segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Um artista português


Não sou uma incondicional do Fado. Mas acho, ainda assim, que qualquer português gosta de Fado, nem que seja só um bocadinho, porque há naquele canto simultaneamente triste e arrebatado qualquer coisa que tem a ver com a nossa essência e que só nós conseguimos entender em toda a sua dimensão.
Por isso, apesar de nunca ouvir fado em casa e haver apenas dois ou três nomes que verdadeiramente me tocam, no fim de semana estive num concerto de Fado.
Pela terceira vez na vida fui ouvir Camané. E, como das vezes anteriores, não me arrependi. Durante cerca de duas horas deixei-me seduzir pela sua voz quente e forte e fui levada por uma viagem dividida em duas partes sem paragem no meio, a primeira dedicada a Alfredo Marceneiro e a segunda percorrendo a obra em nome próprio, com brilhantes incursões pela poesia de Cesário Verde, Fernando Pessoa ou David Mourão-Ferreira, na qual pude sentir, como antes, a magia pura que consiste em entender de facto o que é a "alma portuguesa": é aquela mistura de melancolia, paixão, garra e entrega total à emoção do momento, tudo pontuado pelo magnífico som da guitarra portuguesa.
Impossível ficar indiferente à intensidade de quem se dá assim, inteiro, e se adentra também pelo mais fundo de nós ou pelo mais lindo, amargo, comovente, sério, delicioso da vida. De um espectáculo assim sai-se obrigatoriamente engrandecido, de alma a transbordar e convencido de que há, em Portugal, artistas excepcionais, como Camané e os músicos que o acompanham: José Manuel Neto na guitarra portuguesa, Carlos Manuel Proença na viola, Paulo Paz no contrabaixo.
É por isso que mais do que no domínio do desporto, diante de uma selecção ou equipa futebolística qualquer, é em momentos assim, felizes e perturbadores ao mesmo tempo, que eu sinto orgulho de ser portuguesa.

Foste como quem me armasse uma emboscada
ao sentir-me desatento
dando aquilo em que me dei
foste como quem me urdisse uma cilada
vi-me com tão pouca coisa
depois do que tanto amei...

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