domingo, 30 de agosto de 2020

Escrever o seu guião


Por mais difícil que lhe pudesse parecer, às vezes tentava pôr-se noutras peles e imaginar como seriam outras vidas, que observava à sua volta. Sabia que havia aquele velho princípio da sabedoria popular, segundo o qual "só quem vive no convento é que sabe o que lá vai dentro" e gostava de acreditar na teoria de que todos os caminhos são possíveis e igualmente válidos desde que quem os escolhe se sinta bem assim.
Mas, por mais voltas que desse, não conseguia entender os que viviam na ilusão da companhia e preferiam uma solidão a dois no pavor de se enfrentar ou conhecer; os que arrastavam uma infelicidade que não era mais do que o resultado de uma escolha feita em nome próprio e de onde pareciam não querer ou não poder sair, como se a sua vida fosse uma espécie de condenação perpétua e aquele modo de vida não fosse mais que uma fatalidade à qual não podiam escapar.
Sabia que  a solidão pode às vezes ser doce ou amarga, mas acreditava, também, que grande parte do que acontece na nossa vida é apenas da responsabilidade de cada um, que nos cabe optar por ficar ou partir, retrair-se ou lançar-se  na procura de qualquer coisa mais; e gostava dessa inquieta liberdade de poder ir fazendo o caminho com tudo o que ele tinha de ousadia e de risco e da imensa satisfação de, apesar dos "erros de casting", das tristezas e alegrias, das horas boas e más, ir escrevendo a sua história, sem arrependimentos, nem remorsos, nem volta atrás.
E mesmo quando tudo parecia demasiado cinzento e sombrio, quando os dias se enchiam de silêncios e palavras por dizer, vinha a certeza de que "felizes para sempre" é uma ilusão fantasiosa que nos vem dos contos da mais remota infância, que há apenas momentos felizes aos quais se chega depois de alguns inevitáveis fracassos, mas que não há liberdade mais compensadora, nem prazer maior, que sentir-se em paz consigo e com o mundo, e poder, sempre, começar tudo outra vez. 

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