quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Cidade maravilhosa


Abriu a janela e respirou fundo. Sorriu. Conhecia bem a cidade. Sentia-se em casa. E, na verdade, apesar de também a atrair o mistério do desconhecido total, gostava de regressar aos lugares que lhe davam aquela sensação de aconchego e segurança, sabendo como e por onde mover-se, repetindo percursos, refazendo caminhos que já lhe eram familiares de tanto os ter feito, relembrando todas as vezes em que  passara naquelas ruas, praças, ou jardins, nas mais diversas companhias e em todas as estações do ano.
Mas desta vez era diferente: era a primeira vez que estava sozinha, longe de tudo, longe de todos, a sós consigo e com os seus pensamentos, dona do tempo, deixando-se guiar exclusivamente pela sua vontade.
Depois saiu para caminhar pelas ruas, sem destino nem motivo que não fosse o prazer de ter a cidade só para si e deliciar-se como quisesse. Quase sem pensar, dirigiu-se para o centro, para a zona da catedral e do Bairro de Santa Cruz, como sempre fazia, talvez porque  era o sítio onde se tornava mais intenso o inconfundível cheiro a flor de laranjeira, tão característico.
Havia naquela cidade, sempre acolhedora e calorosa, uma magia e um encantamento que a faziam sentir-se bem. E, pelo menos uma vez por ano, ter vontade de voltar.  Dois ou três dias bastavam. Não sabia explicar o que havia ali de tão especial: o sol, o clima de festa, entre "tapas" e "copas", as ruas a fervilhar de gente ao fim do dia, em contraste com a tranquilidade da  hora da sesta, a alegria da música "a compas de sevillanas", misturada com um acentuado fervor religioso... Tanta coisa que a fazia feliz....
Parou na ponte e olhou longamente o rio, sereno, imenso, lindo. Pensou que aquele encontro com o mais fundo si era uma coisa que lhe faltava fazer. Lembrou-se  do mundo que deixara para trás e por instantes apeteceu-lhe ter consigo a  companhia da pessoa que mais queria. Mas sabia que ninguém é de ninguém, porque a vida lho ensinara, e que o ideal é aproveitar ao máximo tudo o que temos de bom e que, às vezes, nem nos damos conta, ou tomamos como garantido.
Atravessou a ponte em direcção a Triana, o  lado mais popular e boémio da cidade, e caminhou pela calle Bétis, junto ao Guadalquivir. Sentia-se livre, capaz de enfrentar qualquer desafio, capaz de viver tudo outra vez, mas de outra maneira, reconciliada com o mundo e com a vida, naquela cidade distante e ainda assim tão próxima, apenas à distância da vontade de ir, onde se sentia em paz. Na cidade que lhe parecia estar sempre à sua espera.
Sorriu de novo, pensando que a sabedoria suprema reside na forma como se vive a vida. E, adentrando-se pela ruas do bairro, continuou a caminhar...

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