - Setembro. É o mês da mudança e do regresso. Para quem, como eu, tem na escola uma parte importante da sua vida, é na rentrée que verdadeiramente se começa um Ano Novo. Mudam-se os hábitos, as cores e as roupas, e vive-se em permanente contradição entre o  entusiasmo de um novo começo e a melancolia das férias recém terminadas. 7 - Julho. É um mês de Verão e de férias, bem mais tranquilo que o impossível Agosto, que se vive em serena liberdade; que é agradável, mas não marcante. 8 - Fevereiro. O que há de bom neste mês é ser mais curto que os restantes e, por isso, passar mais depressa. Mas, para mim, Fevereiro está inevitavelmente  ligado a dois eventos que não me entusiasmam nada:  o Carnaval  e o inenarrável Dia dos Namorados, que me repugna de uma forma que nem sei bem explicar, mas acima de tudo por ser essa aberração: precisará o amor de dia e hora marcados para se celebrar? Parece-me muito estranho...   9 - Novembro. Associo este mês à cor cinzenta, visível nos dias muito curtos, e nas horas sombrias já com ares de Inverno, que mesmo não tendo chegado em pleno já se vai manifestando nas constipações e na vontade de ficar em casa, em recolhimento profundo que é quase hibernação. E começam também a aparecer, aqui e ali, sinais do frenesim natalício que se avizinha. 10- Dezembro. É o mês do consumismo por excelência, que cada vez vai ganhando mais peso na sua associação às Festas de Natal e de Ano Novo, emocionalmente violento e pleno de sentimentos contraditórios, que em geral provoca um enorme cansaço e se vai fazendo mais superficial e vazio de sentido. 11 - Janeiro. Como Agosto, mas por diferentes motivos, Janeiro é um mês que me "pesa" e que demora a passar, arrastando-se frio, húmido e escuro, sob o peso da ressaca das festas que quase faz passar despercebido o que está por vir. 12 - Agosto. É para mim o mês mais insuportável do ano, associado a tudo o que há de menos bom no conceito "férias", sinónimo de praias abarrotadas, de calor excessivo, de suor e corpos demasiado expostos, de chungaria em chinelos, de pernas ao léu e camisolas de alças, de boçalidade total, como um imenso e entediante Domingo.
Como se percebe, são as estações intermédias e amenas as que mais me fascinam, pois são da Primavera ou do Outono os meses que ocupam os seis primeiros lugares na minha lista de preferências. Gosto de dias claros e frescos, sem muito calor ou muito frio, com temperaturas agradáveis que não excedam os vinte e cinco graus.
Mas para lá da influência que tem em mim  - e no meu humor -  a alternância entre a luz e a escuridão, o dia e a noite, ou a mudança das estações, tenho cada vez mais a noção de que só o presente importa; e que temos que aproveitar cada dia, não apenas como um dia que se sucede a outro dia, mas como uma dádiva da vida.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Certeza(s) absoluta(s)




Para lá de todos os percursos, e vontades, e histórias que se cruzam, se afastam, ou apenas se tocam ao de leve, havia a certeza daquele afecto desmedido a que não conseguiam sequer dar um nome, fosse amor, amizade, ou o que quer que quisessem chamar-lhe, fundado e alimentado ao longo do tempo na naturalidade do bem querer, imune a todas as desavenças, amuos, desencontros e mágoas que faziam também parte do caminho e o tornavam mais humano e mais autêntico.
Tudo começara quase por acaso, com um daqueles encontros fortuitos que parecem ainda assim ter sido escritos nas estrelas, ou originados por um alinhamento perfeito dos astros, que os aproximara só porque sim, porque alguma coisa maior que eles os impelia um para o outro sem que o pudessem entender ou explicar.
No início tudo fora apenas a incerteza que caracteriza os começos, feita de avanços e recuos, de sobressalto e de curiosidade, de arrojo e de medo, de sonho e de realidade, de ânsias e esperas, e risos e lágrimas, alegrias e decepções. Existiam ou inventavam-se? A que saberiam os beijos? Como seria o calor do abraço apertado que faz esquecer o mundo inteiro? E queriam às vezes desfazer logo o ponto de interrogação que tinham colado à imagem um do outro, outras vezes demorar-se na descoberta do que estava para lá do que viam e apenas pressentiam nas palavras e nos gestos, pedaços daquele mistério que queriam e não queriam desvendar, verdades misturadas com a imagem fantasiosa que se haviam criado, alimentada pelo desejo e a imaginação. De quando se olhavam demoradamente tentando adivinhar-se; e tinham pudor de assumir o que realmente lhes assaltava o coração e a vida, por temor de poder soar a  vulgaridade ou excesso de atrevimento; de quando acreditavam que tudo era possível, e duvidavam disso em igual proporção.
Depois, com os anos, habituaram-se à melodia do riso e ao som da voz que se lhes fizera real a ponto já a saberem de cor, que lhes ressoava na cabeça nos momentos em que sentiam falta um do outro e se perdiam a delirar como seria bom voltarem a estar juntos, naquele tempo e espaço em que a urgência de se terem era maior que tudo, e lhes ocupava o corpo, o espírito e a existência toda.
Conheciam todos os meandros do carinho e da sensibilidade de que eram capazes, do abandono e da entrega nos momentos de desejos à solta e corpos confundidos, sem pressas, nem vergonhas, nem limites; do arrepio do toque dos dedos na pele, abrindo caminho por recantos secretos; e de todos as pequenas e grandes loucuras que tornavam tão bons todos os minutos de todas as horas de todos os dias vividos em comum.
E tinham agora a certeza absoluta de que estavam unidos para sempre, sem precisar de juras nem de promessas ou sentimentos de posse, porque era enorme a cumplicidade e a harmonia que tinham criado ao longo do tempo, porque tinham aquela estranha forma de querer-se, diferente, bonita, complexa, terna e insensata, que estava para lá de tudo e de todos,  que era também amparo, colo e aconchego, e que os fazia ser felizes só por saber que se tinham, e por poder existir assim, na mais simples e total liberdade.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Cinema cinema cinema



É das minhas grandes paixões. Gosto muito de cinema, mas sempre em grande écran, porque o cinema para mim implica também, já o disse muitas vezes, a magia da sala escura, cheia de gente que não conhecemos. Por isso, ver um filme em casa ou no cinema não é de todo a mesma coisa; e é raro que troque a primeira hipótese pela segunda.
No Inverno, o cartaz é em geral mais aliciante e o tempo também convida preferencialmente a actividades de interior. Por tudo isto, tenho visto muitos filmes nas últimas semanas, muito diferentes entre si.
Os dois últimos, por exemplo: Mary Poppins Returns e On the Basis of Sex. Mary Poppins é talvez a minha mais antiga memória cinematográfica e, com a "Música no Coração", um dos filmes que marcou a minha infância. Não me lembro que idade teria quando o vi pela primeira vez, mas foi decerto um dos primeiros. E se é verdade que não recordo pormenores, também não é menos verdade que nunca mais esqueci Julie Andrews e a sua personagem, nem aquela viagem a um mundo exuberante de fantasia e de imaginação. Tinha, portanto, grande curiosidade quanto a este "regresso", espécie de continuação do anterior. E não me desiludiu, apesar de o ter visto desta vez com  olhos adultos. Mary Poppins volta a descer dos céus e, muitos anos depois, leva-nos de novo para um mundo imaginário, onde os sonhos se misturam com a realidade, num género de musical "à la Disney", no qual Emiliy Blunt se sai muito bem, sem fazer esquecer a personagem original.
On the Bsis of Sex é um filme em tudo distinto, baseado em factos reais, ainda que muitos deles sejam ficcionados, como sempre acontece nestes casos. Felicity Jones interpreta brilhantemente Ruth Bader Ginsberg, num daqueles filmes biografia clássicos, que mostra a inteligência e a coragem de uma mulher, que na América dos anos 50, 60 e 70 teve que se impor para lutar contra a discriminação entre géneros.
Nenhum deles é um filme excepcional. Mas gostei dos dois. Ambos cumprem aquele que é para mim um dos propósitos do cinema: contar-nos uma história, prender a nossa atenção e entreter-nos sem para isso precisar de grandes "efeitos especiais", de barulho, de violência gratuita, ou de "viajar para outras galáxias" e afins.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Celebrar Sophia


2019 é o ano do centenário de Sophia de Mello Breyner Andresen, um dos nomes maiores da nossa literatura, ou mesmo da literatura tout court, quanto a mim merecedora de Prémio Nobel (além de todos os que recebeu) muito mais que grande parte dos que foram galardoados. Mas isso agora também não interessa...
As comemorações, que começam daqui a três dias, no próximo Sábado, prolongam-se pelo ano inteiro, terminando no dia 6 de Novembro, quando se cumprem exactamente cem anos do seu nascimento, e incluem actividades diversas, dança, cinema, exposições, colóquios, concertos, em Lisboa, Porto, Roma, Rio de Janeiro.
De acordo com as palavras que constam do Manifesto da Comissão das Comemorações: "(...) comemorar Sophia é lembrá-la em comum. E é celebrar essa funda e desassombrada exaltação da vida, essa aguda e universal consciência do mundo de que a sua poesia dá testemunho para sempre."
Mas não há melhor maneira de a lembrar do que ler, ou reler, a extensa obra que nos deixou; porque é nela que está tudo o que, de certeza, alguma vez nos tocou e em nós deixou marca. E onde é sempre possível, ainda assim, descobrir alguma coisa que não notáramos antes.


Pudesse eu não ter laços nem limites 
Ó vida de mil faces transbordantes
Para responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos  instantes

                                                                 (Sophia de Mello Breyner)

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Não há amor como o de mãe



Quando eu era pequena, as tatuagens não estavam na moda. Só alguns "chungas" as usavam e eram quase todas iguais: em forma de coração, e com uma inscrição que dizia "amor de Mãe - Angola - 1970".
E por que me lembro disto agora? Por causa do último filme que vi, que é um magnífico exemplo de quanto pode o amor materno.
Ben is back é um filme que trata disso mesmo; é um daqueles filmes que recebemos como uma espécie de "murro no estômago", mas nos envolvem na angústia vivida por todas as personagens naquelas pouco mais de 24 horas que constituem o tempo da narrativa, e nos fazem entender com clareza como pode ser dramática a realidade da dependência para quem a vive por dentro, mas também nos efeitos colaterais para todos os que a vivem de fora, ainda que de perto.
Julia Roberts, que, quanto a mim, tem vindo a melhorar com o tempo, tem aqui um dos seus mais brilhantes e convincentes papéis, no qual está muito bem acompanhada por Lucas Edges - o filho do realizador (Peter Edges) -, que não lhe fica, de modo algum, atrás. E é pela qualidade das suas interpretações enquanto protagonistas deste drama familiar que o filme assume maior intensidade e realismo e, por isso mesmo nos toca, apesar da dureza do seu conteúdo.
Mas para lá de tudo isto, o que aqui verdadeiramente me impressionou foi esse exemplo da grandeza e generosidade infinitas de que só uma mãe é capaz, mesmo quando sente que nem isso chega. Que nunca desiste de lutar, nunca perde a coragem de acreditar, até quando tudo e todos parecem dizer o contrário. E é nos olhos de Julia Roberts (ou de Holly Burns, a personagem), mais do que nas suas palavras, que vemos a inquietação e esperança que são a sua força e a sua humanidade, que lhe dão profundidade e nos emocionam. A ver, pois claro! ...
É pois um pouco por tudo isto que eu, que continuo a ser visceralmente contra tatuagens, acho, também, que só aquelas antigas dos "chungas" sobre o "amor de mãe" se justificam. 

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Todas as horas de todos os dias


Um Ano Novo, já se sabe, traz consigo a ilusão da novidade, de outros desafios, promessas e boas intenções, mesmo se no fundo é apenas mais um dia a juntar a outros dias.
Para não fugir ao habitual, aqui deixo os meus bons propósitos de Ano Novo: que ele traga muita saúde, amor, alegria e música às nossas vidas. Que saibamos fazer de cada hora e de cada dia do ano que agora começa uma novidade boa...

(...)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de Janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente
É dentro de você que o Ano Novo
(...) espera desde sempre.

                                                       (Carlos Drummond de Andrade)