quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Um artista singular


Há nas vozes roucas do flamenco um arrebatamento, uma paixão, que me comovem de uma maneira muito especial; é como se houvesse naquele lamento, que é também a explosão de um sentimento que não se consegue dominar nem conter, a expressão aparatosa e emocionada de uma dor pungente (que a palavra espanhola desgarradora, consegue traduzir ainda melhor), vinda do mais fundo da alma e do ser, qualquer coisa inexplicável, mas de tal forma profunda que se entranha, que se nos cola aos sentidos e à pele e chega também ao mais sensível de nós.
Já vi muitos espectáculos de flamenco. Extraordinários. Como o de ontem. E, no entanto, este não foi apenas mais um, a juntar a uma extensa lista que inclui todos os que guardo na memória e no coração. Este leva consigo um rótulo: "marcante e inesquecível". Porque a sua beleza e intensidade fizeram da noite de ontem uma noite mais bonita.
Por tudo: pela voz magnífica de Diego el Cigala, pela sua capacidade rítmica, e também, sobretudo,  por, com sensibilidade e delicadeza, permitir-se descobrir e percorrer novos caminhos, misturar flamenco, jazz, tango e bolero, ligando Espanha, Cuba  e Argentina, Europa e América; e conseguindo, apesar disso, manter a identidade própria de cada estilo, num exemplo vivo e claro do que é hoje a música mundo (à semelhança da literatura mundo), um conceito que, incorporando influências e referências diversas, cria novas formas, novas relações de pertença, em olhares que se cruzam, num gesto relacional múltiplo, mas não uniformizador, que olhando a imagem do outro transforma em simultâneo quem olha e quem é olhado. Diego el Cigala é um daqueles artistas excepcionais, nome maior do flamenco, que canta num palco como se estivesse a cantar em casa, entre amigos, ou como se fosse visita da nossa sala de estar, numa partilha intimista da sua arte, que definiu como a procura de respostas para uma inquietação interior. 
O resultado é aquilo a que pude assistir ontem, uma vez mais: emoção pura, num espectáculo assombroso e deslumbrante, com uma nota de ternura verdadeiramente comovente: quando, em final de festa, trouxe ao palco a sua filha de cinco ou seis anos, a sentou no colo com carinho e, abraçados, cantaram os dois. Porque a arte, a música, é também uma forma de amor.

2 comentários:

  1. Lindo post.


    Ontem tb tive um concerto ainda que mais modesto. O meu neto tocou com o conjunto de violinos de A Pauta e a seguir actuou a Tuna Academica da UCP, um ambiente fantástico num gesto de solidariedade para com a missão Cranças a Sorrir.

    Adorei...e tb se tocou Piazzola, Branhms, Vivaldi, Bach, Fiocco, etc.

    Bjo

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    1. Obrigada, Virgínia!
      A música é, de facto, extraordinária. O que seria de nós sem ela?

      Beijinho :)

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