quarta-feira, 13 de março de 2013

Escrever poemas


Sempre me deu vontade de rir, para não dizer que considero de um ridículo absurdo, aquelas professoras (e são muitas, infelizmente), que têm a irritante mania de mandar os meninos escrever poemas, como se isso estivesse ao alcance de todos, ou houvesse dentro de cada um de nós um Fernando Pessoa em potência, ansiando por se revelar num qualquer exercício da escola.
Foi, pois, com horror e com e uma estupefacção da qual  não consegui ainda recompor-me inteiramente que descobri que isto, que eu tenho visto acontecer com frequência ao nível da adolescência e no ensino secundário, se passa também no primeiro ciclo, onde meninos do 2º ano, que mal dominam a leitura e a escrita  e possuem, na maior parte dos casos, um vocabulário bastante reduzido, têm como trabalho de casa, misturado com exercícios de divisão silábica ou de acentuação, qualquer coisa tão "banal" como escrever um poema.
E pergunto-me o que se pretenderá com isto. Provavelmente, algo semelhante ao que conseguem as professoras dos alunos mais velhos: fazer passar a perigosíssima ideia de que somos todos poetas ou, pior ainda, fazer crer que a poesia é não é mais do que alinhar umas rimas, mesmo que o resultado seja um texto sem sentido, que não quer dizer nada.
O objectivo do ensino da língua materna tem que ser, fundamentalmente, pensar muito, ler, ler, ler  e escrever. Escrever muito, também. E, aos poucos, ir desenvolvendo espírito crítico e capacidade de argumentação. Mesmo quem não tem jeito para escrever, pode aprender; e consegue fazê-lo razoavelmente, se o praticar. Pode até ter prazer nisso. Mas quanto a fazer um poema, já tenho dúvidas. Tenho muitos anos de experiência de ensino de português. É uma tarefa tão difícil como apaixonante.  Mas nunca pedi a nenhum aluno que escrevesse um poema. Por uma questão do mais elementar bom senso. Ou talvez apenas porque gosto muito de poesia e a levo demasiado a sério para  a ver assim maltratada,  confundida com o quer que se escreva em verso e que, tantas vezes, nem chega a ser prosa decente.
Importa, sobretudo, parece-me, fazer passar a ideia de que ler e escrever é bom. E mostrar os textos e os poetas. Conhecê-los e sabê-los. Pensar e discutir sobre o que é a poesia e a arte, em geral. Porque se conseguirmos fazer isto tudo com maior ou menor êxito (e não é fácil), mesmo que tenhamos entre nós um génio poético, certamente que, mais tarde ou mais cedo, ela acabará por revelar-se. Sem que seja necessário fazer poemas "por encomenda".
E aos professores que tanto gostam disso, já agora, eu sugeria que alargassem o leque e pedissem também aos alunos: "pinta-me um quadro" ou "faz-me um filme". Como trabalho de casa, de preferência...

14 comentários:

  1. Repara, por uma criança fazer uns versos acaba por estar ao mesmo nível de jogar scrabble. No fundo é "exercitar" a capacidade de se fazerem uns puzzles de palavras em que o desafio, no caso, é arranjar umas rimas. Se isso é poesia? Claro que não, mas também não deixa de obrigar a puxar um pouco pela cabeça. Vale o que vale. Pelo menos fica-se com a noção que é difícil.

    Mas também se fores a ver o que não falta por aí são músicas de grandes grupos da nossa praça, cujas letras não fazem qualquer sentido e mais parecem ter sido escritas por miúdos de 10 anos...

    Ainda bem que não apanhei nenhuma professora dessas na escola. Ainda me pedia para fazer um soneto e na altura não havia internet para procurar por sites que encontrassem rimas para as palavras: dicionário de rimas ;)

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    1. Sou favorável a tudo o que seja "puxar pela cabeça" e ao nível da língua há exercícios fantásticos que se podem fazer, para desenvolver a criatividade e o domínio do léxico, jogando com as sonoridades e os sentidos das palavras. E isso pode ser muito interessante mesmo. Mas não se pode chamar-lhe "fazer um poema".
      O que não se pode é confundir as coisas!...

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  2. Peço aos meus netos para me pintarem coisas e consigo que eles façam quadros pequeninos muito giros. Há os que desenham melhor que outros, mas são preguiçosos. O meu filho mais novo desenhava deliciosamente bandas desenhadas e tudo quando era criança e depois a criatividade manual dele estiolou...acho que foi o colégio que nunca o estimulou para as artes. A pintura é das artes menos amadas na escola, nunca me lembro de ter tido uma aula de Ev decente!!

    Quanto aos poemas fi-los na idade própria, aos 13-14 anos, mas depois esmoreci......

    Gosto é de escrever....livremente.....mas agora estou cheia de trabalho e nada me inspira.

    Bjinho

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    1. Tudo o que sirva de incentivo à pintura, à escrita e a qualquer forrma de arte, é bom. Concordo consigo quanto ao facto de a pintura ser pouco amada na escola, como as artes quase de forma geral. Ainda outro dia falava disso com o meu primo que é arquitecto e professor de geometria descritiva e ele me explicava que mesmo quem não tem muito jeito pode aprender a desenhar, se antes aprender a olhar. Eu penso que em relação à escrita é um pouco assim, também, embora não sejamos todos poetas. Aos 13-14 todos fazemos poemas (E ainda bem. Eu até cheguei a fazê-los em Alemão, imagine! eheh)
      Hoje também continuo a adorar escrever, como sempre gostei, mas não escrevo poemas, porque acho que o talento não vai até aí.
      E, quando se inspirar, volte à escrita, Virgínia, que nós gostamos de ler o que escreve. ;)
      Beijinho

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  3. Isabel, longe de mim meter "foice em seara alheia", cada um tem o seu percurso académico e profissional e, porventura (ou talvez não), não acharia muita piada que se metesse comigo a discutir Economia processual. Feito o intróito, a minha opinião:

    Ninguém quererá que miúdos de 7 aninhos façam "poemas", como sequer pintem quadros, mas o simbolismo da palavra (poema, quadro) poderá ser um incentivo a que melhor aprendam como se decompõe um vocábulo em sílabas; o que é uma sílaba tónica, um ditongo, etc. Dizer "vamos fazer um poema" é muito mais estimulante do que pedir onde se encontra a sílaba tónica. Depois, temos a métrica: "vamos contar quantas sílabas tem esta palavra?", "vamos classificá-la segundo o seu número de sílabas"?. Ainda, a sonoridade: "dor rima com... amor". Estas, como outras, questões são a base de qualquer poema. Um soneto, por exemplo, obedece ao número de versos por estrofe, ao número de sílabas por verso, ao número de estrofes por poema, à classificação (por número de versos) de estrofes, ao modo como se emparelham as rimas, etc. Claro que as sílabas gramaticais não correspondem em rigor às poéticas, mas não deixa de ser um começo. E um soneto não deixa de ser um poema por não nos transmitir nada, por ser mau, estéril, parvo. Por pundomor, não vou citar a quantidade de "poetas" que são do piorzinho, mas são "poetas", embora não sejam Poetas mais altos que os homens...

    Sei que não me vai levar a mal, mas sempre podemos discutir melhor a temática. Beijinhos:)

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    1. Paulo: adorei a ideia de eu me meter a discutir consigo "economia processual". Mas isso, infelizmente, não vai poder acontecer nunca, porque em economia confesso-me totalmente ignorante (mesmo!) e tenho até uma relação pouco adulta com os números :)
      Quanto à questão da poesia já é outra coisa.
      Não o levo a mal, obviamente, neste caso nem em nenhum outro e gosto sempre de ouvir opiniões diferentes das minhas, o que nem chega a ser o caso, aqui. Porque concordo com tudo o que diz e acho que se deve incentivar a sensibilidade e a escrita de todas as maneiras possíveis. Com os meus alunos costumo fazer uma interessante discussão e reflexão de abordagem do texto poético, que é: uma canção é sempre um poema? O que faz de um texto um poema?
      E acho que tudo o que possa fazer miúdos e menos miúdos pensar sobre os textos e as palavras e o seu sentido e impacto em nós é positivo e louvável.
      O que eu critico, Paulo, e acho que nisto provavelmente concorda comigo, é quando assim do nada, sem um tarbalho de preparação prévio se inclui entre os trabalhos de casa, a seco, "fazer um poema".
      Bom, o tema é inesgotável e, sim, havemos de o discutir melhor. :))

      Beijinho. Grande!

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    2. Correcção: é trabalho e não "tarbalho", claro! ;)

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    3. Até porque "economia processual" é Direito...

      (mais uma vez, mil desculpas, fui mauzinho, e mauzinho rima mal com Mouzinho :))) Olhe, estou bem disposto, que quer...)

      Bjos:)

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    4. Direito também não é o meu forte, a não ser, mais recentemente o "Código do procedimento administrativo", que faz agora parte do meu quotidiano; e às vezes bem sinto a falta de uma formaçãozita jurídica (mas já sei a quem recorrer em caso de dúvidas... ;))
      Não tem que pedir desculpa de nada, Paulo, em tenho sentido de humor, também estou bem disposta e gosto de o ver assim :))))

      (mauzinho foi a minha alcunha na escola, justamente por causa da rima e porque, diziam, eu era muito exigente :P )
      Mais beijos, que isto hoje é uma festa! :))

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  4. Olá Isabel,
    Quem te conhece sabe que o teu amor pela literatura é visceral e que és capaz de tudo para preservar essa valiosa relíquia da humanidade. Sabe muitíssimo bem testemunhar esse teu amor pelas letras. Parece-me porém que o tom de alarmismo que colocas em torno da questão pode ser um pouco excessivo.
    Não creio que o desafio de pintar uma paisagem, escrever um poema, entoar sons num qualquer instrumento musical ou de representar um personagem num qualquer exercício dramático constitua inconveniente para o processo de formação e sensibilização pessoal para as artes.
    Se é verdade que a arte em determinados patamares de desenvolvimento tende para uma cristalização dando origem a teorizações, movimentos, tendências, escolas ou estilos com códigos de identificação muito próprios e em alguns casos com regras muito precisas de execução e avaliação, não é menos verdade que a arte transcende sempre os domínios que qualquer corrente ou teoria lhe tente impor.
    Qualquer processo de formação e de desenvolvimento artístico exige descoberta pessoal e esta exige direito de expressão, liberdade, respeito e algum silêncio crítico.
    Este fim de semana estive a admirar de perto um conjunto de obras de Van Gogh que hoje são incontestavelmente reconhecidas pela sua genialidade. O mérito do autor e reconhecimento do valor destas obras é hoje assumido na plenitude, mas desengane-se quem acreditar que a reação no momento da sua execução foi semelhante, perante as pinceladas largas e imprecisas, rostos definidos com manchas vermelhas, amarelas e azuis, olhos verdes, estrelas a rodopiar em chamas no céu noturno. Esta abordagem desconcertante atribuiu a Van Gogh e a todos os artistas que romperam com as correntes artísticas mais conservadoras da sua época o rótulo de louco.
    Salvador Dali vivia uma permanente necessidade de instalar desordem em todo o seu processo criativo, uma desordem necessária para o encontro de novas ordens. Outros artistas identificam o seu desenvolvimento como uma caminhada de regresso à sua infância, à sua naturalidade e à sua espontaneidade expressiva.
    A cultura promove sempre mais cultura, mas o desenvolvimento da cultura nem sempre promove desenvolvimento artístico e a arte por si não gera arte. Esta provém antes da inquietação, da estranheza, da intenção manifesta de exprimir, exorcizar ou afirmar algo, de experimentar livremente, de promover autoconhecimento e reinvenção pessoal na relação estabelecida entre o aparente “eu” e o que lhe aparenta ser exterior, sendo múltiplos os ambientes em que tal pode ocorrer. Existem ilimitadas razões, meios e formas para se realizar arte.

    Continua...

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  5. A expressão artística está envolta num grande relativismo. A loucura para uns constitui a verdade para outros tantos. O gosto educa-se e discute-se mas não se incute ou impõe. Recordo as inúmeras discussões em que me envolvi no passado com colegas, rivalizando opiniões, umas vezes discutindo se a essência da dança reside no ballet clássico ou nos rituais tribais, se a arquitectura já existe quando ainda representada no papel ou se o valor de uma foto reside no olhar, no objeto, no clique, no processo químico da revelação, ou na escolha da parede onde é colocada, discussões todas elas válidas e inconclusivas, porque em cada caso os aspetos referidos manifestam as intensões expressas de cada artista em particular. A arte será sempre um espaço aberto, incerto e instável. A arte tal como a espiritualidade não se ensinam. Tudo o que podemos fazer para fomentar o desenvolvimento e a sensibilidade de alguém é gerar as condições, a liberdade e o estímulo possível para que se descubram na arte e se reinventem na arte sem complexos de dimensão ou valor. O melhor que um mestre pode fazer perante um discípulo é contaminá-lo e contagiá-lo pela via do seu próprio exemplo. Ainda assim sinto que se não fizermos nada pela arte, os artistas surgirão do mesmo modo como ervas daninhas. Paradoxalmente as escolas que “ensinam” arte têm muitas vezes que esperar longos ciclos para que surja um talento especial capaz de alcançar distinção.
    Este assunto faz-me ainda lembrar um episódio do livro “Eu agora quero-me ir embora” do médico e psicanalista português, Dr. João dos Santos, no qual um filho convida a sua mãe a pintar um quadro; A mãe recusa o convite argumentando não ter qualquer jeito para pintar, ao que este lhe responde mais ou menos nestes termos “…mas é fácil mãe, basta agarrar num pincel e tintas e fazer festinhas no papel…”. Nunca me esquecerei deste episódio porque penso que exprime bem a postura inicial que se devemos ter em relação a qualquer prática de desenvolvimento artístico; No início deve ser assim, tudo o resto é desenvolvimento maior ou menor, mais ou menos instrutivo ou satisfatório para o autor, mais ou menos reconhecido pela opinião de quem tiver acesso à obra produzida. A ideia de que os veículos de expressão devem estar reservados apenas a uma minoria de seres possuidores de um dote comprovado para determinada área de expressão artística, essa sim, causa-me um certo repúdio.
    Concordo que ao mandar fazer um poema a uma criança criando-lhe a ideia que a rima constitui a meta para o sucesso da experiência pode em alguns casos não ser suficiente, sendo por isso necessário uma abordagem correta do ponto de vista pedagógico na aproximação a este tipo de atividades educativas. Não vejo porém qualquer mal nesse desafio. Na pior das hipóteses o resultado final destas experiências poderá assemelhar-se a um território sem vida, mas nunca nos podemos esquecer que é nos extensos pantanais, aparentemente sem vida que cresce a solitária flor de lótus, a mãe de todas as flores, capaz de com a sua beleza singular cristalizar a opinião coletiva no sentido de um ideal estético.
    Quem sabe avaliar o impacto real destes exercícios no intelecto humano?
    Afirmo contra todos os pessimismos, que não me assusta a sobrevivência da arte, pois ela está em todo o lado, encontra-se impregnada em tudo. Existirão sempre artistas. Existirá sempre arte, pelo menos enquanto houver estranheza, espanto, dor e amor.
    Apesar de te confessar que a experimentação promovida por adultos produz por vezes resultados que me cansam a sensibilidade, abstenho-me de considerar qualquer ensaio artístico de “ridículo” ou desapropriado.
    Se cada ser em cada época se tornasse imune ao ridículo ou ao desapropriado não teriam existido andy warolls, William Burroughs, Picassos, Mozarts, Rachmaninov´s entre outros tantos talentos desenvolvidos a partir da sua obsessiva e irreverente expressividade, diferentes de tudo, quase imunes às correntes dominantes ou contextos envolventes.
    Sou um otimista Isabel!! Deixa os jovens fazer rimas… ;-)

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    1. Reconhecendo a minha tendência para um tom hiperbólico, especialmente quando alguma coisa me irrita de forma particular (bem como tu hoje te deu para ser prolixo até mais não), eu dou-te razão, em parte, Miguel, mas insisto: não sou contra todo o tipo de experiências que se possam fazer com as criancinhas, como rimas ou sem elas, mas continuo a achar que tem os seus perigos pedir a um aluno, assim, sem mais nem menos: "faz-me um poema!"
      Beijinhos
      Moi

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  6. Isabel, Tu mandas nas palavras... "Prolixo??? Oui c'est moi!!" Compreendes agora porque não posso ter um blog? ;-)

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    1. Prolixo, ou não, podes ter um blog sim, Miguel! Basta querer...
      E eu sei que, mesmo que não sejas para já, um dia vais querer ;)

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