quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

O Dia da Piroseira Total



E aí está de novo o "Dia dos Namorados", a data mais parola de todas as que são comemoráveis, com dia marcado no calendário e "obrigações" inerentes.
Parece que a origem das celebrações vem do tempo de Roma antiga, e em particular da história de um bispo chamado Valentim, o qual contrariou as ordens do Imperador Cláudio II, que proibira os casamentos durante as guerras por acreditar que os solteiros eram melhores combatentes, facto que lhe valeu a condenação à morte, o que ocorreu no dia 14 de Fevereiro. Porém, ainda antes desse dia, apaixonou-se pela filha cega de um dos seus carcereiros, tendo-lhe devolvido a visão milagrosamente, pela força do seu amor, e despedido dela, antes de ser executado, num bilhete onde assinava "teu Valentim". Resta saber qual a veracidade deste relato, que tem tudo para parecer mais lenda que outra coisa.
A ideia de trocar mensagens e presentes simbólicos surge mais tarde, nos Estados Unidos, quando em 1840, Esther Howland conseguiu juntar uma avultada quantia na comercialização de cartões comemorativos do dia 14 de Fevereiro e, desde então, o costume alargou-se ao resto do mundo, em particular a partir da segunda metade do século XX.
Para mim, tudo isto é um enorme absurdo, sem sentido que não seja, de facto, o que está na origem da tradição: um apelo ao consumo desenfreado, sem porquê, e que a maior parte das pessoas faz apenas "porque sim". Um pouco como o Natal, mas em versão "azeiteiro".
O amor é, digo eu, do foro íntimo. E por muito que às vezes apeteça gritá-lo aos quatro ventos, rege-se por datas exclusivas e comemorações a dois, vividos no secretismo do que só nós é que sabemos. Que sentido têm pois os coraçõezinhos todos iguais, os peluches, as flores e os bombons estereotipados, as noites "especiais" e os menus afrodisíacos oferecidos por todos os hotéis e restaurantes em dia e hora marcados, tudo excessivamente formatado, sem surpresa nem vontade, como mais uma obrigação a cumprir, ou apenas para ostentar um felicidade fingida?
Este dia é, para mim, exactamente o avesso do que o amor deve ser. E, talvez por isso, me dá tamanho asco. Porque o amor nunca pode ter dia, nem hora... E, por isso, querer comemorar este dia de forma "especial", ou tratar alguém por "amor", ou pior ainda "mor", é para mim motivo mais que suficiente para "fugir a sete pés"...
Razão tinha Miguel Esteves Cardoso que, a propósito do amor, dizia isto, já há muitos anos:

Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. (...) Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor. (...) O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental"(...) Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. (...)

4 comentários:

  1. A coisa chata para mim ontem, foi o facto de haver mais trânsito de noite. Até parece que ontem tinha ido toda a gente jantar fora. O comércio e afins tem de encontrar pretextos para vender mais um bocadinho, seja o dia das bruxas, do Valentim, da mulher, etc. Qualquer dia ainda se comemora o dia "comum", ou seja, o dia que de coisa nenhuma, tal se vão tornando raros.

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    1. E, além do trânsito, a rosa já meio murcha, pendurada na mochila. "Dégueulasse", como diriam os franceses... :D

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  2. Finalmente alguém que pensa como eu do Dia dos Namorados que em tempos e em Portugal foi o Dia da Espiga em Maio. A rapaziada apanhava espigas e algumas papoila e malmequeres para ir entregar à sua namorada ! Que mania temos nós de importar tudo ! :(((

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    1. Há, felizmente, muita gente que pensa que este dia não faz qualquer sentido.

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