sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Uma rentrée diferente



Chega Setembro e é todos os anos mais ou menos igual. Para mim, como julgo que será para quase todos os que levam a vida inteira ligados à escola, é no início de Setembro e não de Janeiro que começa um novo ano.
Setembro é assim, em cada ano, uma mistura de sentimentos: a melancolia do fim das férias de Verão e o entusiasmo de poder voltar ao princípio, as expectativas e boas intenções  diante de um novo (re)começo, com tudo o que isso tem de novidade, de esperança e de promessa de melhorias várias. Sempre gostei dos tons e dos cheiros do Outono, de regressar à escola, dos livros e dos cadernos novos, tudo pronto para estrear.
Mas este será um início de ano diferente dos outros, porque desta vez não volto à escola, embora continue perto dela. E às vezes faz-me falta, outras vezes não me faz falta nenhuma; e vou aproveitando esta tranquilidade, que também tem papéis e canetas e computadores e fotocópias, mas não tem vozes, nem gritos, nem campainhas, nem correrias, nem grelhas, nem testes, nem exames, nem reuniões, nem stress.
Por isso, este ano, na passagem de Agosto para Setembro, não há aquela vertigem da abertura do ano, o nervoso miudinho do novo horário e do primeiro dia, e de tudo o que é prazer e ansiedade, temor e novidade, expectativa e ilusão. Agora é tudo muito mais calmo, e a não ser no trânsito outra vez mais caótico e no movimento das ruas e dos lugares, quase não se dá pela rentrée que, nesta minha "nova" vida, perde sentido e impacto.
Mas não me queixo... Faltam dois dias para começar mais um ano e, daqui a nada, vou de férias outra vez.

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

De boas intenções...


Que me perdoem os intelectuais que consideram que qualquer filme de autor é quase obrigatoriamente uma obra-prima. Pois eu não gostei nada do último filme de  Quentin Tarantino, "Once  upon a time in Hollywood", que nem Brad Pitt, Leonardo Dicaprio e Al Pacino conseguem, na minha opinião, salvar, ou tornar sequer minimamente interessante. Na verdade, destes três actores, apenas do último gosto deveras. 
Situado no universo de Hollywood do final dos anos 60, centrado num actor fictício, Rick Dalton, antiga estrela de séries televisivas, sem futuro promissor, e na inabalável amizade com o seu duplo, Cliff Booth, toda a acção decorre em tom de desencanto com alguns toques de humor, mistura realidade e ficção, e reinterpreta o assassinato de Sharon Tate de uma forma de certo modo singular e mesmo algo desconcertante. 
Mas, ainda assim, e pese embora os elogios que já ouvi sobre ele, o filme pareceu-me demasiado longo - cento e cinquenta e nove penosos minutos -, demasiado violento e, no geral, monótono e pouco conseguido. Enfim, uma seca...
Longe vão os tempos de Pulp Fiction (e já passaram 25 anos); poderá, até, ter tido muito boas intenções na ideia original; poderá ser muito conhecedor dos meandros do cinema, mas, desta vez, Quentin Tarantino não me convence.

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Síndrome de Estocolmo


Ethan Hawke tem um nome que eu não consigo pronunciar, mas está há muito na lista dos meus actores preferidos, como já disse aqui, daqueles que fazem qualquer filme valer a pena. 
É um pouco o que se passa com "Síndrome de Estocolmo", o filme de Robert Budreau, que relata, com alguns contornos ficcionais, decerto, a história que deu origem ao conceito: o assalto ao Kreditbanken de Estocolmo, em Agosto de 1973, no qual as vítimas mostraram particular empatia com os agressores durante os seis dias em que decorreu o sequestro e mesmo posteriormente. 
Esta identificação afectiva e emocional entre "agressor" e "agredido" é, neste caso, muito conseguida pela performance dos principais protagonistas - Ethan Hawke e Noomi Rapace - que é o que valoriza o filme que, além disso, não surpreende nem entusiasma excessivamente, para além de ter Bob Dylan como música de fundo, o que é sempre agradável. 
E, a  mim, deu-me também vontade de ir visitar Estocolmo, que ainda não conheço.

terça-feira, 13 de agosto de 2019

Lisboa em Agosto



Este ano pude enfim "fugir" às tradicionais férias em Agosto, usufruindo da paz de outras épocas em que tudo é mais calmo e um pouco mais despovoado; mas não deixa de ser estranho estar a trabalhar quando toda a gente está "a banhos", ou passeando por aqui e ali...
Houve uma época em que Lisboa ficava praticamente deserta neste mês, tudo parava ou abrandava o ritmo de forma drástica, e era quase como se a própria vida se suspendesse durante alguns dias. Agora já não é bem assim. Entre os turistas cada vez mais numerosos e os que optam por ficar em vez de partir, Lisboa não fica vazia como outrora, mas é uma cidade mais lenta do que no resto do ano, onde  tudo se faz sem pressa, numa inevitável preguiça que a torna mais tranquila e apetecível, com menos trânsito e menos movimento nas ruas.
No metro, somos agora poucos os que todas as manhãs nos dirigimos ao trabalho, quase sempre os mesmos, rostos simultaneamente estranhos e familiares, que não me canso de observar e a quem tento adivinhar as existências a partir das indumentárias e dos comportamentos, no curto espaço de quatro estações que separa os meus lugares de origem e de destino: há a senhora sem cabelo, originado sabe-se lá por que mal, a que tem uma pulseira de conchas no tornozelo, possível reminiscência de umas férias junto ao mar, o rapaz alto, muito arrumado e penteadinho, todos de nariz enfiado no écran do telemóvel, de auscultadores nos ouvidos, rindo sozinhos ou trocando mensagens, cada vez mais alheios ao que se passa à sua volta.
A Lisboa de Agosto é uma outra Lisboa, sem o alvoroço do costume, mais exclusiva e silenciosa, mas não menos encantadora, onde é possível, sobretudo ao fim de semana, ouvir o canto dos pássaros e os nossos passos na calçada quase sem ninguém.
A partir do dia 15, que já está próximo, Lisboa voltará a encher-se pouco a pouco de veraneantes recém-chegados, até retomar a agitação e vivacidade habituais, com a chegada de Setembro, do Outono e da rentrée.
Quem me conhece, sabe da minha inegável e assolapada paixão pelas cidades, do fascínio que têm sobre mim a singularidade e a magia de cada uma delas, os ruídos e os silêncios, a luz, as cores e os cheiros,  o amanhecer e o entardecer, aquela espécie de "alma" que as torna únicas. E Lisboa, então, amo-a mais que qualquer outra, por ser berço, colo e casa;  por sabê-la de cor e continuar a encantar-me e a seduzir-me sempre, como se tivesse acabado de a conhecer; por querê-la seja lá como for, até nos seus defeitos e imperfeições. Como as pessoas...

terça-feira, 6 de agosto de 2019

O que permanece


Não havia volta a dar. Aquele era um amor que tinha vindo para ficar, imune à passagem do tempo, às desavenças e às desilusões e que, pelo contrário, se ia afincando e tornando mais cúmplice e imprescindível com os anos, mesmo se diferente, amadurecido ou até desgastado aqui e ali pela rotina.
Já nem sabia quantos anos tinham passado. Só tinha a certeza que nunca nenhum outro amor, de antes ou de depois, a marcara de forma tão profunda, para lá dos limites da vida real, para lá de todas as palavras e de todos os silêncios, como uma condenação que era redenção, prazer e mágoa, desilusão e felicidade, desejo imoderado e incerto, proximidade e distância, princípio e fim.
Parecia até uma "ironia do destino": nunca acreditara no "para sempre"; bastava-lhe o aqui e o agora  de todas as vezes que, sem querer, se haviam ido somando, de todos os momentos de partilhas de todo o tipo, de risos e de segredos vividos a dois, que mais ninguém sabia ou poderia entender, e que incluíam o sabor amargo de todos  os dias e noites de saudade sem tamanho, de distâncias e esperas, de dor e de lágrimas silenciosas, de mágoas e de desalentos, que também tinham construido aquela história, tão simples e bonita e,  ao mesmo tempo, tão incompreensível e surpreendente.
Com ela aprendera que há muita coisa que não se percebe nem explica; e que há amores que, mesmo se mudam, permanecem resistentes às contrariedades de ser e estar, e são luz, felicidade, e o mundo inteiro.
Era uma história muito antiga, feita de desencontros e de felicidade, de caminhos sinuosos, de palavras duras e de gestos ternos, muitos dias e anos depois do arrepio do primeiro instante que o tempo fora confirmando e alterando devagar,  excepto nos momentos em que, esquecidos de tudo, se entregavam e se demoravam no prazer de estar juntos, de se conhecerem de cor e de saber que se tinham um ao outro nas grandes e pequenas coisas, e se enterneciam com o laço tão forte que se lhes tinha atado ao peito e os impedia de soltar-se ou de esquecer-se.
E enquanto pensava tudo isso, na sua cabeça ia-se repetindo, vezes sem fim, aquela canção que ouvira recentemente e de que gostava tanto:

Si me das a elegir entre tú y la riqueza
Con esa grandeza que lleva consigo
Ay, amor, me quedo contigo

Me enamora'o
Y te quiero y te quiero
Solo deseo estar a tu la'o
Soñar con tus ojos
besarte los labios
Sentirme en tus brazos
Que soy muy feliz