quarta-feira, 4 de setembro de 2013

No país da burocracia


Infelizmente, há no nosso país muita coisa de que só podemos envergonhar-nos. Lembro-me do post da Ana Vidal, que li há dias no "Delito de Opinião" a propósito de um simulacro de incêndio comemorativo, a ter lugar ao mesmo tempo que bombeiros morrem sem ser a fingir e Portugal arde triste e realmente. É apenas  um exemplo. O que se passou comigo, hoje, apesar de muito diferente, é outro. A história, que mais parece um odisseia, é esta: para poder participar na campanha eleitoral, preciso de um comprovativo de que consto das listas e, para tal, soube que teria de me deslocar ao Palácio de Justiça, onde foram entregues e estão afixadas.
Na sexta-feira passada fui até lá, mas como cheguei às quatro horas e dois minutos já não me atenderam. Além de ser extraordinário este horário de funcionamento (das nove às doze e trinta e das treze e trinta às dezasseis, o que significa que as pessoas que trabalham normalmente têm sérias dificuldades em dirigir-se-lhes quando necessário e só o fazem com prejuízo do seu próprio trabalho), deixaram-me, ainda assim, consultar o número de processo e fizeram-me saber que teria de apresentar um requerimento. Mas isso noutro dia, porque os serviços estavam encerrados há dois minutos.
Voltei hoje, já de requerimento feito e a correr, esforçando-me por estar lá às nove em ponto, de modo a poder tratar do assunto e chegar ainda a horas decentes à Praça de Alvalade. Perguntei onde devia dirigir-me e mandaram-me ao 7º Juízo, no 8º andar, onde dois funcionários conversavam animadamente. Um minuto depois, olharam para mim e, de onde estavam, perguntaram-me o que era, sem sequer se levantarem. Eu disse. Pois, que não era ali, mas sim no piso térreo, junto aos elevadores. Voltei a descer. Entreguei então o meu requerimento e, naturalmente, perguntei quando o poderia ir buscar. Resposta do funcionário: "Ah, isso não sei! Eu só recebo os requerimentos". "Mas dê-me uma ideia!",insisti. "Não faço ideia.", retorquiu. "Depois telefona a perguntar isso". "E onde o devo ir levantar?" ainda perguntei. "Não faço ideia!", foi de novo a resposta.
Ainda aparvalhada perante a evidência de haver um funcionário cuja função é apenas receber requerimentos e pôr-lhes o carimbo, sem ser capaz de prestar qualquer informação adicional, dirigi-me à saída, onde tentei saber qual o número para onde deveria ligar. Sem exagero, a funcionária esteve durante cinco minutos com uma lista de telefones na mão, folheando-a para trás e para a frente, sem conseguir encontrar o número. "Dê-me o número geral", pedi eu já em desespero e a ver o tempo passar. Bom, deu, mas teve que telefonar para não sei quem a pedi-lo. Extraordinário!
Porém, a história ainda não acaba aqui. Chegada ao meu local de trabalho, liguei para o número que me tinham dado. Fui atendida por uma senhora, que me passou para outra, do 7º Juízo, que me passou para o colega que se ocupa do processo, (e claro que tive que explicar a cada um o assunto e a informação que pretendia) o qual me atendeu com muito maus modos (uma chatice estar a incomodá-lo!) e me disse à bruta: "Depois é notificada!" Eu, que sou nova nestas andanças, perguntei: "Notificada como?". Irritou-se. Repetiu: "Depois é notificada". Insisti na pergunta. Respondeu-me já aos berros: "Através do mandatário!". Ainda assim perguntei quantos dias demoraria, mais ou menos. Resposta: "Isso depende do que eu tiver para fazer!..."
Chocada com este modo de funcionamento e com a "gentileza" na forma de tratamento, ainda ousei perguntar onde deveria depois ir levantar o papel.  "Deve ser na Secretaria Geral!" foi a resposta.
Se não fosse a triste imagem real do país em que vivemos, esta história poderia ser anedótica, ou hilariante. Afinal, se o meu nome está lá afixado, à vista de todos, não bastaria simplesmente apresentar a identificação e passarem-me o papel logo ali?
Haja paciência! No mínimo... De tudo isto fica-me a certeza de que há de facto funcionários públicos que merecem ser despedidos; e a amarga sensação de que este país nunca vai conseguir  endireitar-se.

10 comentários:

  1. Eu já trabalhei noutros países e nem sempre é melhor. Eu tenho uma opinião um pouco drástica que é a de que contratos sem termo no estado deveriam ser excepção: a maioria deveria ter contratos a prazo de 3 ou 4 anos. Muito radical? Talvez... Mas isso é uma longa conversa...
    Se eu tivesse um emprego em que sabia que nunca iria ser despedido por um lado, mas por outro também nunca iria ter qualquer progressão de carreira para além do que faço hoje, provavelmente também atrofiava ao fim de algum tempo...

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    1. Ó Sérgio, resta saber em que países trabalhou. Se foi no Brasil, ou em África, por exemplo, não conta. E depois, sabe, eu sou funcionária pública, sei muito bem o que é não progredir na carreira há não sei quantos anos, ganhar pouco mais que um recém licienciado apesar da minha já longa experiência e estar equiparada a gente que não faz nada e é totalmente incompetente. E, no entanto, ainda não "atrofiei".
      Ou seja: uma situação como a que relato não tem qualquer tipo de justificação e muito menos de desculpa. E, lamentavelmente, é bem mais frequente do que possamos pensar...

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    2. Ahah... Não, estamos a falar em Europa mesmo. Mas nem é preciso falar em países: basta ver as agências europeias (que na prática correspondem a função pública europeia), para ver que em termos de burocracia há muito pior que nós. O nosso mal não vem propriamente daí (penso eu de que). Então se formos mais para o leste europeu encontramos níveis de burocracia impensáveis mesmo para nós (é imaginar a nossa e multiplicar por 10).

      Eu acho a questão do meio onde as pessoas trabalham muito importante. Observo muitas vezes um fenómeno tipo "regressão à média". Numa equipa onde a mediocridade é o nível médio, ao fim de algum tempo mesmo uma pessoa competente, tende a adaptar-se à maioria, etc., e muitas vezes sem dar por ela ficou igual à média, ou seja, com um desempenho mediocre. Mas não considero isto um "defeito", mas antes quase uma resposta "humana". Daí que por exemplo se estiver a escalonar uma equipa para uma tarefa qualquer, se tiver dois elementos "menos competentes" e um "mais competente", há que ter muito cuidado porque regra geral a tendência é os dois "menos competentes" "absorverem" o "mais competente" e no final ficar com três "menos competentes". É o que de forma simplista quero dizer com "atrofiar".

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  2. A isto chamo eu 'burrocracia'.
    Por estas e outras é que o funcionalismo público está mal visto.

    O que a Isabel acaba de narrar é inadmissível.
    Aquela malta trabalha? E se trabalha, recebe?
    Assinaram algum contrato, ou espécie disso, aonde conste que devem ser insuportáveis?
    Não percebem que devem o emprego a quem servem, ou devem servir?

    Isabel, um 'complaint book', havia por lá?
    Calma, sei que há coisas que nos tiram do sério e dão vontade de ... não devo dizer.
    Com o tal meu mau feitio, seria engraçado.

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    1. O "complaint book" de que fala tem nome em português: é o livro de reclamações! :D
      Haverá lá um, certamente, porque é obrigatório, mas com a pressa com que eu estava (afinal eu ia trabalhar a seguir!) seria impensável.
      No entanto, não deixei de mandar um mail ao Gabinete da Ministra da Justiça, relatando o episódio, tanto mais que, nem de propósito, ela veio dizer à TVI24, no próprio dia, que tinha orgulho em todos os funcionários do seu Ministério.
      Tê-los-á excelentes, não duvido, tal como no Ministério da Educação, que é o meu, ou em qualquer outro. Mas também péssimos, como este exemplo tão bem documenta. O que é triste é que depois, na avaliação e afins, uns e outros não se distingam...

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    2. Se não se distinguem é porque as hierarquias são tão más ou pior que eles.

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  3. Há imensa gente - pública, privada, semi e o resto - que devia ser despedida. Está tudo dito. :)

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