sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Morte Impossível




A linguagem é o lugar onde se afirma a ausência das coisas que, ao  serem nomeadas deixam de existir, adquirindo assim uma outra forma de ser. A palavra que as designa nega-lhes a existência real e dá-lhes uma nova existência, na palavra, a qual contém em si o vazio que corresponde à ausência de ser. Ao fazê-lo, a linguagem adquire um carácter de certo modo destrutivo: reduz as coisas a meras ausências, criando uma incomensurável distância entre as coisas e as palavras.
E, no entanto, a distância que a utilização da linguagem implica é a condição do entendimento possível das coisas, o único modo de elas nos serem comunicadas, de nos aproximarmos delas e de as conhecermos. É, pois, pela realidade da linguagem que se acede à realidade das coisas, como única visão possível do mundo.
Anterior a toda a palavra, há uma existência de que temos de nos separar para podermos falar e compreender. A linguagem traz em si  a marca do que lhe falta e a precede, do que ela exclui ao manifestar-se. Mas, se é verdade que a linguagem começa por negar a existência do que afirma, podendo por isso considerar-se num certo sentido portadora de morte, há nela também uma ambiguidade intrínseca que faz dessa morte uma impossibilidade. Ao conter em si a negação e a afirmação, a morte e a vida, a linguagem faz com que uma e outra de certo modo se neutralizem, tornando a morte impossível.
Mantendo uma forte relação com a linguagem, a literatura acentua estas questões, assumindo-as de uma forma ainda mais radical. Ao reconhecer a linguagem como a única forma possível de apreender o mundo, a literatura distancia-se da linguagem tal como ela é utilizada usualmente e, a partir da infinita distância que estabelece, subverte a experiência do homem e do mundo, criando outros mundos possíveis e um modo próprio de os nomear.
A literatura procura assim dar um sentido ao que, pela linguagem, deixa de existir e, nessa medida, comporta em si  uma impossibilidade e aproxima-se do silêncio, mas de um silêncio que continua ainda a falar, movendo-se nos limites  de uma coisa e de outra, como se andasse sempre à roda, no interior de um círculo de onde não é possível sair e  que faz da experiência da morte  a impossibilidade de morrer.

Desde que me lembro sempre me atrairam as palavras, o que elas significam e a distância que as separa do que só se sente, daquele resto mais fundo que nunca se consegue dizer...
Era este, aliás, o tema da minha tese de mestrado, há uns anos. E que eu nunca cheguei a escrever.  Naquela altura apaixonei-me perdidamente e achei que valia mais viver o amor e a vida, do que passar um ano a escrever uma tese que interessaria a muito poucos.
O amor - aquele amor - acabou, porque tinha que ser assim, mas, parafraseando o poeta, foi "infinito enquanto durou"... E, até hoje, não me arrependi. Nem de não ter escrito a tese, nem de ter preferido o amor...

2 comentários:

  1. Uma coisa não contrapõe necessariamente a outra, pelo que deveria, sim, ter escrito a tese, até porque vai muito a tempo, não...?

    A distrinça entre o significado e os segnificantes é tema que sempre me apaixonou; estes como códigos e aqueles como desconstruções dos mesmos, são a única forma de comunicação através da linguagem. Enfim, um belo tema de reflexão que merecia outra atenção por todos os que a lêem. Muito sinceramente!

    Beijinhos :)

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    1. Escrever a tese agora já não, não por não ir a tempo, mas porque não me apetece. E já estou na idade de fazer só o que me apetece... (eheheh)
      O tema, no entanto, continua a apaixonar-me. Pode ser que um dia voltemos s falar sobre isto ;)
      Obrigada, Paulo!
      Um grande beijinho :)

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