Encontrei o texto por acaso nas redes sociais. Tem um título que pode à partida parecer um pouco impiedoso, quase cruel: "Meu filho, você não merece nada". Foi escrito por
Eliane Brum, uma brasileira, jornalista e escritora, que colabora também no
El País. E dá que pensar.
Apesar de só agora ter tido dele conhecimento, foi escrito em 2011. No entanto, nem por isso perdeu actualidade e constitui um interessante e muito realista retrato das novas gerações e do modo como são educadas, isto é: mais ou menos preparadas do ponto de vista das habilidades e das tecnologias, mas incapazes de lidar com a frustração, o risco, o esforço e a ideia de "criar a partir da dor", a inércia cada vez maior em "fazer-se à vida", uma visão do mundo baseada no princípio de que têm todos os direitos e nenhuns deveres, o que explica, entre muitas outras coisas, o drama que são hoje os "trabalhos de casa", por exemplo, a proliferação de "centros de explicações" e todas as consequências nefastas que daí advêm, a permanência na casa dos pais até perto dos trinta ou para além disso, a emigração vista como uma fatalidade, a má educação e a falta de civismo crescentes, que quem como eu lida com tudo isto diariamente tão bem conhece.
Aqui ficam apenas alguns excertos. Para quem quiser ler o texto inteiro, também pode fazê-lo
aqui:
"Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. (...) Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos - bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.
(...)
Tenho-me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas, onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece - porque obviamente não acontece - sentem-se traídos, revoltam-se com a "injustiça" e boa parte (...) desiste.
(...) foram crianças e jovens que ganharam tudo sem ter de lutar por quase nada de relevante, que desconhecem que a vida é construção. (...)
A nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam "felizes". Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos (...) sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade.
É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinónimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites da sua condição humana tanto como com os das suas capacidades individuais?
Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está está no dom, naquilo que já nasce pronto. (...) Ter de dar duro para conquistar alguma coisa parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. (...)
Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia, uma espécie de traição ao futuro que devia estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez esteja aí uma pista para compreender a geração do "eu mereço".
Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais lhes tinham prometido. (...) possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer. (...)
Se os filhos têm o direito de ser felizes simplesmente porque existem - e aos pais caberia garantir esse direito - que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir.
Aos filhos cabe fingir felicidade - e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar - e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele. (...)
Assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem (...) se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande.
Seria muito bacana que os pais de hoje entendessem que tão importante como uma boa escola, um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: "Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua". (...)
Crescer é compreender que o facto de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado, porque um dia ela acaba.