domingo, 20 de dezembro de 2020

Sons de outros tempos


Eu, que já sou muito antiga, lembro-me do tempo em que havia uma outra Lisboa, com muitas lojas,  cheiros e sons que, com os anos, foram desaparecendo.
Uma manhã destas, fui porém surpreendida com o som  característico do amolador. Era uma figura meio misteriosa e até um pouco sinistra, pelo menos para os meus olhos infantis, um vendedor ambulante como havia tantos naquela altura, que percorria as ruas com uma pequena carripana que servia para transportar os seus utensílios de trabalho e que era, também, o balcão improvisado da sua "loja". Afiava facas, arranjava tesouras e outros objectos cortantes, e também consertava os chapéus de chuva que tinham ficado com as varetas tortas, ou partidas, por alguma ventania mais forte. Não sei se esse facto explica alguma coisa, pois dizia-se, até, que a sua chegada anunciava a chuva. Mas a sua características mais notável era o som de uma gaita de beiços com o qual sempre se fazia anunciar. E essa música, de tão repetida, ficou para sempre na minha cabeça. 
Por isso, quando outro dia a voltei a ouvir, nem precisei de ir à janela para saber que um amolador voltara à minha rua, e para me sentir, por instantes, de regresso a uma "Lisboa de outras eras", do tempo em que havia pregões pelas ruas, lojas como o "Val do Rio" e em que o padeiro e o leiteiro vinham de porta de em porta, todas as manhãs.

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