quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Um interminável e acalmante silêncio

É sempre em silêncio e em solidão que se "curam" os desgostos, que se saram as feridas, que se vai gerindo a dor, deixando que ela se agudize ou se atenue, consoante os dias, os momentos, as circunstâncias de todo o tipo.

E mesmo quem, como eu, não tem o culto dos mortos no sentido mais tradicional, quem não se revê em visitas a cemitérios, missas "em memória de", ou gestos similares, e acha que é nas recordações que nos enchem o pensamento e o coração que melhor vivem os que já não temos fisicamente connosco, pode em instantes fugazes encontrar nesse silêncio infinito uma apaziguante  serenidade.

Que complexo é afinal o processo de luto, até quando ele se vive em aparente tranquilidade. A mim sempre me impressionaram todos os rituais associados ao fim da vida, sempre me incomodaram os cemitérios, lugares tristes e um pouco sinistros, metáforas maiores da efemeridade e da finitude.  Não é, definitivamente, nestes espaços que me sinto mais próxima de quem já não está, porque sempre achei que é em vida que se dão todos os mimos possíveis e que a melhor homenagem que se pode fazer é lembrar com ternura e emoção todas as histórias e risos, abraços e olhares, palavras e gestos que nos chegam do fundo da memória, através de um cheiro ou de um objecto, de um lugar, de uma palavra, de uma ideia, de uma canção.

Mas se um dia, de repente, contrariando tudo aquilo em que acreditamos, nos apetece sem qualquer razão concreta ir a um desses lugares, então há que ir, mesmo que seja só porque sim, deixar-se envolver pelo silêncio e apenas estar. É que quando a saudade aperta, por mais que nos congratulemos com o tempo que tivemos para estar juntos, todas as hipóteses são legítimas para os continuar a sentir perto de nós e com isso sermos, também, mais fortes e mais capazes de "seguir caminho".

(...) Sentados nele descansamos, escapamos por momentos do frenesim confuso, abrimo-nos ao silêncio e à contemplação ou simplesmente espreguiçamo-nos ao sol, de olhos fechados, a sentir o odor de um tempo reencontrado. Visto de um banco de jardim, o mundo parece ganhar uma fisionomia diferente. Abraçamos margens esquecidas da vida, escutamos zonas periféricas, mas necessárias, olhamos o colorido de outras vozes. E percebemos que a alegria se aproxima de nós como uma folha trazida pelo vento.

(José Tolentino de Mendonça, O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas)

2 comentários:

  1. Bonito este seu texto , Isabel. Conheço bem a dor de perder quem se ama. Queiramos ou não, e porque a saudade dói a vida não volta a sorrir como antes.

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    1. Obrigada, Maria Amélia. É verdade, mas também creio que continuar a vida como se eles continuassem connosco é a melhor forma de os homenagear, porque no fundo continuam, só que de maneira diferente. 🙂

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