domingo, 16 de agosto de 2020

Querer(se) à distância


Nunca se tinham separado por tanto tempo. Tinha sido preciso vir aquele bicho malvado para tornar tudo tão mais difícil e estranho, impondo uma distância forçada a que tinham sido obrigados a habituar-se.
E mesmo sabendo que há aqueles raros amores que vivem do desapego e da certeza de se sentir perto estando longe, e de acreditar que é a lonjura que dá maior sentido à proximidade, havia dias em que ouvir-lhe apenas a voz já não lhe chegava, e lhe doía no corpo e na alma aquela longa ausência.
Então impacientava-se, ansiando o dia de tudo voltar à simples naturalidade de se terem quando e quanto queriam; em que pudesse realmente tê-lo de novo consigo, entregue aos seus gestos demorados e ardentes, sem que isso fosse apenas um sonho bom, que sonhava em muitas noites de angústia, desamparo, solidão.
Às vezes procurava, como sempre fizera, ver o lado bom de todas as coisas, fingir que não se passava nada, distrair-se com o que a rodeava, o espectáculo da luz do sol brilhando sobre o mar, do dia a nascer, do movimento da cidade e de todos os pequenos detalhes que a deixavam serena e maravilhada. Outras vezes deixava o coração bater descontrolado e voar sozinho, antevendo o momento de poderem enfim voltar a estar juntos. E só conseguia ver aquele colo que lhe sabia sempre a paraíso;  e sonhava poder abandonar-se no calor do seu abraço, soltar o desejo tanto tempo contido e deixar-se levar pelos mais loucos desvarios, entregando-se inteira aos caprichos da paixão enfim à solta, após a lenta agonia de querer e não poder ter. Revia na cabeça corpos nus entrelaçados, sentia todos os arrepios do seu cheiro, do toque da sua pele, do seu beijo ardente pelo corpo inteiro, daquelas mãos lindas de quem por mais esquivo e misterioso que às vezes lhe pudesse parecer, era o seu verdadeiro amor, o único capaz de lhe roubar deveras o coração.  Amar-se-iam então em total liberdade, confundindo os corpos, as vontade e os risos, deixando falar apenas os olhos e as mãos na esfuziante e deslumbrada explosão do prazer.
Enquanto pensava tudo isto, imaginava como seria bom permanecer na ilusão daquele feitiço, tão diferente da realidade quotidiana. No fundo sabia que ninguém pertence a ninguém e sentimentos de posse, ou ciúmes parvos, nunca haviam sido o seu estilo, mas resgatá-lo enfim àquele bicho que os separara durante tanto tempo era agora o que mais queria, pois sabia que não havia maior redenção que aquele amor, nem felicidade maior que a sua companhia, que valia a vida toda. Por isso, tê-lo de novo consigo seria o céu e o regresso, tão longamente esperado, do que já era quase só saudade.

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