Como toda a gente, tive bons e maus professores. Relembro alguns que me marcaram profundamente, como a minha professora da primária, de que já falei aqui, ou o professor de Português do final do secundário, que contribuiu talvez para, depois de muito hesitar, me ter decidido pela literatura.
E, no entanto, hoje, posso dizer com a mais absoluta certeza que a melhor professora que tive foi Maria Alzira Seixo que, com o seu entusiasmo contagiante, não me ensinou apenas literatura francesa, mas o prazer de adquirir a compreensão reflectida das coisas de que ela falava ainda ontem, no Diário de Notícias.
Durante dois anos foi minha professora de Literatura Francesa na Faculdade de Letras. E foi inesquecível. Porque o que aprendi com ela serviu-me para o resto da vida.
Era uma figura controversa, daquelas que não deixa ninguém indiferente, suscitando amores e ódios mais ou menos intensos. Conhecida pela sua extrema exigência, pela frontalidade e pelo rigor com que tratava todas as questões, tantas vezes confundido com "mau feitio", era temida por quase todos os alunos e circulavam sobre ela, nos corredores da faculdade, as histórias mais fantásticas. Por isso, eram muito poucos os que se inscreviam na(s) sua(s) turma(s). Eu fui. A medo, no início. Mas em muito boa hora. Enquanto outros professores tinham turmas de quarenta alunos, na aula da Maria Alzira eramos doze. E ela revelou-se uma pessoa extraordinária, muitíssimo competente, com espírito e com génio, capaz de fazer de cada aula um momento especial, em que se falava dos autores, dos livros e dos textos com paixão e com emoção. Com humor também. Lembro-me de a ouvir recitar poemas do barroco francês, por exemplo, que eu própria fixei e sei de cor ainda agora. As notas que tive não foram excelentes, mas aprendi com ela muito mais do que com todos os outros professores do curso. Na verdade, mais do que uma simples professora, foi para mim um exemplo e uma inspiração. E assim, quando passei a ser professora, sempre me pareceu que a melhor maneira de fazer os alunos gostar de ler e de escrever é mostrar-lhes como isso pode ser bom. E esquecer as fichas e os "contratos de leitura". É apenas um exemplo...
Entretanto nunca mais a vi, a não ser na televisão, em aparições esporádicas, onde me espantava o facto de a achar sempre igual, na aparência e nos modos. Como se o tempo não passasse por ela.
Muitos anos depois, reencontrei-a ao vivo no ciclo de conferências sobre o romance francês e sua influência no romance português do século XIX, e na cultura ocidental, em geral, uma excelente ideia de Vasco Graça Moura, a decorrer todos os Sábados deste mês e dois do próximo, no CCB. E foi como voltar ao passado. É de novo a Maria Alzira Seixo que eu conheci, numa intemporalidade que não julguei possível, com a mesma exaltação, sem excessos, a mesma capacidade comunicativa, o mesmo discurso apaixonado e emotivo, que seduz. E que torna possível ouvi-la durante horas, sem nunca nos cansarmos. Porque é sempre interessantíssimo o que diz e, sobretudo, o modo como o diz.
Ter sido aluna de Maria Alzira Seixo foi, na verdade, um privilégio enorme. Mas revê-la igual, tanto tempo depois, é como regressar a um tempo antigo, mas sem nostalgia, é um "rafraîchissement" cultural, um prazer para o qual não consigo encontrar as palavras certas, uma daquelas surpresas boas que valem a vida.
E no Sábado há mais...
Sem comentários:
Enviar um comentário