É o coração de Lisboa e por isso fervilha de gente e de vida, ainda mais agora, que a cidade está na moda e para os turistas é ponto de passagem obrigatório.
A mim, sabe-me sempre de algum modo a infância, ao tempo em que ir à Baixa significava visita à casa dos avós, ou a excitação das compras, - onde nunca faltava uma voltinha nas escadas rolantes do Grandella, - o cheiro peculiar das lojas de tecidos, ou o sabor inigualável dos batidos de morango da Ferrari.
Houve depois, nos anos 80, aquele terrível Agosto em que acordámos em sobressalto com o barulho das sirenes dos bombeiros e a notícia do Chiado em chamas. Nessa manhã, fui até ao Miradouro da Senhora do Monte e, mesmo só ao longe, ao vê-lo assim, a ser destruído por aquele fogo que parecia imparável, chorei. Parecia que uma parte da história da nossa vida se apagava também, no incêndio. E de facto, durante anos, o Chiado manteve-se lúgubre, triste e quase morto, mas renasceu das cinzas e readquiriu uma nova pujança.
A Baixa-Chiado é agora uma outra Lisboa, mais moderna e cosmopolita, mas não menos encantadora. Continuam a seduzir-me as ruas estreitas, o Tejo a espreitar em cada volta de esquina, a boémia e a tradição, como se em cada recanto houvesse ainda ecos dos pregões das varinas e a todo o momento pudesse começar a ouvir-se um fado à desgarrada.
Hoje, há o Santini e a Vida Portuguesa, as esplanadas e os terraços, um certo ar de férias. Hoje, por motivos diferentes, ou talvez não - no fundo são quase os mesmos - continuo a gostar de ir passear à Baixa, de caminhar sem destino na preguiça e na alegria de quem descobre a cidade como se a visse pela primeira vez.
E em Agosto, apesar dos turistas, ela parece um pouco mais lenta do que no resto do ano, espreguiçando-se languidamente no calor das tardes, embalada ao de leve na brisa do fim do dia, entre gaivotas e maresia, sob o olhar plácido e enamorado do rio, com quem vive de mão dada.
Lisboa, sabes...
Eu sei. É uma rapariga
descalça e leve,
um vento súbito e claro
nos cabelos,
alguma rugas finas
a espreitar-lhe os olhos,
a solidão aberta
nos lábios e nos dedos,
descendo degraus
e degraus
e degraus até ao rio.
Eugénio de Andrade
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