Às vezes o silêncio e a ausência alteravam-lhe a disposição e sobrepunham-se a tudo, ocupando-lhe o corpo e o espírito, na urgência de o ter. Então sabia que não adiantava resistir. Rendia-se sem nenhum remorso à vontade que lhe apertava o peito e não havia nada que lhe apetecesse mais que ele. Era como se a sua falta lhe tomasse a vida de assalto. Nem se questionava sobre as razões que originavam aquele estado de espírito, perdido entre a realidade e o sonho, a imaginação à solta sem limites nem impossibilidades, e a saudade do que ainda não conhecia e vivia na cabeça por antecipação, entre dúvidas, ambiguidades e hesitações, vontades presas na garganta e contidas no corpo, extravasadas nos dias em que as suas palavras a tocavam de mansinho e nos desejos que elas lhe despertavam, ora serenos ora sobressaltados. E depois também aquela voz, que a levava nem sabia bem por onde, mostrando-lhe caminhos que queria percorrer lentamente, a saborear cada novo passo, ou fazê-los de uma vez, saltando etapas, na ânsia de o ter, mesmo sem saber ainda se era isso que queria, ou o que nele era real, ou inventado pela sua fantasia.
Sabia que no fim de um caminho há sempre outro caminho, ou muitos outros caminhos que se vão escolhendo e construindo devagar, com tudo o que isso tem de inesperado e de incerto. E que há coisas que são assim, simplesmente, que não se conseguem compreender, que apenas se sentem e se lêem no fundo dos olhos. E que o que é mesmo importante demora a acontecer. E que a vida é para aproveitar como nos chega.
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