sábado, 17 de agosto de 2013

Ausência(s) e vontade(s)



Era sobretudo na luz difusa do entardecer que anunciava o final do Verão, na subtileza dos dias que pouco a pouco iam ficando mais curtos, nas horas em que todos os contornos se tornavam indistintos, que chegava aquela melancolia que a fazia contar os dias e deixar  a saudade instalar-se,  como a claridade se intromete por pequenas frestas imperceptíveis, ou a água  abre caminhos, correndo enlouquecida na ânsia de chegar,  tal e qual o seu  pensamento à deriva, percorrendo trilhos sinuosos e distantes e  vontades  irreprimíveis que lhe extravasavam a pele, perdendo-se à solta pelo mundo, levando-a para dentro de  histórias envolventes, de amizade de amor e de desejo confundidos, entre medos e ilusões, riscos, expectativas e esperanças, alimentadas e dissipadas pela vida real, que não conseguiam serenar-lhe o coração, nem sossegar-lhe as inquietudes e impaciências do corpo.
Ou então armava-se em forte, como se nada lhe fizesse falta. E vivia o irrepetível de cada momento, onde se incluía o que não tinha sabor a nada e os dias e as noites que se sucediam numa cadência repetida; e calava as perguntas para as quais não encontrava resposta; e esforçava-se por não deixar transparecer nos olhos as cores e as agitações da alma, mesmo quando não sabia ao que ia, ou o que podia esperar.
Outras vezes  consentia abandonar-se aos caprichos de um coração que se impunha e antecipava à razão e assumia que o trazia dentro dos olhos, colado ao peito, enchendo-lhe os dias como quando estava perto e o coração disparava na desfaçatez e no destemor de querê-lo tanto, mesmo que isso lhe parecesse estar para lá do razoável. E enquanto percorria a linha do contorno dos olhos que a imagem lhe devolvia  e tentava em vão adivinhar o que se escondia para lá deles, quase podia sentir a sua mão grande a passar-lhe no cabelo, antever o momento de lhe arrancar a roupa e de descobrir cada  segredo da sua pele, sentir os arrepios dos seus corpos nus, enlaçados, em  abraços vagarosos da descoberta do amor; e via-lhe o sorriso e ouvia a sua voz dentro da cabeça e sonhava com o abandono de um beijo demorado, onde coubesse tudo o que as palavras não conseguem dizer. E sentia-lhe a falta. E sobrevinha a pressa, indomável e urgente, de poder tê-lo outra vez ali consigo. E misturavam-se-lhe no pensamento histórias felizes ou mágoas do passado com tudo que ainda lhe havia de doer e lhe faltava sofrer e experimentar.
E assim corriam os dias, numa cadência rítmica, como o tic-tac de um relógio medindo o tempo, implacável. Para mitigar o sentimento, permitia-se todas as fantasias. Fazia-se cigana, dançava ao som de música festiva como se um leque aberto e o vaivém da saia rodada de folhos  pudessem enganar o tempo, que nunca se sabe se é suficiente ou demasiado, nem quanto sobra ou quanto faz falta, e  chegasse ao interior das coisas e pudesse ver mais longe; e com isso fizesse prevalecer a esperança de mil e um desejos que não sabia se chegariam a concretizar-se ou não passariam de promessas adiadas, mas que não tinham lágrimas nem lamentos, apenas a vontade de dar e receber afecto, e todos aqueles mimos que vão dando sentido à vida e são capazes de fazer de cada segundo um tempo infinito.
(Fotografia de Paulo Abreu e Lima)

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