terça-feira, 30 de outubro de 2012

Pai


Há treze anos, este foi um dia triste. Era uma sexta-feira. Eu não tinha aulas às sextas-feiras. Mas andava a aprender espanhol. Quando regressei do Instituto Cervantes, deviam ser umas oito e meia, um telefonema da minha irmã com aquela notícia que nunca se quer receber e a certeza dolorosa de que, afinal, as pessoas de quem gostamos não são imortais. Sabemo-lo, mas no fundo do coração temos uma secreta esperança de que possam ficar connosco para sempre. É talvez por isso que nunca estamos preparados para uma notícia assim...
Tenho recordações um pouco difusas do que se passou a seguir. Sei que nessa noite dormi mal. Lembro-me, sobretudo, da enorme sensação de solidão e desamparo que nada, nem niguém, parecia poder atenuar.  
Depois, durante algum tempo, não sei já quanto, senti-lhe a falta com maior ou menor intensidade. Arrependi-me um bocadinho de não ter sabido aproveitar melhor o tempo que a vida nos dera para estarmos juntos. De tanta coisa que entre nós tinha ficado por dizer. E espantei-me de sentir uma mágoa assim tão funda, como se, de repente, tivesse perdido as referências  e a própria vida tivesse ficado de certo modo diminuída, como se algo se tivesse apagado definitivamente.
A nossa relação não havia sido sempre simples, nem pacífica. Distante, conservador, lunático, pouco dado a manifestações de carinho, gostava pouco de beijos e abraços e, que me lembre, era raro sentar-me no seu colo. Às vezes, até parecia que estava ali sem estar. Em algumas ocasiões, feita tonta, cheguei a duvidar de que gostasse de mim...
Mas o tempo é um aliado bom e volta a colocar tudo no seus lugares. À distância de todos estes anos, reconheço agora que nos amava profundamente, embora tivesse sido educado no pudor dos afectos. E, de vez em quando, vêm-me à memória pequenos episódios do passado  e recordo mil e uma histórias que vivemos juntos, mas às quais não demos, no momento em que aconteceram, qualquer importância ou valor.
Ainda assim, foi pela sua mão que conheci muito do mundo e da vida. Foi ele que me ensinou a jogar xadrez e a escrever à máquina, que me ensinou a conhecer bem e a amar Lisboa, em grandes passeios a pé pela cidade, que muitas tardes se sentou pacientemente no banco do jardim infantil do Parque Eduardo VII até nos cansarmos de brincar, que me levou à catequese,  à missa na Capela do Rato e à ginástica no Sporting, que me ensinou a rezar e a ter fé e  tantas outras coisas só nossas.
Na lembrança que fica nos outros, na marca que deixam em nós é que as pessoas se "vão da lei da morte libertando". Hoje, agora, só consigo lembrar-me das coisas boas. E, com todos os seus defeitos e singularidades, além da minha vida, uma parte do que hoje sou, devo-a e agradeço-a ao meu pai.  

domingo, 28 de outubro de 2012

Missa Brevis



De João Gil pode esperar-se tudo. Com uma certeza: o que faz, quando faz, é sempre muito bom. É sempre bem feito. Mais que isso. A cada novo projecto, João Gil tem a capacidade de inovar e de surpreender, com o seu enorme talento e o seu génio musical.
Tenho acompanhado o percurso artístico do João Gil nos últimos trinta anos. Trinta e tal. É muito tempo! O João Gil é, sem dúvida, um dos músicos da minha vida e é, além disso, também, uma pessoa de quem gosto muito, simples, afectuosa, próxima, encantadora como muito poucos dos que têm o seu estatuto e notoriedade.
Há tempos, no final do mês de Maio, no lançamento do livro da Helena Sacadura Cabral, encontrei o João Gil, que me falou com entusiamo dos seus novos projectos e também da ideia de fazer uma missa em latim. Arrebitei as orelhas e arregalei os olhos. Pareceu-me estranho e interessante, simultaneamente. Fiquei curiosa....
Na última quinta-feira, cerca de cinco meses depois,  tive o privilégio de assistir ao vivo, no magnífico cenário  da Igreja de S. Roque, à primeira apresentação da Missa Brevis,  álbum de músicas compostas com base em textos litúrgicos, cantadas em latim por aquela que é para mim a mais bonita de todas as vozes - a de Luís Represas -  e também por Manuel Rebelo, num novo grupo chamado Cantate, que conta ainda com Manuel Paulo ao piano e Diana Vinagre no violoncelo.
 E, uma vez mais, fui testemunha de um momento único, intenso, absolutamente arrebatador e que me deixou de lágrimas nos olhos. Só que desta vez foi diferente. Foi ainda mais especial. Por tudo: pelo tempo que vivemos, pela novidade, pela profundidade, pelo sentimento, pela entrega, pela partilha de uma "inquietação" que começa por ser pessoal, mas que é, também, de todos nós.
Já ouvi o Luís Represas cantar em quase todos os contextos e todos os tipos de música, com diferentes acompanhantes e acompanhamentos. Ao som da voz de Luís Represas já experimentei toda a espécie de emoções e sentimentos, já não sei quantas vezes me emocionei, me comovi e arrepiei,  amei, sonhei, chorei, ri, sofri, cantei. Mas desta vez foi uma emoção que nunca experimentara, como se naquele lugar tão marcadamente espiritual, com aquela música, me tivesse apercebido que a arte e a fé têm muito mais em comum do que pode parecer, sobretudo porque, como tão bem explicou João Gil, ambas surgem de uma inquietação e da procura de respostas:  "Se não fosse a inquietação e a interrogação das coisas, não haveria música, arte, não haveria esperança.” 
A Missa Brevis  está à venda a partir de 2 de Novembro e é para ouvir muito, com muita atenção. E para deixar-se levar por aquela excelente música e por aquelas vozes excepcionais. Por mim, resta-me agradecer outra vez ao João Gil e ao Luís Represas por encherem de música a minha vida e com isso contribuirem para eu me sentir imensamente feliz!

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Monstruosidade linguística




Como se não bastasse aquela aberração que dá pelo nome de Acordo Ortográfico, há hoje uma calamidade ainda maior, cujas consequências são incalculáveis e seguramente devastadoras no ensino e na aprendizagem do Português: a imposição  de novos conceitos e termos linguísticos, excessivamente discutíveis e complexos, sobretudo atendendo à faixa etária e ao grau de conhecimentos do público a que se destinam.
Conhecida inicialmente como a nova TLEBS (Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário) deveria ter começado a ser aplicada em 2006/2007, nos 3º 5º e 7º anos de escolaridade. Dada a polémica surgida na altura, que suscitou acesa discussão pública e motivou os mais acalorados debates e artigos de opinião, a TLEBS foi suspensa e substituída depois pelo DT - a sigla, que deveria significar "DemênciaTotal", mas na verdade quer dizer "Dicionário Terminológico" - que  fez algumas (poucas) alterações à TLEBS e entrou em vigor no ensino do Português, perante a passividade e o silêncio generalizados.
O novo Programa de Português do Ensino Básico (PPEB) iniciou-se no ano lectivo de 2011/2012, para os 1.º, 2.º, 5.º e 7.º anos de escolaridade, de acordo com o disposto na Portaria n.º 266/2011, de 14 de Setembro.No presente ano lectivo, os alunos do 1º, 2º, 5º, 7º, 10º 11º e 12º anos estão a estudar os conteúdos gramaticais de acordo com os termos definidos no Dicionário Terminológico, enquanto que os restantes alunos do 3º, 4º, 6, 8º e 9º anos estão ainda a aprender a terminologia definida na gramática tradicional.
É assim que, hoje, se ensina a um aluno do 5º ano, por exemplo, que um ditongo é uma sequência de vogal e semivogal (cujo conceito é extraordinário para crianças de 9 anos) e que os ditongos podem ser crescentes ou decrescentes, consoante a semivogal está antes ou depois da vogal.
E outras barbaridades semelhantes: Os complementos circunstanciais desapareceram e foram substituídos por modificadores, complementos oblíquos e afins. Hoje, um aluno do secundário tem que dizer: "isto é uma oração subordinada adjectiva relativa explicativa", tem de saber os mecanismos de coerência e coesão textual, que incluem coisas tão mirabolantes como catáforas e anáforas, tem de saber classificar os actos ilocutórios e aprender figuras de estilo totalmente abstrusas como zeugma, quiasmo e hipálage, só para dar alguns exemplos. Isto, quando a maior parte dos alunos, mesmo do ensino secundário, tem sérias dificuldades na interpretação de textos e enunciados, dificuldades de expressão oral e escrita e precisa, antes de mais, de aprender a pensar, de desenvolver o espírito crítico e a capacidade de argumentação, de aprender o prazer da leitura e de conhecer os autores de língua portuguesa.
É essencial perceber-se o absurdo da imposição desta terminologia de forma generalizada, em todos os anos e níveis de ensino, quando ela apenas pode interessar os especialistas em Linguística, dado o seu tecnicismo de elevado grau e, mesmo entre eles, não é consensual.
O que se consegue com isto? Confundir os alunos em primeiro lugar e, depois, fazer com que acabem por não saber coisa nenhuma, que aumente o insucesso e, mais grave ainda, que tudo isto contribua para os afastar cada vez  mais da língua, da literatura e da cultura portuguesas.
Afinal, para que serve  a gramática? Para impor uma quantidade de termos de difícil compreensão e reduzida eficácia para a maioria dos falantes da língua, ou para melhorar a competência linguística, para ensinar a reflectir sobre o seu funcionamento, para saber usá-la eficaz e adequadamente, para falar e escrever melhor, para compreender o que se lê?
Todos sabemos que o domínio da língua é a condição básica para a aquisição de qualquer conhecimento.
Insistir nisto é passar ao lado do que deveria ser o essencial na aprendizagem do Português  e pode mesmo, consequentemente, comprometer muitas outras aprendizagens. O fundamental tem que ser: ler, ler, ler; e escrever, escrever, escrever. A gramática deve ser "básica" e ensinada na medida em que possa ajudar a compreender melhor a língua para utilizá-la cada vez mais e melhor. Só isso!
Espanta-me que ninguém fale disto, que os professores obedeçam sem reclamar, que os pais não se queixem, que os responsáveis pelas políticas de educação não se preocupem, que se dê o facto como "consumado", que ninguém se manifeste também ruidosamente em relação a este sério e grave "crime contra a Língua Portuguesa", de que já falava Vasco Graça Moura num artigo publicado pelo DN em Janeiro de 2007, que ninguém grite a plenos pulmões que acabar com esta atrocidade é urgente, imperioso e inadiável. Para bem de todos nós!...

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Talvez


 

Talvez digas um dia o que me queres,
Talvez não queiras afinal dizê-lo,
Talvez passes a mão no meu cabelo,
Talvez eu pense em ti talvez me esperes.

Talvez, sendo isto assim, fosse melhor
Falhar-se o nosso encontro por um triz
Talvez não me afagasses como eu quis,
Talvez não nos soubéssemos de cor.

Mas não sei bem, respostas não mas dês.
Vivo só de murmúrios repetidos,
De enganos de alma e fome dos sentidos,
Talvez seja cruel, talvez, talvez.

Se nada dás, porém, nada te dou
Neste vaivém que sempre nos sustenta,
E se a própria saudade nos inventa,
Não sei talvez quem és mas sei quem sou.
                                               
                                          (Vasco Graça Moura)


Porque há pessoas que passam pela nossa vida e deixam nela a sua marca; porque há pessoas que não conhecemos pessoalmente, mas a quem sentimos que alguma coisa nos liga; por todas as histórias que não chegaram a sê-lo, por todas as promessas de felicidade adiadas, por todos os romances que ficaram por concretizar; por tudo o que quase ia sendo; pelo que poderia ter sido se...; pelos fantasmas que habitam às vezes a nossa cabeça e em certo dias nos enchem o coração... Porque há pessoas que não conseguimos (nem queremos) esquecer...

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Coisas da idade


Num tempo fortemente marcado pela imagem  e pelo mito da eterna juventude, chego à conclusão de que idade traz mais benefícios do que desvantagens. É que, à medida que a vida avança, ganha-se em confiança e sabedoria o que se perde em energia e nas marcas exteriores da passagem do tempo. Aproveita-se melhor a existência. Aprende-se a saboreá-la devagar. E a ter prazer nisso...
Quando somos novos queremos tudo no mesmo momento e só o imediato conta. Depois, enquanto o tempo passa e a nossa história prossegue, percebemos que as coisas melhores da vida são, afinal, muito mais simples do que imaginávamos. Conhecemo-nos melhor, tudo nos parece mais calmo, temos uma sensatez que nos vem do que já experimentámos e que nos dá uma imensa serenidade. A idade faz-nos também mais humildes. Gostamos mais de nós ou, pelo menos, lidamos melhor com o que somos. Até mesmo com as nossas fragilidades. Deixamos de ter medo ou vergonha de soltar as emoções. E, tantas vezes, fazemos só o que nos apetece, sem planear nada, gozando apenas cada momento, lentamente, e em toda a sua plenitude.
Não se trata de conformismo. A inquietação é que é de outro tipo: ir mais além continua a fazer sentido, mas temos maior capacidade de lidar com fraquezas, falhanços e inseguranças, assumir os desejos mais secretos, dominar os medos e ser mais genuinamente nós.
Grande parte da nossa vida é o resultado das escolhas que fazemos e dos encontros que nos vão acontecendo (ou que fazemos acontecer....). Hoje, sei que, se voltasse atrás, teria feito tudo mais ou menos como fiz, com pequenas correcções aqui e ali. Ainda assim, posso dizer que segui o meu sonho, que fiz o que quis fazer e que me acho agora uma pessoa muitíssimo mais interessante do que quando tinha vinte ou trinta anos.
Espero que o tempo me dê tempo para fazer tudo o que ainda me falta fazer...Tanta coisa... E para continuar a querer ser sempre mais e melhor!

sábado, 20 de outubro de 2012

Menos um poeta

 
O pássaro da cabeça

Sou o pássaro que canta
dentro da tua cabeça,
que canta na tua garganta,
que canta onde lhe apeteça.

Sou o pássaro que voa
dentro do teu coração
e do de qualquer pessoa
(mesmo as que julgas que não).

Sou o pássaro da imaginação
que voa até na prisão
e canta por tudo e por nada
mesmo com a boca fechada.

E esta é a canção sem razão
que não serve para mais nada
senão para ser cantada
quando os amigos se vão

e ficas de novo sozinho
na solidão que começa
apenas com o passarinho
dentro da tua cabeça.

                           (Manuel António Pina)

É um dos grandes nomes das letras portuguesas e deixou-nos ontem. Estamos (ainda) mais pobres...

domingo, 14 de outubro de 2012

Açores


 Os Açores estão, hoje, na primeira página da actualidade informativa. Não por razões metereológicas, como costuma acontecer, mas por uma razão política, que é uma razão de peso!
Eu nunca fui aos Açores. Tenho, como quase todos os "continentais", uma relação de proximidade e distância com este arquipélago, como se aquela terra, que sabemos fazer parte de Portugal, fosse também, simultaneamente, uma espécie de "mundo à parte".
Apenas conheço os Açores pelas imagens que vou vendo e, sobretudo, por ouvi-los contar. Em todas as descrições, em tudo o que vejo e ouço, há   sempre referências  ao esplendor de uma paisagem deslumbrante e  de um lugar tranquilo, quase primitivo, (sem conotação pejorativa), marcado pelo silêncio.
Naturalmente, a partir de tudo isto, fui construindo uma imagem mental dos Açores. No meu imaginário, os Açores são verdes, azuis e cinzentos. São prados enormes e verdejantes, com vacas a pastar. E flores. Mas são também brumas mais ou menos misteriosas, um ar húmido e quente,  vidros salpicados pelos pingos da chuva. E mar, muito mar, mar em toda a parte, mar a perder de vista.
Aos Açores associo canções e autores: Peter's do Trovante  "Encontro uma ilha / será maravilha ou tem/ o que ninguém deu (...) "; Nemésio e o seu célebre Mau Tempo no Canal; ou a poesia em tom metafísico e  angustiado de Antero de Quental.
Mas falar dos Açores é também lembrar o famoso anticiclone, responsável pelas variações climáticas, trazendo o sol ou deixando chegar a chuva, consoante  a sua localização. E, desde  2007, os Açores recordam-me ainda um nome próprio, o de um açoriano, não de origem, mas de coração,  a quem me liga uma profunda amizade e por quem nutro especial afecto, uma daquelas raras pessoas que estão perto mesmo quando estão longe e que, inexplicavelmente, parece que conhecemos desde sempre.
O arquipélago dos Açores, referido às vezes como uma "pérola no Atlântico", tantas vezes descrito como um lugar paradisíaco, terá também, certamente, as particularidades de uma sociedade demasiado restrita.  Para mim, os Açores são o verdadeiro paradigma da insularidade, representam um lugar longínquo, perdido em pleno oceano, sempre a meio caminho não se sabe de onde, sempre próximo e distante, que eu quero e não quero desvendar.
E, no entanto, apesar de tudo o que ouço e vejo, tenho a certeza que não gostaria nem seria capaz de viver num lugar assim, porque  a sensação de espaço limitado seria maior que a sensação de liberdade;  e porque sou excessivamente urbana e preciso da agitação da minha Lisboa.
Às vezes penso que um dia que vá aos Açores se quebra a magia que está na minha cabeça. E então, vêem-me à memória estes versos de Fernando Pessoa:

Viajar! Perder países!
(...)
Viajar assim é viagem.
Mas faço-o sem ter de meu
Mais que o sonho da passagem.
O resto é só terra e céu.

sábado, 13 de outubro de 2012

Crise



A crise é enorme, avassaladora, mas também já não se aguenta que não se fale de mais nada...
No meio de tudo isto, valha-nos o bom humor!...
Esta imagem, "roubei-a" no blog da minha querida Helena Sacadura Cabral, que nos dá todos os dias lições de vida que podem fazer de nós melhores pessoas e cuja  boa disposição todos devíamos seguir também :) 

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Margarida



Conhecemo-nos há mais de trinta anos e quase chegámos a fazer parte da mesma família. Hoje, é uma das minhas amigas mais queridas e mais próximas, apesar da distância que nos separa e de, por não vivermos perto uma da outra, estarmos às vezes muito tempo sem nos vermos. Mas isso não altera nada. Quando nos encontramos, é como se nos tivessemos visto na véspera. O que denuncia a ausência é só o facto de não conseguirmos calar-nos e ficarmos sempre horas e horas a "pôr a conversa em dia". E, às vezes, muitas vezes, isso pode levar quase uma noite inteira. É que entre nós os assuntos nunca acabam, nem se esgotam. 
Somos muito diferentes e, no entanto, temos muito em comum, mil e uma histórias  de acontecimentos que já vivemos em conjunto, de piadas que só nós entendemos, de cumplicidades várias que se foram criando com o tempo. Sabemos tudo uma da outra. Quase tudo, se exceptuarmos aquela parte de secretismo que nunca se revela a ninguém. E conseguimos entender-nos, também, sem precisar de palavras, porque  já fazemos parte da história uma da outra e porque o que já vivemos, de bom e de mau, de alegria e de tristeza, nos tornou mais sábias, mais serenas e ainda mais amigas.
A Margarida é uma daquelas raras pessoas que pode estar longe da  vista, mas que está sempre colada ao coração.
Hoje faz hoje anos. Em nome da nossa velha e enorme amizade e de tantas memórias de todos estes anos, aqui fica uma canção que tem para nós um significado especial: Les copains d'abord!

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

De volta ao trabalho


Hoje regresso ao meu quotidiano de dossiers e recursos hierárquicos, de decretos-lei e portarias, entre papéis, toques de telefones e muitas vozes, conversas que se entrecruzam e  quase se confundem, todo o dia sentada diante do computador, junto a uma janela por onde vejo apenas uma nesga de céu.
Recomeça a rotina de levantar cedo, dos transportes e do trânsito, de picar o ponto, entrada/saída (verde ou vermelho, código, ok e impressão digital), elevador para o 9º andar, até ao meu canto onde tantas vezes consigo abstrair-me do que está à minha volta e ficar   longe do mundo, exclusivamente concentrada no que me ocupa no momento, ou então, com apenas um clic, trazer o mundo outra vez até mim, mesmo que seja só virtualmente. É que, de vez em quando, também preciso de desanuviar um pouco e, nesse caso, já que me está vedado o  acesso ao facebook, resta-me o chat do gmail  e os blogues que vou seguindo, para mudar um bocadinho de assunto e arejar as ideias.
Depois de uns maravilhosos dez dias de férias, volto revigorada e cheia de força para me entregar ao trabalho. Mais uma semana de férias sabia bem? Pois sim, naturalmente! Mas não me queixo de nada, sobretudo desde que estou fora da escola e posso ir distribuindo os dias de férias ao longo do ano, ao sabor da minha vontade.  Foi assim que, este ano, em Março revisitei Paris, onde sempre me apetece voltar, em Abril pude  apreciar de perto a chegada da Primavera, em Junho desfrutar longamente da minha Lisboa em festa e, agora, deslumbrar-me com os cheiros e as cores do Outono. Para tudo ser perfeito, faltou-me Espanha e em especial ir ao Rocío, que é também um lugar de visita obrigatória, onde sinto necessidade de ir pelo menos uma vez no ano, porque só naquele silêncio e na mágica paz da marisma encontro o recolhimento necessário para me (re)encontrar com o mais fundo de mim.
Ainda assim, foi tudo tão bom que não me custa nada recomeçar, sabe-me bem a alternância entre os prazeres da preguiça e a azáfama da vida activa, gosto do que faço e das mil e uma coisas que, mais ou menos apressadamente, vão preenchendo os meus dias.

Amar a vida



Estou farta de ouvir falar da crise. Eu sei que há pessoas a viver situações verdadeiramente difíceis e mesmo dramáticas. Claro que tudo é relativo, mas no fundo todos sentimos, de forma mais ou menos acentuada, as sucessivas medidas de austeridade. As que já chegaram e as que estão para vir. Eu também. Tenho emprego, graças a Deus, mas sou funcionária pública, sempre ganhei mal e é-me cada vez mais complicado cumprir todas as obrigações, pagar tudo o que é preciso pagar e continuar a viver satisfatoriamente. Só que detesto falar nisso.
E depois, sou uma optimista, estou habituada a viver com pouco e fui educada no princípio de há coisas muito mais importantes do que o dinheiro. Obviamente, nunca fiz nem metade das viagens que queria ter feito e gostaria de ter coisas que nunca tive e que, provavelmente, nunca terei. Como toda a gente, às vezes também me irrito com coisas ou pessoas com as quais não vale a pena aborrecer-me e enervo-me para lá do razoável.
E, no entanto, apesar da crise e das pequenas questões de cada dia, não posso deixar de me sentir uma privilegiada e de achar que a vida é maravilhosa. Por isso, não consigo sentir-me deprimida e continuo a ter esperança e a acreditar que um dia tudo vai ser melhor.
Vem isto tudo, também, a propósito de uma notícia que marcou os últimos dias  e de Margarida Marante, cuja morte me impressionou. A morte parece-nos sempre de certo modo prematura. Morrer cedo impressiona mais, apesar de estranhamente, ou talvez não, ter achado que se falou pouco nela. Era uma figura controversa, descrita muitas vezes como arrogante e de difícil trato, gerando consensos e unanimidades apenas no que dizia respeito à sua inteligência e profissionalismo. 
O texto mais bonito que li sobre a Margarida, publicado hoje no DN e assinado por Nuno Azinheira,  dizia que Margarida Marante foi "vítima da suas próprias escolhas" e que, na realidade, não nos deixou na 6ª feira, mas em 2001, quando abandonou a televisão.
"As fotos e as imagens que vimos de Margarida Marante nos últimos anos eram chocantes. (...) Porque nos colocaram perante a evidência das fragilidades da condição humana, porque nos deram dela a imagem diametralmente oposta daquela que vimos durante tantos anos: séria, competente e frontal." Marcou uma época e, de alguma maneira, marcou-nos a todos.
Mas um dia o coração pára. E, por isso, esqueçamos um pouco a crise e centremos mais  a nossa atenção e energia nas coisas boas da vida: a saúde em primeiro lugar, o amor, a mudança das estações, o sol e o mar, as cores do mundo, a companhia das pessoas de quem gostamos e tantas, tantas outras coisas, que fazem da vida uma maravilhosa dádiva de amor, e que temos de saber aproveitar ao máximo!

Eu sei, eu sei
Que a vida devia ser
Bem melhor e será
Mas isso não impede
Que eu repita
É bonita, é bonita
E é bonita...             
(O que é o que é, de Gonzaguinha)

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Regresso ao passado




Vagueando por Lisboa em tempo de férias, passei hoje na minha primeira escola. E, levada por não sei que impulso, resolvi entrar. Foi como se tivesse voltado atrás no tempo.
Foram alguns minutos de emoção, durante os quais revivi, subitamente,  muitas memórias da minha infância. Voltei a ouvir a algazarra das vozes e o som da  campainha, a sentir o cheiro dos cadernos novos, misturado com as aparas dos lápis e do saquinho da merenda dentro da pasta, a repetir mentalmente os poemas que sei de cor até hoje: "Batem leve, levemente, como quem chama por mim...", a relembrar imagens da menina que eu era então e mil lembranças de um tempo já muito distante, mas que deixou em mim marcas profundas e recordações que me têm acompanhado a vida toda.
Ainda são as mesmas escadas, o mesmo corredor no rés-do-chão, onde ficava a minha sala de aula, na segunda porta à esquerda. A sala de professores ainda é no mesmo sítio. E até a campainha soa ainda da mesma maneira.
O que mais me impressionou, no entanto, foi o pátio, que já não tem o ar austero de outros tempos, nem as velhas arcadas onde nos abrigávamos da chuva e em cujas grossas colunas jogávamos às escondidas. O pátio tem agora cores e desenhos, é talvez mais incaracterístico, mas é também a prova de que aquele tempo, que eu trago na memória, é um tempo que já passou.
Neste lugar, que na época me parecia tão grande e hoje vi muito mais pequeno , fui feliz e infeliz.
Lembro-me do primeiro dia,  do meu ar tímido e atrapalhado, de não saber o que fazer quando ouvi chamar  o meu nome em voz alta. E de como a professora nos ensinou, no primeiro dia de aulas, a desenhar as vogais no ar. Lembro-me do que chorei, dias a fio, por me sentir sozinha e abandonada, perdida no meio de tanta gente que não conhecia de lado nenhum.
E depois como, pouco a pouco,  me fui afeiçoando ao carinho da professora, D. Esmeralda, que não gritava nem batia, que sabia ser doce e  que foi, sem o saber, uma das figuras marcantes da minha vida. Nunca mais a vi, não sei o que foi feito dela, mas os seus traços permanecem nítidos na minha memória, assim como a sua enorme alegria e a ternura com que me deixava sentar no seu colo, quando me sentia triste.
Lembro-me do meu orgulho quando ela lia em voz alta as minhas redacções e as dava como exemplo e como, com ela, fui aprendendo, subtil e lentamente, o prazer da leitura e da escrita. Foi ela que me fez perceber que a escola era uma janela aberta para o mundo e podia ser um lugar de felicidade.
Essa D. Esmeralda, de quem guardo até hoje  uma muito terna recordação, mostrou-me, com o seu exemplo, que são os bons professores que fazem as boas escolas e terá sido, para mim, entre muitas outras coisas, uma inspiração. Não sei se por causa dela, ou por causa do destino, foi aqui que a minha ligação à escola se fez definitiva. Mas, naqueles anos de inocência, não imaginava nem por um segundo que a escola viria a estar, de certo modo, no centro da minha vida. Para sempre!  

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Música




Quem nunca amou, quem nunca chorou, ou sonhou, se riu e se comoveu ao som de uma música qualquer? A música ocupa um lugar central nas nossas vidas e acompanha todos os grandes momentos da nossa existência. E os pequenos também. Às vezes nem damos por ela, outras vezes sentimos-lhe a falta, um pouco como a certeza doce e terna de termos na nossa vida as pessoas que amamos, e de nos habituarmos a isso a ponto de quase não darmos  pela enorme importância que têm para nós.
O que seria da nós sem essa musicalidade que combina sons e silêncio, sem essa forma de expressão,  que é também uma arte, que está para além das palavras e acima delas, que assume particular importância quando alguma coisa dentro de nós nos aperta o coração, alguma coisa que não se consegue dizer, mas também não pode calar-se. A música é essa  voz sem palavras, que nos permite exprimir-nos e comunicar quando as palavras não chegam, que transmite felicidade, ausência, saudade, tristeza, desespero, alegria e tantas outras emoções.
Hoje é dia mundial da música. Eu detesto os "dias de".... Mas, hoje, abro uma excepção!
Se há coisas que lamento, uma delas será certamente não ter aprendido música, porque conhecê-la a fundo é, julgo eu,  tão importante como saber ler e escrever. Resta-me, por isso, agradecer a todos os músicos de todos os géneros e de todos os tempos essa maravilha que "imita o movimento da alma", segundo Platão. É que, afinal, "no peito dos desafinados também bate um coração"...