segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Mães e filhas



Era improvável ir ver este filme, mas ainda bem que aconteceu. O título, Mon bébé, não me seduzia particularmente e, com excepção de Sandrine Kimberlain, a protagonista, nem o restante elenco, nem a realizadora, Lisa Azuelos, me diziam alguma coisa.
A história retrata a relação cúmplice de uma mãe e de uma filha em fim de adolescência, prestes a "fazer-se à vida". E aquilo que poderia ser uma imensa xaropada, com todos os ingredientes lamechas e dramáticos que conseguimos imaginar, revela-se afinal uma hilariante comédia, simultaneamente divertida e tocante, sobre a qual cada um de nós tem a sua própria história e pode pois rever-se em algumas passagens.
Nota muito alta para o excelente papel de Sandrine Kimberlain em mãe simultaneamente preocupada, compreensiva e ternurenta, cheia de defeitos e qualidades, e para a verosímil cumplicidade que consegue estabelecer com Thais Alessandrin, a filha, que é, de resto, filha da própria realizadora na vida real.
Na verdade, ao contrário das minhas baixas expectativas iniciais, gostei bastante do filme. Mas talvez este seja um assunto que me diz muito, por estar numa fase da vida em que "mãe" é sinónimo de amor sem fim, de colo e de porto de abrigo, como sempre foi, mas também de preocupação constante, de fragilidade, de mimos vários, de amparo em fim de caminho.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Mini-férias


Daqui a pouco mais de hora e meia começam as minhas mini-férias. Durante cinco dias, o mundo é todo meu! E nem é preciso sair daqui, pois prefiro as alturas menos concorridas. Mas o simples facto de mudar de rotinas e de poder usar o tempo como muito bem entender, fazendo só o que me apetece, quando me apetece, com quem me apetece, já é uma sensação de liberdade e de bem-estar magnífica.
Por estes dias, com o fim do ano a chegar e perante uma nova década, fazem-se balanços, traçam-se metas e projectos, enumeram-se vontades, tudo só boas intenções e resoluções que raramente se cumprem.
Para mim, escolho o que me faz mais feliz: a companhia de quem mais gosto, e todos os afectos, amores, amizades, laços vários, que me fazem rir e que me aconchegam a vida.
Parece pouco, mas é muito. É que, para além da saúde, que é o mais precioso de todos os bens, é o amor em todas as suas vertentes, modos e maneiras que vale a pena.
O resto, todas as promessas e vontades, esperas e desejos, avanços e recuos, luzes ou sombras, vão-se construindo e vivendo, caminho fora.
Enfim, seja como for, onde for, ou com quem for, férias são férias. E, neste momento, é isso que me anima.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Regressar ao passado?


Depois de Monsieur et Madame Adelman, em 2017, Nicolas Bedos, o filho de Guy Bedos, regressa ao tema das relações amorosas e dos "estragos" do tempo, com um elenco de peso que inclui Daniel Auteuil, Fanny Ardant, Guillame Canet, Pierre Arditi e uma magnífica Doria Tillier, que já conhecíamos do filme anterior.
Apresentado fora de competição no Festival de Cannes de 2019, onde foi muito aclamado pela crítica, La Belle Époque é de facto um daqueles filmes que toca num qualquer ponto da nossa sensibilidade, e não apenas pelo brilhantismo das interpretações. Há uma mistura de comédia e drama, de passado e presente, de verdade e de mentira,  de veracidade dos sentimentos, de sarcasmo e de emoção, de nostalgia, também, tudo feito com originalidade, humor, planos rápidos, que conferem energia à narrativa, e deliciosos diálogos.
Centrado num possível regresso ficcional ao passado, que neste caso são os anos 70 e tudo o que lhes está associado, sem esquecer detalhes como a música ou a indumentária, por exemplo, o filme coloca o dedo na ferida sobre o saudosismo que deixa em nós a passagem do tempo, a vontade de reviver alguns instantes que marcaram a nossa vida e a ideia de que a lembrança de um dia feliz de um tempo que já não volta pode talvez ser a ocasião para aproveitar melhor o momento presente. 
A ver, pois claro!...

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Aquele abraço


Já não era o tempo de morrer de amor. E no entanto, nada lhes parecia mais perfeito do que os momentos de intimidade em que não havia nada a não ser eles os dois, e a vontade urgente de se terem um ao outro e de ficarem assim, agarrados para sempre, no calor de um abraço que lhes sabia a paraíso e a eternidade.
Eram esses momentos só deles, vividos entre aconchegos e afagos, tudo só pele, toque, emoção e sensualidade pura; era aquele amor desmedido, que lhes acontecera sem esperas nem anúncios prévios, como um destino a que não se pode escapar, e que durante tantos anos fora prisão e liberdade, desconcerto e calmaria, desatino e redenção; era tudo isso, bom e mau, incompreensível e insensato, que fazia a vida valer a pena.
Às vezes era até um pouco assustadora a força com que se queriam, a urgência de se perderem no corpo um do outro, a vontade de se descobrirem e se terem para lá de tudo o que já era deles e mais ninguém conhecia.
Tinham aprendido a entender-se em silêncio, a conhecer-se nos risos e nos olhos, em todos os humores, manias, ânsias e formas de ser, a sentir-se perto mesmo quando estavam longe, a aceitar-se em tudo, a saber-se fragéis e imperfeitos, como os demais.
E tinham a certeza que, para lá de tudo o que ia acontecendo nos dias e anos das suas vidas, não havia prazer maior que o dos seus corpos confundidos, nem melhor abraço ou companhia; e que, por isso, fosse como fosse, haveriam de continuar a tomar conta um do outro para sempre. 

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Presunção e água benta...


Há pessoas que acham que o simples facto de aparecer na televisão ou em qualquer outro espaço público, de ser minimamente "conhecidas", as torna uma espécie de vedetas, distintas das demais, como se de uma casta superior se tratasse. E desfilam então a sua vaidade vã, de ego inchado por onde quer que passem, como se fossem "alguém que vem de algures", sem paciência nem apreço pelo comum dos mortais. Mas essa altivez e petulância não é senão  uma forma, como outra qualquer, de mascarar fragilidades...
Felizmente, há também quem não seja assim; quem, para lá das capacidades, qualidades ou destaque(s) que possa ter  se mantém sempre a natural, acessível, simpático e genuíno, por uma questão de educação, pela sua maneira de ser, ou ambas as coisas. E essas são, sem dúvida, as pessoas mais encantadoras e cativantes. Para mim, pelo menos...

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Um extraordinário talento


De Richard Linklater, o realizador, vi e gostei muito de Boyhood (2015) e mais ainda da trilogia Before (Sunrise, Sunset, Midnight) que faz parte dos filmes da minha vida. Em todos eles assume particular relevância o tempo (Boyhood foi filmado durante doze anos e há nove anos a separar cada um dos títulos da trilogia, fazendo assim coincidir o tempo da história e o tempo da  narração).
Sabendo que Where'd you go Bernadette ("Onde estás Bernadette", em português) era mais um título de Linklater em cartaz, pareceu-me logo razão mais que suficiente para ver o filme. E como se isso não bastasse, havia ainda Cate Blanchett, uma das minha actrizes preferidas. Tudo isto tornava-o para mim imperdível.
Baseado num romance de Maria Koegh Semple com o mesmo nome, Where'd you go Bernadette é o retrato de uma mulher complexa, mãe e mulher atípica, anti-social e isolada do mundo, apesar de, segundo os clichés, "ter tudo para ser feliz"; é a história de um renascimento, artístico e pessoal, contada com algum humor, muita ironia e um olhar crítico sobre o mundo. Filme simultaneamente simples e complexo, que aborda diversos temas da vida de todos os dias, com as suas alegrias, tristezas e contradições.
E, no entanto, diria que desta vez Linklater desilude de certo modo ou, pelo menos, talvez tenha gostado um pouco menos deste filme do que dos que já vira dele. 
De facto, a sua grandeza está inteiramente, creio, no excepcional talento de Cate Blanchett, charmosa e irreverente, mas sempre intensa, a fazer lembrar Jasmine de Woody Allen, que lhe valeu o Óscar de Melhor Actriz em 2014. É ela que torna convincente esta Bernadette, na sua misantropia e riqueza humana, na sua decadência profissional e pessoal, no reencontro consigo mesma através da criatividade e da fuga ao quotidiano, na complexidade dos vários relacionamentos com as restantes personagens. O filme é todo ela, é ela que o "salva", e só para a ver e apreciar o seu imenso talento vale muito a pena ir ao cinema.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Os dias não



Acho que acontece a toda a gente. Há dias luminosos e outros mais sombrios. Há os dias em que nos sentimos bem na nossa pele; e há outros que nem por isso. Não é preciso haver uma razão que o justifique, ou ela pode ser o mais fútil e insensata possível. Todos nós já gostámos e não gostámos do que vemos no espelho. Já achámos que estávamos bem ou que estávamos um pouco mais gordos, ou mais velhos, ou seja lá o que for. E, muitas vezes, basta esse mau humor, essa sensação difusa de que nem tudo é o que gostaríamos que fosse, para que o dia corra um pouco menos bem.
Falo de humores passageiros e não de "maus feitios". Nem vale a pena tentar entender como, porquê ou de onde chega essa sensação inexplicável de desconforto, que se nos instala a contragosto no corpo e no coração e nos ocupa o dia e a vida.
Sempre que isso me acontece, não consigo deixar de sentir algum remorso por saber que não há no fundo nenhuma razão que justifique o modo como me sinto. Resta-me o consolo de saber que a maior parte dos dias não são assim; e que os que são, logo passam. Então, nada melhor do que aceitar que é tudo muito natural, que também não há pachorra para quem está sempre muito contentinho e que, mesmo sem motivo, ficar melancólico, impaciente ou um pouco mais desconsolado não tem, afinal, mal nenhum.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Advento


Longe vai o tempo em que o Natal era muito mais "Menino Jesus" do que "Pai Natal" e em que a sua essência era muito mais emotiva e e espiritual do que a superficialidade exageradamente consumista em que se tornou nos dias de hoje.
Por isso, muita gente, por estes dias, espera que passem as festas, com todos os seus excessos e obrigações e que tudo retome o habitual sossego e normalidade.
Também a mim me apetece cada vez mais fugir para longe deste azáfama parva e sem sentido que é agora o Natal, embora saiba que isso não é possível. Tento, ainda assim, passar o mais imune possível aos estragos da época; e vivê-la "à minha maneira", como faço com tudo o resto.
Ontem, dia em que começou o Advento, encontrei no  FB da Isabel G Neto o seguinte texto:

Rezar o Desejo do Natal de Deus - D. José Tolentino de Mendonça, 25-11-2019

O Natal do comércio chega de um dia para o outro. Fácil, tilintante, confuso, pré-fabricado. É um Natal visual. Um amontoado de símbolos.Um ar do tempo.
Dentro de nós, porém, sabemos que não é assim. Para ser verdade, o Natal não pode ser só isto. Não poder servir apenas para uma emoção social, para um corrupio de compensações, compras e trocas. Para ser verdade, o Natal tem de ser profundo, tem de ser rezado, essencial, interpelador, mais espiritual do que material, mais solidário do que egocêntrico. Caminhar para o Natal é preparar com verdade o seu coração para Aquele que vem. Deus vem ao nosso encontro para que possamos ir ao encontro de Deus. Deus humaniza-se para que a nossa vida se divinize, para que cada um de nós receba com mais intensidade o sopro do Espírito. A Maria, o Anjo diz na Anunciação:"O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra. (Lc1:35). Que Maria, a Senhora do Advento, acorde em nós o desejo do Natal."

E este texto lembrou-me um outro, com a mesma autoria:

Para haver Natal este Natal
talvez seja preciso recordar
Que as vidas começam e recomeçam
E tudo isso é nascimento (logo, Natal)
Que as esperanças ganham sentido
Quando se tornam caminhos e passos.
Que para lá das janelas cerradas
Há estrelas que luzem
E há a imensidão do Céu.
Talvez nos bastem coisas
afinal tão simples:
O alento dos reencontros
autênticos;
A oração como confiança 
soletrada;
a certeza de que Jesus nasce 
em cada ano,
Para que o nosso Natal alguma vez,
esta vez,
seja Natal.

Era bom que todos conseguíssemos virar-nos um pouco mais para dentro e, em silêncio e paz, vivêssemos a essência e a plenitude do que o Natal significa: apenas simplicidade e amor.