Há treze anos, este foi um dia triste. Era uma sexta-feira. Eu não tinha aulas às sextas-feiras. Mas andava a aprender espanhol. Quando regressei do Instituto Cervantes, deviam ser umas oito e meia, um telefonema da minha irmã com aquela notícia que nunca se quer receber e a certeza dolorosa de que, afinal, as pessoas de quem gostamos não são imortais. Sabemo-lo, mas no fundo do coração temos uma secreta esperança de que possam ficar connosco para sempre. É talvez por isso que nunca estamos preparados para uma notícia assim...
Tenho recordações um pouco difusas do que se passou a seguir. Sei que nessa noite dormi mal. Lembro-me, sobretudo, da enorme sensação de solidão e desamparo que nada, nem niguém, parecia poder atenuar.
Depois, durante algum tempo, não sei já quanto, senti-lhe a falta com maior ou menor intensidade. Arrependi-me um bocadinho de não ter sabido aproveitar melhor o tempo que a vida nos dera para estarmos juntos. De tanta coisa que entre nós tinha ficado por dizer. E espantei-me de sentir uma mágoa assim tão funda, como se, de repente, tivesse perdido as referências e a própria vida tivesse ficado de certo modo diminuída, como se algo se tivesse apagado definitivamente.
A nossa relação não havia sido sempre simples, nem pacífica. Distante, conservador, lunático, pouco dado a manifestações de carinho, gostava pouco de beijos e abraços e, que me lembre, era raro sentar-me no seu colo. Às vezes, até parecia que estava ali sem estar. Em algumas ocasiões, feita tonta, cheguei a duvidar de que gostasse de mim...
Mas o tempo é um aliado bom e volta a colocar tudo no seus lugares. À distância de todos estes anos, reconheço agora que nos amava profundamente, embora tivesse sido educado no pudor dos afectos. E, de vez em quando, vêm-me à memória pequenos episódios do passado e recordo mil e uma histórias que vivemos juntos, mas às quais não demos, no momento em que aconteceram, qualquer importância ou valor.
Ainda assim, foi pela sua mão que conheci muito do mundo e da vida. Foi ele que me ensinou a jogar xadrez e a escrever à máquina, que me ensinou a conhecer bem e a amar Lisboa, em grandes passeios a pé pela cidade, que muitas tardes se sentou pacientemente no banco do jardim infantil do Parque Eduardo VII até nos cansarmos de brincar, que me levou à catequese, à missa na Capela do Rato e à ginástica no Sporting, que me ensinou a rezar e a ter fé e tantas outras coisas só nossas.
Na lembrança que fica nos outros, na marca que deixam em nós é que as pessoas se "vão da lei da morte libertando". Hoje, agora, só consigo lembrar-me das coisas boas. E, com todos os seus defeitos e singularidades, além da minha vida, uma parte do que hoje sou, devo-a e agradeço-a ao meu pai.