Para o bem e para o mal somos sempre marcados por quem nos dá a vida. São os primeiros braços que nos abraçam e embalam, o colo que nos aconchega, a voz e o olhar que nos ensinam o mundo e guiam o caminho. Habituamo-nos assim a um amor e apoio incondicionais e a um presença forte e serena, que julgamos poder durar para sempre, sem sequer pensar nisso.
Depois desentendemo-nos e discordamos, porque também há uma idade própria de ser assim.
Mas hoje sei a quem devo a maior parte do que sou, sei da honra e da dignidade a sobrepor-se aos inevitáveis erros a que ninguém escapa, porque somos humanos, falhamos e sofremos; sei da coragem de optar pela generosidade e a alegria, quando teria sido bem mais fácil cruzar os braços e desistir, ou escolher o caminho da amargura e do cansaço. Foi no bom humor, no riso e na limpidez dos seus olhos verdes que aprendi o lado bom de todas as coisas; e herdei essa vontade imensa de aceitar e aproveitar muito bem o que nos chega, como o que fazemos chegar.
Aos noventa anos, mesmo quando se é apenas uma sombra do que se foi um dia, perde-se a pose, o corpo verga-se, provavelmente sobram poucas memórias de um percurso muito longo e muito cheio, mas fica tudo o que se construiu e o reflexo do efeito que se provocou nos outros.
Perdem-se os gestos e as palavras, mas ficam as emoções e os afectos, que transparecem ainda em olhares cúmplices e silenciosos, em risos fortuitos, em esboços de mimos, em prazeres simples e antigos: nas mãos que se tocam e se apertam, na delícia de saborear uma madalena, e em tudo aquilo que ainda nos mantém junto dos que amamos. E até talvez felizes...
Chegar aos noventa é só mais uma vitória. Por isso, se pudesse, hoje, coroava-a rainha. E concedia-lhe o dom da infinitude.
(Este texto foi escrito há exactamente seis anos. E hoje, quando por quinze dias já não chegou aos 96, decido republicá-lo, porque continua a ser inteiramente verdade e porque, mesmo se já não podemos abraçar-nos e rir-nos juntas, no meu coração o nosso amor será sempre infinito).
Deixo um abraço, Isabel.
ResponderEliminarObrigada Luísa. Um beijinho
EliminarLindo o seu texto, Isabel.
ResponderEliminarEmocionei-me, porque também já vivi essa dor.
Aceite um beijinho.
Mª Amélia
Muito obrigada, Maria Amélia. Um beijinho para si também.
EliminarO meu abraço.
ResponderEliminarMaria Maia
Muito obrigada Maria. Um beijinho
EliminarRevi-me nas tuas palavras, minha querida amiga. As mães são o nosso porto seguro, mesmo que só consigamos falar-lhes com o coração. Um beijinho
ResponderEliminarPor norma não publico comentários anónimos. Abri aqui uma excepção, por ser um comentário simpático e de uma pessoa que aparentemente me conhece, visto que me trata por tu. Só não percebo por que razão não se identifica...
EliminarObrigada, "anónimo"