domingo, 24 de janeiro de 2021

Entrincheirados


Olhava pela janela e na rua não havia quase ninguém. Casas, muitas casas, prédios mais altos ou mais baixos, amarelos, brancos, azuis, cor de rosa e verdes, todos de telhados vermelhos, o típico daquela cidade cheia de sol e de luz, de onde parecia que a vida se arredara de repente. 
Para lá das paredes, portas e janelas de todos os edifícios maiores ou menores, estavam todos fechados, perdidos, virados para dentro, à espera de poder escapar de um pesadelo que parecia durar  há já demasiado tempo e não se sabia quando poderia enfim terminar. Parecia que tudo tinha voltado ao início e que desta vez era ainda pior. As notícias eram assustadoras, os números cresciam sem parar, a cada dia, a cada hora, e por todo o lado soavam palavras pesadas como catástrofe, aflição, calamidade, doença, morte, sofrimento, dor.
Havia dias em que só o medo, a solidão ou a incerteza pareciam tomar conta de tudo, por mais que se procurasse relativizar e pensar no privilégio de estar ainda assim em segurança, no conforto quente da casa, transformada em fortaleza e porto seguro, onde na verdade não faltava nada que fosse essencial, quando tantos outros se debatiam na angústia de um limiar qualquer, fosse ele entre a vida e a morte, a difícil escolha de condenar ou salvar, a exaustão extrema e o sentido do dever, o desânimo e a coragem.
No fundo, mesmo quando sentia uma saudade apertar-lhe o peito, quando lhe faltava o toque e a voz de quem lhe era mais  querido, quando o silêncio lhe enchia a casa e a vida, acreditava que a Primavera haveria de voltar esplendorosa, como sempre,  e que a vida haveria de conseguir sobrepor-se e vencer.

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