Se há coisa de que eu gosto é de livros. Gosto do cheiro dos livros, do toque e do que eles me ensinam. Não imagino a minha vida sem livros, como também não a imagino sem música. Foi nos livros que conheci muita coisa antes de a viver, foi onde aprendi o sonho e a vida, onde me aventurei por destinos que fiz meus, descobrindo palavras que sempre me acompanham e ajudam a traçar caminhos.
Gosto dos livros como gosto de canetas, na relação de ambos com as palavras e com os mundos para onde me levam, mas também na ligação ao corpo, e em tudo o que há nisso de mais sedutor. E, mesmo reconhecendo as vantagens da era tecnológica, apesar da minha natural resistência e falta de jeito, não me deixo seduzir pelo livro electrónico, porque me falta a relação física, o lado mais imediato e sensual do toque, dos dedos a folhear o papel, da mão a deslizar na página, que precede a entrega da alma inerente ao acto de ler, como ao de escrever.
Quando eu era pequena, a Feira do Livro era na Avenida da Liberdade. Lembro-me de como gostava daquele passeio feito a pé, depois do jantar, nas noites claras que anunciavam o Verão e as férias grandes. E de como, naquela altura, me pareciam enormes as barracas amarelas e cinzentas, carregadinhas de livros.
Lembro-me de olhar fascinada as capas dos livros da Anita à procura dos que ainda me faltavam na colecção, num tempo em que os livros ficavam quase à altura dos meus olhos. Depois eram os Cinco e os Sete e as Gémeas e todas as sagas de Enid Blyton, ou as Brigittes de Berthe Bernage, que também tiveram a sua época. E a iniciação aos livros de "gente crescida", a capa castanha de As Pupilas do Senhor Reitor, lisa e sóbria, como me parecia então o mundo dos adultos; e tantas outras memórias dessas Feiras da minha infância, a que nunca faltava, celebração de fim de Primavera, uns dias antes de Lisboa explodir em festa, com os bailes e as marchas, as sardinhas e os manjericos.
Entretanto a Feira mudou-se para o Parque Eduardo VII e é agora muito diferente desses tempos já longínquos. Ou sou eu que a vejo com outros olhos, talvez. Houve mesmo anos em que nem passei por lá. Agora sim, volto à Feira, mas não a visito inteira e de uma vez só. Passo várias vezes, em dias diferentes, descubro-a aos bocadinhos, escolho percursos com paragens criteriosamente seleccionadas, ou deixo-me levar sem destino, detendo-me ao sabor das novidades que surgem no caminho, ou por qualquer motivo que me desperta a atenção.
Hoje, na Feira, há muito mais do que os livros e os autores. Há a barraquinha das farturas e a das queijadas de Sintra, o "Olá fresquinho", e a "língua da sogra", os palhaços e os balões; todo um folclore que tem pouco a ver com os livros.
Mas, ainda assim, a Feira do Livro já faz parte da história da "minha" Lisboa e, ano após ano, o Parque enche-se de gente nesta altura, em ambiente de passeio e de festa. Pelo menos uma vez em trezentos e sessenta e cinco dias os lisboetas vão ao Parque ver os livros, mexer-lhes e folheá-los. Comprar, até, em calhando. Se isto for suficiente para levar mais pessoas a gostar de ler, terá valido a pena.
E porque isto dos livros e das palavras anda tudo ligado, porque ler não existe sem escrever, e o contrário, o meu Isto e Aquilo celebra hoje mais um número redondo: este é o post número 200, um ano e 20 dias depois do começo da aventura da blogosfera, que é também, para mim, uma imensa festa.
Nem comento.
ResponderEliminarAinda estou lixada pelo facto dos editores se terem negado a fazer a feira no Porto que já tinha 86 anos.
Ler o seu post até me deu azia....a culpa não é sua, mas é o que sinto!
Bjo
Eu percebo-a, Virgínia!
EliminarEssa situação do Porto, além de lamentável é, no mínimo, revoltante.
Beijinho