terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Poluição Sonora

 


É muitíssimo irritante esta moda, que se tem vindo a expandir ultimamente de maneira quase insuportável, dos "artistas" de rua que se colocam em tudo quanto é esquina, e preferencialmente junto a cafés e esplanadas, a massacra-nos os ouvidos com vozes mais ou menos afinadas e performances instrumentais de qualidade duvidosa, tudo, em geral, agravado ainda pela utilização de um microfone e de um amplificador, que tornam impossível qualquer tentativa de conversa.

Em certos locais de Lisboa, a situação já ultrapassa todos os limites; e no Porto, segundo pude perceber há pouco mais de uma semana, não é muito diferente. 

Percebo que esta seja uma forma fácil de angariar algum dinheiro, mas também me parece uma falta de respeito por quem está numa esplanada partir do princípio que quem ali está quer ouvir aquela ou outra música qualquer e esperar que ainda pague por isso. No fundo, não é mais que um exemplo de poluição sonora, que se tem vindo a expandir de maneira exaustiva e inaceitável.

Na  mesma linha estão as lojas, certos restaurantes, as chamadas telefónicas que nos deixam em espera, ou até alguns elevadores que têm uma exasperante "música de fundo" em volume mais ou menos potente, que não é mais do que ruído e é, por isso,  absolutamente desnecessária.

Será que ninguém explica a esta gente que o silêncio também é bom e que a sua existência, muitas vezes, se agradece?

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Centenário


É um dos meus poetas portugueses preferidos desde que, no Liceu, há muitos anos, um excelente professor de Português mo deu a conhecer. E apaixonei-me para sempre por este poeta cuja escrita límpida e o domínio da palavra  exacta sempre me emocionam, responsável, em parte, com Vergílio Ferreira, que descobri pela mesma altura, pela minha opção de estudar Literatura.
Eugénio de Andrade faria hoje cem anos e, apesar de eu não ser muito dada a efemérides, essa é, parece-me,  uma data a assinalar e a ocasião de voltar, uma vez mais, às suas palavras:

Os Amigos

Os amigos amei
despido de ternura fatigada;
uns iam, outros vinham,
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha, 
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria -
por mais amarga.

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Rainha(s)



No momento em que o mundo está suspenso do que se vai passar com a Rainha de Inglaterra nas próximas horas e em que se supõe que o momento do fim está prestes a chegar, não posso deixar de pensar numa outra "rainha" e no tanto que ambas têm em comum, para além de serem da mesma geração e detentoras de uma longevidade que as levou até escassos quatro ou cinco anos de cumprir cem. Uma proeza!
Claro que uma é conhecida e admirada pelo mundo inteiro e a outra é "rainha" num círculo muito mais restrito de quem a conheceu de perto e, principalmente, continua a ser rainha para mim, no fundo meu coração e em todas as  memórias do que vivemos juntas. Claro que uma é nobre e outra é plebeia, mas têm, na verdade,  muito mais em comum do que pode parecer à primeira vista: as duas são exemplos de coragem e de resistência, de força, de generosidade e de bom humor. E por isso deixam uma marca indelével, cada uma na sua dimensão.
Sei muito bem como se vivem estas horas de agonia: sei da aflição de querer estar perto e de tentar de alguma maneira atenuar o sofrimento; sei da impotência de ter a noção que não se pode fazer nada a não ser estar ali; sei da tristeza imensa de pressentir que vamos ter que nos separar sem saber quando é que isso vai acontecer de facto; e de querer por todas as formas mostrar ainda que o amor que nos une é mais forte que tudo.
E também sei como é o que vem depois. Sei como a saudade e a tristeza nos invadem em certas horas e dias; sei da doçura das recordações do que fez a nossa história, sei da preocupação de querer fazer sempre exactamente o que ela gostaria que fizéssemos sem perdermos a nossa individualidade, e do orgulho de termos podido viver tanto tempo em conjunto.
E por mais dolorosas que sejam estas horas finais, o sentimento mais reconfortante que fica connosco todos os dias da nossa vida é que quem foi rainha um dia será, para nós, rainha para sempre.

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Deliciosamente terno


Um filme que se chama no original Le Temps des Secrets e cujo título título em português se transforma  em "O Meu Verão na Provença" já faz prever uma tradução desastrosa. De facto, para quem, como eu, ouve o original, mas vai passando os olhos nas legendas depara-se com pérolas destas: gibier aparece traduzido como "jogos", quando na realidade deveria ser "caça", que não tem nada a ver e nem no contexto faria sentido, pois tratava-se de montar armadilhas para caçar pássaros. Ou a expressão sauve-toi!, traduzida por "salva-te!", quando na verdade deveria ser "pira-te!" ou "desaparece"! Uma anedota total, pois, e todo um espectáculo de ignorância e de incompetência, que me parece totalmente inadmissível.
O filme, realizado por Christophe Barretier (o mesmo de Les Choristes, 2004) é a adaptação da obra homónima de Marcel Pagnol, terceiro volume das suas recordações de infância e adolescência, situado em termos de espaço e tempo no ambiente campestre das férias de Verão na Provence, nos anos 1905-1906. Trata-se de um retrato doce e melancólico, delicioso e divertido, que nos leva também até às nossas memórias mais remotas, tudo embrulhado de ingenuidade, ternura, cuidado e emoção, que nos faz sentir implicados na narrativa simples e despreocupada  e sonhar diante de magníficas paisagens luminosas e soalheiras e das casas com portadas cor d'azur, tão típicas da Provence.
Não é um filme imperdível, mas mesmo sendo um pouco suspeita, porque França me apaixona e gosto muito de cinema francês, acho que vale a pena vê-lo (ignorando as legendas, naturalmente...)

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

A voz

Impossível deixar passar esta data. Mesmo se o entusiasmo bloguístico esmoreceu muito nos últimos tempos; mesmo se já escrevi inúmeros textos,  - mais de dez -, sobre o assunto, e em particular sobre este dia "histórico" de 4 de agosto.

Mas há coisas que não podem explicar-se.  Por isso não encontro as palavras certas para dizer o efeito que esta voz tem em mim desde que, há muitos anos, a ouvi pela primeira vez. E na vida só encontrei, bem mais recentemente, outra voz capaz de me enamorar, de me embalar e de me emocionar tanto, companhia  de todos os dias, sejam eles mais felizes ou mais sombrios, como uma luz  capaz de chegar ao mais fundo de mim, de aproximar pessoas e de unir corações, de curar desgostos e de sarar feridas, dizendo daquela maneira doce que só a magia da música conhece, o que não conseguimos expressar de nenhum modo.

Nas suas redes sociais Luís Represas veio hoje relembrar-nos a efeméride: "Faz hoje 46 anos que a Música tomou conta de mim. 16 anos de Trovante e mais 30 a Solo. E o caminho continua." Pois para mim é um pouco menos. Não são 46, mas também são muitos: são 39 anos ao longo quais esta voz me acompanha e me seduz, me fascina e arrebata. Imoderadamente. 

Que continue a ser assim por muito tempo. E que bom é haver artistas e vozes que trazem leveza e harmonia aos nossos dias e que nos fazem sentir mais felizes.

Parabéns Luís Represas

(Fotografia de Manuela Santos Silva)

quarta-feira, 8 de junho de 2022

Eiffel : um filme aquém do esperado



Apesar de ser um filme que se vê com agrado, Martin Bourboulon, o realizador de Eiffel, acentuou a historieta de amor em vez de concentrar o essencial do filme na construção da Torre, o que o tornaria  bem mais interessante.
O reencontro com um amor de passado, que ao que parece existiu de facto, mas não passou disso mesmo, é pois a trama central do filme, relegando quase para segundo plano a história da construção do monumento e essa é, talvez, a grande desilusão para quem esperava ver um filme onde fosse central a polémica que a Torre suscitou na época da sua criação, tornando-se com o tempo um dos mais emblemáticos monumentos não só de Paris, ou de França,  mas do mundo inteiro. 
E mesmo com Romain Duris (sempre extraordinário) e Emma Mackey convincentes nos papéis de Gustave Eiffel e Adrienne Bourgès, mesmo com a interessante reconstituição de Paris do fim do século XIX, o filme sabe a poucochinho, um pouco na linha daquela piroseira chamada Titanic, em que num fundo histórico se cria um melodrama amoroso. Gustave Eiffel terá de facto conhecido Adrienne na sua juventude, mas o reencontro e a motivação para a construção da Torre não passam de ficção.
Valia bem mais, do meu ponto de vista, que a história de amor fosse entre Gustave Eiffel e La Dame de Fer, que foi afinal a ligação que permaneceu para sempre, resistindo incólume à passagem do tempo.

terça-feira, 10 de maio de 2022

Uma ferida no coração de Paris




Jean-Jacques Annaud, conceituado realizador, autor de títulos sonantes como "O Nome da Rosa" ou "Sete anos no Tibete", propôs-se abordar um assunto verídico, recente e por isso mesmo sensível: o incêndio na catedral de Notre-Dame.
Voltei a emocionar-me como me aconteceu há três anos, naquele fim de tarde de 15 de Abril de 2019, quando mesmo à distância a vi a arder e a temi totalmente destruída, tal como cerca de trinta anos antes chorara com o incêndio do Chiado, ou como me invade um certa nostalgia cada vez que volto a Paris e a vejo ainda amputada, silenciosa, e fechada, apesar de continuar de pé. Mas eu sou uma parisiense de coração, trago Paris sempre comigo e, por isso, o filme tinha que me tocar de maneira especial. Era uma inevitabilidade.
Notre-Dame brûle é pois uma história tristemente real cujo final conhecemos, mas não é por isso que é menos empolgante. Porque nela se conta como apesar de tudo foi possível mantê-la erguida, salvar grande parte dos seus "tesouros", permitir que renasça das cinzas, graças ao esforço e à coragem de um conjunto de homens e mulheres - os bombeiros de Paris -  que pondo em risco as suas vidas a salvaram de uma tragédia maior e aos quais o filme parece querer prestar uma justa homenagem.
Ver este filme é também uma viagem de regresso a um lugar que era e é de todos nós, às memórias de todas as vezes em que nos recolhemos no seu interior em oração ou em deslumbramento, em que subimos às suas torres e nos deixámos encantar pela sua história e pela vista da cidade aos nossos pés, em que a olhámos demoradamente, ou que vimos nela um símbolo e uma referência, um tesouro universal, lugar mágico e poderoso onde se juntam numa sintonia perfeita religião, cultura e arte.
Há uma beleza intrínseca ao furor implacável das chamas e uma bravura tensa no seu combate que Jean-Jacques Annaud soube pôr em imagens, num filme em que a catedral e o fogo são os protagonistas e que ele mesmo designou como uma espécie de "docuficção", com imagens reais dos acontecimentos daquele triste dia contados em pormenor e  momentos ficcionados, fazendo uma recriação da incredulidade que todos sentimos perante o que pensávamos que não pudesse acontecer nunca.
É um filme a não perder, absolutamente, para os que amam Paris como eu, mas também para os que gostam de um filme bem feito que, para lá dos meios e desafios técnicos, mostra o horror de um acontecimento real pelo lado dos que o viveram mais de perto e que, apesar de todos os imprevistos, contratempos e indecisões, permitiu o que muitos consideraram  um milagre no meio da desgraça: a catedral resistiu.