segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Lugares da minha vida: o Pedro Nunes





Foi quando eu tinha dezoito anos e ainda não sabia muito bem o que queria fazer na vida, que entrei aqui pela primeira vez. Para fazer um exame de Português do "Propedêutico" (ironias do destino...)
Desse dia longínquo, guardo uma memória difusa, mas não posso esquecer o impacto que teve em mim aquele edifício enorme e imponente, carregadinho de tradição e de história(s). Para mim, que tinha andado num liceu "moderno", era já na época uma referência: na verdade quase todos os meus amigos se dividiam entre o Liceu Francês e o Pedro Nunes, e contavam as mais mirabolantes histórias, divertidas quase todas e, sem dúvida, marcantes para quem as viveu.
Trata-se, de facto, de uma das mais conceituadas escola da capital, que conserva esse estatuto até hoje, e por onde passaram, ao longo dos anos, alunos e professores que são, ou foram, figuras de relevo na sociedade portuguesa.
Entretanto, a vida e os anos foram passando, e eu optei por fazer da Escola a minha vida. Dediquei-me a ela de alma e coração, apaixonei-me deveras pelas palavras e pelos poetas, pelas escrita e pela leitura, e procurei passar a outros essa paixão das letras; e tentar mostrar-lhes como a arte nos pode modificar a nós mesmos e pode, de igual modo, modificar o mundo e a vida. Não foi um caminho fácil, mas eu adoro desafios; e fui procurando, dentro de medida do possível, fazer sempre mais e melhor, dando-me inteira àquilo que eu acreditava ser bom e verdadeiro.
Ao fim de mais de trinta anos, achei que o meu percurso enquanto professora teria de passar obrigatoriamente por essa Escola e fazer parte dela passou a ser um sonho, que em 2015 se tornou realidade.
Conhecer o Pedro Nunes pelo lado de dentro foi simultaneamente surpresa e desilusão: é um espaço lindo e enorme, onde impera em geral o bom gosto, que é capaz de conjugar harmoniosamente a tradição e a modernidade,  mas não tão excepcional como se crê do lado de fora - e às vezes também do lado de dentro - , porque não há lugares perfeitos, embora tudo o que bom e mau por lá se passa é também o que vamos construindo em cada dia, e do qual cada um de nós é, em parte, responsável. Dito isto, hoje, já tenho em relação ao Pedro Nunes aquele sentimento de pertença que me permite dizer "o meu liceu". E continuo a achar que de todas as escolas possíveis, esta é a que tem mais a ver comigo. Por isso não penso "mudar-me". E mesmo se hoje estou um pouco mais "longe", é  impossível passar por esta data sem a assinalar, porque não exagero se digo que o Liceu Pedro Nunes faz parte do meu passado, do meu presente, e do meu futuro, também. Com todas as sua qualidades e defeitos, são 114 anos que se cumprem. É imenso!...
Por lá, o dia de hoje terá sido de festa, como de costume, com as mais diversas actividades, organizadas conjuntamente por alunos e professores, que incluem filmes, exposições, torneios, sessões de poesia, conferências, laboratórios abertos, jogos, workshops, e por onde toda a gente circula em total liberdade, vivendo a escola de uma maneira diferente.
Por mim, vou desfrutando enquanto posso desta vida mais tranquila, apesar de menos desafiante, e vou tendo em relação a este espaço sentimentos contraditórios, de querer e não querer voltar, porque se é verdade que é ali que eu sinto que pertenço, também há o desencanto de uma profissão à qual se deu tudo e  pouco se recebeu em troca. É pena!...

2 comentários:

  1. Já eu, fiz a primária nuns barracões das obras, porque, devido ao fenómeno dos retornados, a população cresceu bastante em certas zonas. Inclusive tive colegas timorense que nem português falavam. Como não havia salas suficientes para todos, usaram-se os barracões que serviam para arrumar o material, de quando se estava a construir a escola, que por acaso era nova. No inverno usavam-se mantas por causa do frio, e ainda cheguei a cantar o hino quando a professora entrava na sala. Por fim, quarta feira era dia de visita do padre para contar uma história religiosa. E mesmo com isto tudo e sem muitas outras coisas aprendia-se e era-se feliz.

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